sexta-feira, 18 de setembro de 2020

CAÇADORES: PELO MENOS, É BEM ACHADA…

 

PELO MENOS, É BEM ACHADA…


Luís, acabara de fazer 16 anos. Um primo, sabendo do seu entusiasmo pela caça, oferecera-lhe uma velha arma calibre 16, que anunciava ter mais de 70 anos, uma arma pequena de 2 canos e com cães exteriores, que já pertencera a um avô comum. 

Depois de muita ansiedade, o pai acompanhado do Sr. Francisco “farmacêutico”, chegou a casa e anunciou que, finalmente, lhe tinha conseguido licença de uso e porte de arma. Foi uma ótima notícia para o rapaz, pois a caça abria no dia seguinte, ou seja, o dia 1 de Outubro. Havia algum tempo, que Luís acompanhava o pai e dois colegas, e até tinha a licença de caça, com direito a fotografia e tudo, e que tinha custado 29$00! Desse modo podia levar um pau na mão, pois ninguém da venatória o incomodava. Doravante as coisas soavam mais fino. Foi agitado o sono daquela noite. Muito antes das 6 horas, lá partiram os quatro a pé. Luís estava vaidoso com uma arma a sério, cartucheira à cintura, e o barulho nas pedras da estrada, graças à carda metálica das botas de cabedal.  Várias vezes tinha pedido à mãe para não esquecer o bornal com um pequeno farnel, e um odre de refresco de água com café adocicado.

Ao romper o dia chegaram finalmente ao destino. Mas nesse dia a caça era pouca, para não dizer quase nenhuma. Nos outros anos, lá aparecia um coelhito de vez em quando, que servia para animar os cães. Mesmo assim, Luís não desanimou e o seu entusiasmo mantinha-se intacto. Largaram os 4 cães, o galego, o faísca, o ladino e o raio. Como se lembra deles. Ainda hoje, passados tantos anos, parece estar a vê-los dar as primeiras correrias de alegria ao serem desatrelados, após a caminhada. Andavam no monte havia já mais de uma hora. Os cães cumpriam o seu dever, procurando no mato um coelho que teimava não aparecer, não porque fosse matreiro, mas, provavelmente porque não existia mesmo. A dada altura o Luís afastou-se um pouco dos companheiros, e passou para o outro lado do cabeço. Após caminhar algumas dezenas de metros, foi surpreendido com um ruído que nunca tinha escutado, e viu saltar mesmo a frente, uns quatro ou cinco pássaros. Apontou a arma e disparou o seu primeiro tiro como caçador e, para aumentar a satisfação e orgulho, não obstante o fumo provocado pela pólvora preta, que usava, viu cair perto de si um pássaro. Não hesitou. Colocou a arma no chão e correu a apanhar a ave, sem se lembrar porém que ainda tinha mais um cartucho para disparar e que isso lhe permitiria a abater outra peça. Pegou eufórico na ave, na arma e correu para os colegas a gritar, “apanhei um pássaro enorme”.

Mas a alegria aumentou muito, quando o Sr. Francisco “farmacêutico”, exclamou “é uma perdiz”. Percebeu, então, que a partir daquele momento tinha-se tornado num caçador de perdizes.

Desde então, muitos outros factos aconteceram, alguns bem curiosos, que às vezes recorda. As épocas de caça sucediam-se umas às outras, com maior ou menor sucesso, e cada uma com as histórias mais ou menos verdadeiras.

O episódio que me contou, refere-se possivelmente à época 1993/94, sendo testemunhado por companheiros que com ele rumaram ao Alentejo, no último dia do calendário para caça de salto à lebre. Luís, homem feito, tinha um perdigueiro com pouco mais de um ano, mas que revelava já boas aptidões, com lances um pouco largos, mas com uma paragem segura e uma busca perfeita, lateralizando bem.

Após mais ou menos meia hora o início da jornada, o perdigueiro fez uma paragem. Luís tomou posição, acelerou o passo na tentativa de ganhar terreno e acompanhar de perto animal, que encetou uma busca mais cautelosa e direcionada, a bom vento. Estavam numa encosta não muito íngreme, semeada de aveia com algumas zonas bem crescidas. Ao chegar ao cimo, o cão parou, ficou seguro, e quando Luís se preparava para descobrir caça, saltou uma lebre à frente. Retraiu-se na tentativa de atirar na melhor distância, e ao desenrolar do animal, disparou. A lebre deu uma cambalhota, endireitou-se e correu ainda na zona de tiro. Refeita a pontaria, apertou o gatilho, mas o tiro não saiu. “Adeus lebre, que vais à tua vida”. Depois de verificar o que se teria passado, constatou que a extração do cartucho do primeiro disparo não fora bem feita. Indiferente ao episódio o perdigueiro arrancou no rasto do animal e Luís desanimado com a oportunidade perdida, retomou o lugar na linha. Quando se refez do desaire, olhou em redor e qual não foi o seu espanto, quando lá bastante longe no cimo dum cabeço, descobriu o cão, com algo na boca. Depois de percorrer a distância que os separava, chegou o cão com a lebre que dera como perdida.



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