sexta-feira, 13 de junho de 2014

Que sorte a nossa!

 


Que sorte a nossa!

FLeming de OLiveira

Confesso.Tive mágoa de não ter tido oportunidade de ser um Constituinte em 1975.
O meu amigo e companheiro Dr. Gonçalves Sapinho, desempenhou com dignidade e competência imaculadas as suas funções e a sua inclusão na lista do PPD/PSD, de Leiria, foi o corolário natural do empenhamento na implantação de democracia no País e concretamente na nossa região.
Mais tarde, quando fui Deputado (também pelo PSD) votei em 1982 alterações à Constituição, na alegada procura de diminuir a sua carga ideológica, flexibilizar o sistema económico e redefinir as estruturas do exercício do poder político, sendo extinto o Conselho da Revolução e criado o Tribunal Constitucional, o que me interessou especialmente. Se bem recordo, o pressuposto da legitimidade dos juízes constitucionais assentou na validade e na coerência da argumentação jurídica. Aliás, na lógica da nossa jovem democracia representativa, esses juízes iriam ter uma legitimidade reforçada, por serem eleitos pela Assembleia da República.
Não tendo sido pois um Constituinte, no restrito sentido da expressão, nunca deixei de olhar a Constituição da República com verdadeiro respeito, senão veneração, mau grado reconhecer-lhe  condescendências ao tempo e à mitologia revolucionária (já lá vão cerca de 40 anos, mas que ainda resistem). Não considero, porém, a Constituição um texto sacrossanto, imutável, outrossim que, por motivos ponderosos, pode e deve ser alterado.
Por princípio, não tenho dúvidas que é o Governo que tem que atuar conforme esta e não esta ser cumprida ou interpretada conforme objetivos conjunturais. Se a Constituição fosse pura e simplesmente retirada do controlo de T.C. as leis, mesmo que democráticas, não teriam outros limites para além da vontade da maioria.
O Governo queixa-se da impossibilidade de cumprir, por força do texto e do espírito da Constituição de 1976, determinadas metas acordadas. Entendendo que tem alguma razão, isso não significa que me identifique com todas as opções do (atual) governo, ainda que não inconstitucionais. O cumprimento de certas medidas para atingir algumas metas tem colidido com a Constituição, pelo que admito que nesse caso teria sido necessária uma revisão. Uma das soluções seria introduzir-se alterações definitivas que ajustem a Constituição à realidade dos tempos que correm, ajudando o cumprimento das obrigações assumidas. Outra, seria introduzir a figura do estado de emergência (financeira), que permitiria a suspensão da aplicação de normas. Mas estados de exceção são muito arriscados, criam desconfiança e em Portugal nunca obteriam o indispensável consenso dos parceiros políticos e sociais.
Aguardo (com interesse, mas receosamente), a forma como num eventual novo ciclo político incurso no mesmo enquadramento  constitucional, um governo (eventualmente do PS) vai lidar com inevitáveis confrontos com o Tribunal Constitucional, para cumprir metas que também subscreveu com instituições credoras. Por além das disputas verbais e da chicana a que o País se habituou (nas quais se não revê), há o enorme e inescapável problema, de saber se a Constituição permite o cumprimento do tratado orçamental ou se este é (in)compatível com aquela.
Será que se o PS vier em 2015 a formar Governo, não irá ter uma enorme e velhinha (já com 40 anos…) barreira pela frente? E vai invocar novamente o argumento de salvação pública, dizer que há situações que não se compadecem com o adiamento exigido por um eventual processo de revisão constitucional e por isso vamos adotar essas medidas?
E receio que o confronto regresse com o radicalismo tradicional, onde continuará a haver um lado (agora reforçado…cinicamente) que acha que o entendimento dos Senhores Juízes terá de ser contornado (pois além de incompetentes são irresponsáveis…) e um outro que o Governo não tem sensibilidade, nem sabe o rumo que o País exige.
Que sorte a nossa!



".

Sem comentários: