EM QUE SE TRATA DE GAMBUZINOS E PÃO
1)-Francisco (Chico), gosta de contar a partida
da caça aos gambuzinos que, há perto de setenta anos, pregou ao primo Tó, ambos
com uns oito ou nove anos que, recém-chegado de Lisboa, veio passar as férias
de Verão perto de Alcobaça, em casa dos avós. Não sabendo o que eram os
gambuzinos, Tó na sua ingenuidade citadina imaginava serem uma espécie de
mistura entre um pirilampo e um ouriço-cacheiro. Chico começou por dizer ao
primo que a caça aos gambuzinos é rigorosamente proibida pela GNR, pelo que o
não podia contar a alguém. Assim, logo depois do jantar, algo excitados, foram
para o campo, onde procuraram árvores com tocas, buracos no solo ou buracos nas
rochas. O pobre rapaz, acabou por ficar umas duas ou três horas de apito na
boca, lanterna e saca aberta nas mãos, à espera que o Chico, batedor
experimentado como se reclamava, fizesse o cerco e assim pusesse a correr na
sua direção, os famigerados e assustados bichos. A aventura tinha começado
quando o Chico lhe deu um apito de louça (era o único que tinha à mão) e uma
saca de serapilheira, que foi buscar ao celeiro do avô, e se muniu de latas e
paus para fazer barulho. Tó abandonado naqueles preparos prosseguiu
sozinho a caçada, apurando o ouvido ao mínimo ruído. A experiência acabou
quando o frio, o medo ou o cair em si, o trouxeram à realidade.
Este instante, constituiu para o Tó um momento
de perda da inocência (que diz que bem lhe serviu na banca, onde veio a
trabalhar), pois a partir daí o mundo não seria mais o que parecia, como
reconheceu sem acrimónia. Desabou um dos pilares que sustentava a sua infantil
e lisboeta visão do mundo e da realidade. Tó acabou por crescer com a expressão
na boca, vai “caçar gambuzinos”.
2)-Os portugueses, como Salazar bem sabia, têm
no pão um emblema forte da sua dieta. Ainda hoje, são zelosos guardadores da
epopeia do pão, símbolo dos seus anseios, nas palavras de políticos e poetas, “a paz, a saúde e a habitação”. O preço
do pão, foi um barómetro do descontentamento e o único produto a que Salazar
nunca permitiu subir o preço. Assim, como não
deixou aumentar o preço do pão, foi necessário fabricar um pão mais leve,
vendido ao mesmo preço do de meio ou de um quilo. Enganava-se o cliente, mas
tornava-se viável o negócio.
Embora
o pão continue a ser especialmente apreciado, a profissão de padeiro encontra-se, definitivamente,
Alberto,
industrial de panificação à moda antiga, ora reformado, salienta que no passado
havia uma “íntima relação entre o padeiro
e o pão, pois aquele tinha que usar os sentidos para descobrir se o pão estava
no ponto. No meu tempo, havia que sentir com as mãos a textura da massa e
conhecer o cheiro próprio para avaliar se o pão estava pronto. Com as novas máquinas, a vida dos padeiros foi
facilitada e, ao invés de acordarem às duas da manhã como acontecia, poderam
acordar (pelo menos) às quatro, mas agora isto mesmo acabou”.
Apesar
do desenvolvimento da profissão, os padeiros portugueses tradicionais, sofreram
uma crise a partir dos anos de 1980, quando nutricionistas começaram a apregoar
que o pão engorda. Com a expansão dos supermercados, o comércio tradicional e a
sua forma de aquisição começaram a modificar-se. Hoje, há pão fresco, variado e saboroso
a toda a hora. A venda de pão assemelha-se à de uma confeitaria.
Alberto
aprendeu o ofício com os mais velhos, trabalhando de início como assistente em
funções menores, como limpeza. Já preparado na arte, abriria o seu próprio
negócio. À medida que a sociedade se transformou, evoluíram também as
necessidades e desejos. Um português come em média metade da quantidade que há
50 anos atrás. Apesar de os padeiros serem continuamente desafiados, a população
portuguesa mesmo não citadina, não cosendo mais o pão, mantém a tradição de o consumir
pão todos os dias, ainda que em menor quantidade, porque está nas raízes de sua
cultura e dieta.
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