PELO
MENOS, É BEM ACHADA…
Luís,
acabara de fazer 16 anos. Um primo, sabendo do seu entusiasmo pela caça,
oferecera-lhe uma velha arma calibre 16, que anunciava ter mais de 70 anos, uma
arma pequena de 2 canos e com cães exteriores, que já pertencera a um avô
comum.
Depois
de muita ansiedade, o pai acompanhado do Sr. Francisco “farmacêutico”, chegou a casa e anunciou que, finalmente, lhe tinha
conseguido licença de uso e porte de arma. Foi uma ótima notícia para o rapaz,
pois a caça abria no dia seguinte, ou seja, o dia 1 de Outubro. Havia algum
tempo, que Luís acompanhava o pai e dois colegas, e até tinha a licença de
caça, com direito a fotografia e tudo, e que tinha custado 29$00! Desse modo podia
levar um pau na mão, pois ninguém da venatória o incomodava. Doravante as
coisas soavam mais fino. Foi agitado o sono daquela noite. Muito antes das 6 horas,
lá partiram os quatro a pé. Luís estava vaidoso com uma arma a sério, cartucheira
à cintura, e o barulho nas pedras da estrada, graças à carda metálica das botas
de cabedal. Várias vezes tinha pedido à mãe para não esquecer o bornal
com um pequeno farnel, e um odre de refresco de água com café adocicado.
Ao
romper o dia chegaram finalmente ao destino. Mas nesse dia a caça era pouca,
para não dizer quase nenhuma. Nos outros anos, lá aparecia um coelhito de vez
em quando, que servia para animar os cães. Mesmo assim, Luís não desanimou e o
seu entusiasmo mantinha-se intacto. Largaram os 4 cães, o galego, o faísca, o
ladino e o raio. Como se lembra deles. Ainda hoje, passados tantos anos, parece
estar a vê-los dar as primeiras correrias de alegria ao serem desatrelados,
após a caminhada. Andavam no monte havia já mais de uma hora. Os cães cumpriam o
seu dever, procurando no mato um coelho que teimava não aparecer, não porque
fosse matreiro, mas, provavelmente porque não existia mesmo. A dada altura o
Luís afastou-se um pouco dos companheiros, e passou para o outro lado do cabeço.
Após caminhar algumas dezenas de metros, foi surpreendido com um ruído que
nunca tinha escutado, e viu saltar mesmo a frente, uns quatro ou cinco pássaros.
Apontou a arma e disparou o seu primeiro tiro como caçador e, para aumentar a
satisfação e orgulho, não obstante o fumo provocado pela pólvora preta, que
usava, viu cair perto de si um pássaro.
Não hesitou. Colocou a arma no chão e correu a apanhar a ave, sem se lembrar
porém que ainda tinha mais um cartucho para disparar e que isso lhe permitiria
a abater outra peça. Pegou eufórico na ave, na arma e correu para os
colegas a gritar, “apanhei um pássaro
enorme”.
Mas
a alegria aumentou muito, quando o Sr. Francisco “farmacêutico”, exclamou “é
uma perdiz”. Percebeu, então, que a partir daquele momento tinha-se tornado
num caçador de perdizes.
Desde
então, muitos outros factos aconteceram, alguns bem curiosos, que às vezes
recorda. As épocas de caça sucediam-se umas às outras, com maior ou menor
sucesso, e cada uma com as histórias mais ou menos verdadeiras.
O
episódio que me contou, refere-se possivelmente à época 1993/94, sendo
testemunhado por companheiros que com ele rumaram ao Alentejo, no último dia do
calendário para caça de salto à lebre. Luís, homem feito, tinha um perdigueiro
com pouco mais de um ano, mas que revelava já boas aptidões, com lances um
pouco largos, mas com uma paragem segura e uma busca perfeita, lateralizando bem.
Após
mais ou menos meia hora o início da jornada, o perdigueiro fez uma paragem.
Luís tomou posição, acelerou o passo na tentativa de ganhar terreno e
acompanhar de perto animal, que encetou uma busca mais cautelosa e direcionada,
a bom vento. Estavam numa encosta não muito íngreme, semeada de aveia com
algumas zonas bem crescidas. Ao chegar ao cimo, o cão parou, ficou seguro, e
quando Luís se preparava para descobrir caça, saltou uma lebre à frente.
Retraiu-se na tentativa de atirar na melhor distância, e ao desenrolar do
animal, disparou. A lebre deu uma cambalhota, endireitou-se e correu ainda na
zona de tiro. Refeita a pontaria, apertou o gatilho, mas o tiro não saiu. “Adeus lebre, que vais à tua vida”.
Depois de verificar o que se teria passado, constatou que a extração do
cartucho do primeiro disparo não fora bem feita. Indiferente ao episódio o
perdigueiro arrancou no rasto do animal e Luís desanimado com a oportunidade
perdida, retomou o lugar na linha. Quando se refez do desaire, olhou em redor e
qual não foi o seu espanto, quando lá bastante longe no cimo dum cabeço,
descobriu o cão, com algo na boca. Depois de percorrer a distância que os
separava, chegou o cão com a lebre que dera como perdida.
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