FRUT´Ó CHOCOLATE!
FLeming de OLiveira
Nos meses de Julho e Agosto, já lã vão mais de cinquenta anos, ainda eu não vivia em Alcobaça, era habitual ao Manuel ir com o irmão para a Nazaré depois do almoço, até ao fim da tarde, apanhando uma boleia, pois de manhã ajudavam em casa o pai que era pedreiro.
Aos domingos, o Manuel e o irmão iam com os pais no Morris preto, na companhia do proeminente abdómen do amigo “senhor António electricista”, que enfrentava dolorosamente as vagas alterosas e frias do mar no intuito de reduzir o abdómen a estéticas proporções, não escapando, por isso, ao epíteto de barriguinhas com que era o mimado às escondidas. Nesse dia, alugavam uma barraca, onde comiam o almoço feito em casa pela Alzira, que durante a semana trabalhava em casa de meus sogros e era uma excelente cozinheira de todos os pratos de bacalhau.
O grande momento era quando a maior parte dos banhistas se preparava para enrolar as toalhas, se despia nas barracas às riscas, e o sol pintava no horizonte as suas cores de postal ilustrado. Cumpridos os processos digestivos e metabólicos que aliviavam o estômago e por vezes os intestinos, Manuel e irmão afilavam as orelhas tentando antecipar o pregão do homem dos gelados, “Olh’ó Rajá fresquinho, olh’ó Rajá fresquinho, estão a chamar, a chamar por mim, mas eu já lá vou a correr!”
Outras vezes, eram as batatas fritas, comidas gulosa e avidamente de permeio com os grãos de areia que a sofreguidão não deixava limpar das mãos.
Ou ainda os barquilhos. A voz distorcida pela corneta despoletava-lhe, e aos garotos em geral, uma tentação irresistível, pelo que pais, avós, vizinha, não importava quem, tinham que largar uma moedinha. Ninguém sabia quando, nem donde saía o homem com a lata às costas e a corneta na boca. Mas o Manuel sabia que a lata era uma arca do tesouro. Vestido de branco, ao longo dos quilómetros de areal o homem dos barquilhos, carregava suadamente o cilindro com roleta na tampa, que oferecia o acaso do número das bolachinhas cónicas umas sobre as outras, no rodopio da palheta a raspar a gradinha. “Barquilheiro!” apregoava ele a prolongar a penúltima sílaba. A estas, havia direito em maior ou menor quantidade, conforme o número que ditava a roleta situada na tampa do balde vermelho de metal. Qualquer que fosse o número da sorte, cada rodada custava cinco tostões. Manel e o irmão normalmente tinham sorte e nesse dia pediram ao pai uma moedita, fizeram girar a roda da sorte e… sairam-lhes ao todo cinco barquilhos para os dois.
Os vendedores de gelados eram uma constante na avenida marginal. Tocavam freneticamente a campainha do triciclo anunciando o gelado geralmente caseiro de vários paladares, com um “frut’ó chocolate”. O cone mais pequeno custava cinquenta centavos e o maior um escudo.
Longe vão as “Bolas de Berlim fresquinhas ou caracóis”, como apregoavam as mulheres fardadas de branco que, de manhã à noite, caminhavam na areia, com as caixas de lata cheias de bolos, à cabeça. Mas também havia, os vendedores de bolacha americana. Bolacha americana doce e torradinha! Porquê americana? Soava bem, mas não sabia a liberdade... Era redonda e de reticulado impresso.
Na marcha sobre a areia, ouvia-se também um “olha a língua da sogra”, neste caso sem adjetivos. As bolachas não eram para a fome, esculpiam apenas a gulodice.
Quase ao pôr-do-sol a família e o “Senhor António electricista” faziam o caminho inverso, bem apertados no Morris. A roupa encostada ao corpo queimado pelo sol, arranhava a pele do Manel e irmão. Mas era bem gostoso. No próximo fim-de-semana, lá estariam todos outra vez, se o tempo ajudasse.
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