quarta-feira, 12 de julho de 2023

UM PAPA EM PORTUGAL

 

UM PAPA EM PORTUGAL

 

FLeming de OLiveira

O ambiente era de tensão, entre o Governo Português e o Vaticano, nesses tempos finais do salazarismo, embora a maioria dos portugueses não se apercebesse disso.

“Oficialmente nada sei, mas, pessoalmente, creio que o Papa” (Paulo VI) “virá a Portugal, caso não haja implicações internacionais que o não permitam”, declarou, com cautela, o leiriense Cónego José Galamba de Oliveira, vice-presidente da comissão central das comemorações do cinquentenário das aparições.

Os rumores de uma visita papal a Portugal começaram a circular durante a cerimónia da entrega por Paulo VI da Rosa de Oiro ao Santuário de Fátima e, embora sem confirmação oficial, passaram a ter acolhimento muito favorável nas autoridades eclesiásticas portuguesas. A viagem foi publicitada na Audiência Geral de 2 de maio de 1967 e apresentada como uma “peregrinação para honrar Maria Santíssima e invocar a sua intercessão em favor da paz na Igreja e no Mundo. A peregrinação rapidíssima, terá caráter privado. Sua Santidade o Papa, partirá para Fátima no dia 13, e o avião aterrará no aeródromo de Monte Real. Depois de celebrar missa e falar aos fiéis, regressará a Roma no mesmo dia”.

Do ponto de vista da comunicação social, a visita papal foi, provavelmente, o acontecimento mais mediático a que, até então, se assistira e que veio atenuar a política isolacionista do Estado Novo e também fonte de inspiração e estímulo para os que se lhe opunham.

Salazar terá “jurado” a Franco Nogueira que enquanto fosse vivo, Paulo VI não viria a Portugal, que lhe recusaria o visto de entrada.

À partida, era expectável que a visita do Papa se prestasse a ser fortemente capitalizada pelo regime. Mas também acabou por se revelar mobilizadora e benéfica para as oposições, que reconheciam os seus anseios e preocupações no discurso de Paulo VI que liderava um movimento de renovação da Igreja, que assumira a causa dos mais fracos e denunciava as injustiças decorrentes de um capitalismo feroz e alheado do progresso dos povos, que por isso fomentava a revolta e a guerra.

Conforme o embaixador de Portugal em Roma, António de Faria, o Pontífice tardou todavia a dar o “sim” à deslocação.

O primeiro a receber no Vaticano um arcebispo de Canterbury  (na época, Geoffrey Fisher)  foi porém João XXIII, a 2 de dezembro de 1960. O primeiro encontro entre um Pontífice e um Primaz da Comunhão Anglicana desde 1559, foi um marco do ecumenismo. Mas, curiosamente, um evento do qual não existe nenhuma fotografia. Afinal a Igreja também faz “birras”…

Conta-se que o parecer favorável de João XXIII ao encontro (o pedido vinha do próprio Fisher)  gerou turbulência na Cúria, pelo que não foi destacado fotógrafo para o acontecimento. Não foi uma decisão improvisada, mas sim preparada por anos de atenta reaproximação, mas que nem a fórmula de uma “visita de cortesia” foi suficiente para torná-la menos explosiva.

Paulo VI foi o primeiro Papa a fazer com regularidade, viagens para fora do Vaticano. Antes de Fátima, foi à Terra Santa, à Assembleia Geral de ONU, em 1963 ao Congresso Eucarístico em Bombaim, o que Franco Nogueira, qualificou como “um agravo gratuito, no duplo sentido de que é inútil e injusto para com um país católico”.

A deslocação a Fátima, à partida, não foi apreciada pelo governo português. Permanecia o agravo entre a Índia e Portugal, pois aquela tinha invadido e ocupado Goa, Damão e Diu em dezembro de 1961, e, apesar da tentativa do Papa em procurar mostrar que a ida a Bombaim não era um gesto hostil a Portugal e ao catolicismo português, provocou uma forte reação por parte de Salazar e do Governo.

A visita papal a Portugal deveria ser um momento de glória, nunca de embaraço. Não foi uma visita de Estado, o Pontífice decidiu não ir a Lisboa, não pernoitar em Portugal mas aceitar ser convidado do Bispo de Leiria. Enfim, para mostrar o distanciamento face ao regime político português.

Assim que correu a notícia da visita papal, o país entrou em efervescência a preparar a receção que, além da solenidade protocolar propriamente dita, se queria envolta em exuberantes manifestações populares de carinho e apoio à sua pessoa (e ao regime…), bem como ao propósito da peregrinação, a paz no mundo e o entendimento dos homens.

O regime controlava a comunicação social, pelo que pode ao seu estilo apresentar e fazer o enquadramento da visita, valorizando a vinda em si e apagando sinais desse distanciamento junto da população. Era importante confirmar a imagem de um Portugal católico e leal, sendo a multidão uma manifestação de apoio ao regime.

Essa postura, foi a que passou para consumo interno.

 

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