sexta-feira, 18 de setembro de 2020

BRUXAS: NÃO ACREDITO EM BRUXAS… MAS…

 

NÃO ACREDITO EM BRUXAS… MAS…

 

 

 

 

 

Com cerca de 25 anos e casada há mais de quatro, Maria Helena, empregada de balcão numa casa comercial, ainda não tinha filhos, para grande desgosto seu, do marido e pais. O médico da Caixa disse-lhe que não encontrava nada que o impedisse. Mas Maria Helena andava desgostosíssima, com receio de perder o marido que adorava crianças, pelo se abriu com uma vizinha, referindo o angustioso problema que se interpunha na sua vida e na sua felicidade.

-Menina Helena,  sabe uma coisa … Não leve a mal o que lhe vou dizer, mas eu conheço uma  pessoa que trata dessas coisas…

-Que coisas, Dª. Rosa?

-Bem… Ela não é bem uma bruxa, mas é muito boa, já salvou muitos casamentos! Ela vai ver que no seu caso anda aí qualquer coisa estranha. Ela percebe dessas coisas, diz-lhe tudo e como resolver. Até já trabalhou com um médico.

-Dª. Rosa, eu não quero…

-E não é careira, leva só 20$00. A menina  Lena se quiser diga-me, que eu falo com ela!

Antes de ir ainda falou comigo e com um motorista da praça que conhecia muita gente, inclusivamente um padre italiano que vivia em Fátima. Mas ao que constava ao taxista, este era especialista em exorcismos. Não interessava portanto à menina Lena. E eu não soube “encaminhá-la”.

O cliente pagava 20$00, como primeiro passo para acabarem os problemas, mas os resultados ou demoravam por vezes aparecer ou nem apareciam. Assim foi prevenida pela amiga que lhe disse que as moças têm sempre muita pressa, há assuntos que não se resolvem de pé para a mão ou porque não cumprem as prescrições. Maria Helena tentou saber se havia muitas queixas. Não, não constava que alguém se tivesse queixado. O grupo não poderia ser grande, mas convinha que fossem sempre mais do que duas pessoas. Havia que respeitar a mesa de três pés, nunca dizer graçolas ou rir, ainda que com nervoso. Uma vez com os dedos sobre o tampo de madeira, sem carregar, não se podiam cruzar as pernas, pois doutro modo não passava o fluido. Crucifixos e medalhinhas como a que Maria Helena trazia ao pescoço, também era conveniente retirar, porque “isso não é lá muito católico”. As sessões faziam-se com pouca luz, normalmente da parte de tarde. Quando Maria Helena chegou estavam duas pessoas na sala de espera, enquanto uma molhada de seis se curvava sobre a mesa. A bruxa explicava que era necessário fazer-se uma invocação prévia, um aquecimento, chamar por alguém que tivesse morrido, etc., para depois se passar à exploração das potencialidades da mesa. Todos se sentavam em volta da mesa, acotovelando-se, e colocavam as pontas dos dedos das mãos, levemente no tampo mas sem carregar, tendo o cuidado de permitir que um dedo do próximo tocasse no seu, para fechar o circuito. Maria Helena, fora avisada que, mal a mesa se começasse a mover, não se poderia romper o contacto com o tampo, e devia-se acompanhar o movimento, pois se se largasse a mesa, esta imobilizar-se-ia. E claro, isso era importantíssimo não poderia haver gracinhas, nem risinhos nervosos, sob pena de a mesa parar de trabalhar. Ó mesa, diz-me lá isto, diz-me lá isto ou aquilo... Ser interpelada com rudeza não era conveniente, outrossim deveria ser apaziguada com elogios.

Havia, um código para as respostas, por exemplo uma pancada dos pés da mesa significava sim, duas não. Isto às vezes obrigava a que Maria Helena secretariasse a mesa (ela tinha experiência como balconista), e anotasse o que ela ia indicando, até formar palavras coerentes. Por vezes, nem se esperava que a palavra fosse completada e perguntava-se à mesa se ela não quereria dizer isto ou aquilo, ao que ela poderia responder com um simples sim ou um não. Era ao participante que cabia, em última instância, reconhecer o espírito, e só ele é que o podia fazer com segurança. Os motivos pelos quais o espírito entrava em contacto, podiam ser vários. O morto está inquieto. O morto não cumpriu uma promessa. O morto experimenta dificuldades no outro mundo. O morto está com saudade da vida na Terra. O morto tem um espírito mau que vem molestar os vivos e se possível levar alguém consigo.

Foi contada a Maria Helena o caso de um defunto que voltou, por discordar da forma como as partilhas foram feitas e, isso abriu os olhos aos herdeiros. Quando se trata de um espírito mau, a bruxa pode ter de se deslocar a casa da vítima, para poder confrontá-lo. Ele vocifera, ameaça, não se quer convencer, tenta recusar compromissos. Mas bem trabalhado acaba por ceder. A bruxa já conhecera casos destes, que eram especialmente trabalhosos e de resultados ingratos.

Não obstante a sua simplicidade e credulidade, Maria Helena extraiu algumas conclusões pragmáticas sobre o funcionamento da mesa. Não valia a pena perguntar coisas que nenhum dos presentes soubesse, pois, nesse caso, as respostas eram disparatadas ou erradas. Mas desde o momento que algum dos presentes conhecesse a resposta, embora mais ninguém a soubesse, a mesa respondia em geral corretamente. Ficou demonstrado que as previsões do futuro imediato raramente ou nunca eram corretas. Ninguém acertou na lotaria. Só ao fim da terceira sessão coletiva (a mesa não colaborava em sessões individuais), é que Maria Helena percebeu que o seu mal-estar decorria de o espírito de seu falecido pai, pretender entrar em contacto com ela, para lhe dizer que devia refazer partilhas, sob pena de enquanto o não fizesse, não conseguir engravidar. Para fazer o espírito ir-se embora e sossegado, Maria Helena, decidiu refazer as partilhas com o irmão e foi tratar do assunto ao meu escritório.

Querem saber o final?

Maria Helena, no ano seguinte, deu à luz um robusto menino, com três quilos, convidou a minha filha mais velha para madrinha e de vez em quando aparecia no meu escritório, para conversar e tomar conselhos.

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