Que sorte a nossa!
FLeming de OLiveira
Confesso.Tive mágoa de não ter tido oportunidade
de ser um Constituinte em 1975.
O meu amigo e companheiro Dr. Gonçalves
Sapinho, desempenhou com dignidade e competência imaculadas as suas funções e a
sua inclusão na lista do PPD/PSD, de Leiria, foi o corolário natural do
empenhamento na implantação de democracia no País e concretamente na nossa
região.
Mais tarde, quando fui Deputado
(também pelo
PSD) votei em 1982 alterações à Constituição, na
alegada procura de diminuir a sua carga ideológica, flexibilizar o sistema
económico e redefinir as estruturas do exercício do poder político, sendo
extinto o Conselho da Revolução e criado o Tribunal Constitucional, o que me
interessou especialmente. Se bem
recordo, o pressuposto da legitimidade dos juízes constitucionais assentou na validade e na coerência da argumentação
jurídica. Aliás, na lógica da nossa jovem
democracia representativa, esses juízes iriam ter uma legitimidade reforçada,
por serem eleitos pela Assembleia da República.
Não tendo sido pois um Constituinte,
no restrito sentido da expressão, nunca deixei de olhar a Constituição da
República com verdadeiro respeito, senão veneração, mau grado reconhecer-lhe condescendências ao tempo e à mitologia revolucionária
(já lá vão cerca de 40 anos, mas que ainda resistem). Não considero, porém, a
Constituição um texto sacrossanto,
imutável, outrossim que, por motivos ponderosos, pode e deve ser alterado.
Por princípio, não tenho dúvidas que é o
Governo que tem que atuar conforme esta e não esta ser cumprida ou interpretada
conforme objetivos conjunturais. Se a Constituição fosse pura e simplesmente retirada
do controlo de T.C. as leis, mesmo que democráticas, não teriam outros limites
para além da vontade da maioria.
O Governo queixa-se da
impossibilidade de cumprir, por força do texto e do espírito da Constituição de
1976, determinadas metas acordadas. Entendendo que tem alguma razão, isso não significa que me identifique com todas as
opções do (atual) governo, ainda que não inconstitucionais. O
cumprimento de certas medidas para atingir algumas metas tem colidido com a
Constituição, pelo que admito que nesse caso teria sido necessária uma revisão. Uma das soluções seria introduzir-se
alterações definitivas que ajustem a Constituição à realidade dos tempos que
correm, ajudando o cumprimento das obrigações assumidas. Outra, seria
introduzir a figura do estado de emergência (financeira), que permitiria a
suspensão da aplicação de normas. Mas estados de exceção são muito arriscados,
criam desconfiança e em Portugal nunca
obteriam o indispensável consenso dos parceiros políticos e sociais.
Aguardo (com interesse, mas receosamente),
a forma como num eventual novo ciclo
político incurso no mesmo enquadramento constitucional, um governo (eventualmente do
PS) vai lidar com inevitáveis confrontos com o Tribunal Constitucional, para cumprir
metas que também subscreveu com instituições credoras. Por além das disputas
verbais e da chicana a que o País se habituou (nas quais se não revê), há o
enorme e inescapável problema, de saber se a Constituição permite o cumprimento
do tratado orçamental ou se este é (in)compatível com aquela.
Será
que se o PS vier em 2015 a formar Governo, não irá ter uma enorme e velhinha (já com 40 anos…) barreira pela
frente? E vai invocar novamente o argumento de salvação pública, dizer que há situações
que não se compadecem com o adiamento exigido por um eventual processo de
revisão constitucional e por isso vamos
adotar essas medidas?
E receio que o confronto regresse com
o radicalismo tradicional, onde continuará a haver um lado (agora reforçado…cinicamente)
que acha que o entendimento dos Senhores Juízes terá de ser contornado (pois além
de incompetentes são irresponsáveis…) e um outro que o Governo não tem
sensibilidade, nem sabe o rumo que o País exige.
Que sorte a nossa!
".
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