SERÁ MESMO UMA
FATALIDADE?
FLeming de OLiveira
A História repete-se?
Há quem diga que sim, há quem o negue.
Alguém aprende com os erros (próprios ou
alheios)? Há quem diga que sim, há quem o negue.
Pessoalmente, não tenho uma opinião
definitiva, mas inclino-me mais para
esta última.
Não tem faltado políticos na nossa História
dos últimos 190 anos (remontando à Monarquia Liberal) que entendem e procuram a
popularidade e a consideração, não tanto pela inteligência e probidade na ação,
mas pela demagogia ou mesmo pelo talento histriónico.
As traições
(com caraterísticas nada originais), que tem ocorrido ao longo destes anos,
situam-se com maior incidência no grupo político, onde os muito amigos e solidários não rejeitam reações interesseiras e desleais, para
subir uns degraus, agarrando os da frente para os empurrarem para trás. O traidor reclama-se no direito de vir a
público falar mal do traído que, antes
elogiado como o verdadeiro e lídimo representante, passa de um momento para
outro a ser rotulado de tipo ultrapassado, velhadas
e sem visão.
O grande Eça (in Os Maias), no último
quartel do século XIX, sibilinamente descreveu a dependência política, o
caciquismo e o nepotismo nacional, quando Gonçalo, reconhecendo embora que o
Conde de Gouvarinho era mesmo uma perfeita
cavalgadura, tenta justificar o
apoio político que lhe é concedido:
-É
necessário, homem! Razões de disciplina e de solidariedade partidária… Há um
compromisso… O Paço quer, gosta dele…
Espreitou
em roda, murmurou, colado ao Ega:
-Há aí
umas questões de sindicatos, de banqueiros, de concessões em Moçambique…
Dinheiro, menino, o omnipotente dinheiro!
Já nessa altura, este Portugal era
um país de corruptos onde não havia corrutores…
Na Monarquia Liberal os partidos monárquicos
desgastavam-se em querelas e divisões, enquanto o Partido Republicano ia
ganhando terreno, apesar de as eleições serem viciadas, os votos comprados,
sendo a chapelada uma fraude muito vulgar. Fatalidade nacional?
As eleições, não motivavam, normalmente, o
interesse popular. Estudei este assunto com referência ao final da Monarquia. No
Concelho de Alcobaça, os eleitores não sabiam se existia acordo entre os
diversos grupos políticos
concorrentes, nem isso era lhes explicado pelos caciques. Diziam os políticos
do Poder, que existia paz, mas o que havia era, apurei mesmo, uma completa
indiferença. Diziam os republicanos que dos candidatos que se propunham ao
sufrágio no círculo eleitoral de Alcobaça, nenhum era da terra, afinal ilustres desconhecidos,
mas que, mesmo assim, eram eleitos (com o apoio dos caciques civis e
clericais).
O período de 1920/1926 constituiu, a fase
mais agitada da história da I República.
E não foi possível encontrar solução para
essa crise, que a precipitou no abismo.
Na República, tal como antes, havia quem
julgasse que a política podia ser realizada com base nas aparências.
Proliferavam responsáveis que, mais
do que cuidar da substância, se dedicavam ao circo mediático com tanto ardor,
que o conteúdo era secundarizado pela forma. A verdade é que a História tem
ensinado, (embora sem resultado concluo
eu afinal!), que os que se preocupam mais com a forma do que com o conteúdo,
fazem-no para disfarçar as insuficiências ou falta de ideias. Explicitando, a
ausência de princípios e valores estruturais, torna mais fácil enveredar por um
discurso que não apresente alternativas credíveis, sérias e exequíveis. Se por
um lado, estas caraterísticas são passíveis de assegurar uma certa presença
mediática (fama por cinco minutos…),
por outro lado, nas circunstâncias difíceis com que os portugueses eram
confrontados, aceleravam o desgaste e evidenciam o vazio das ideias. Quando um
partido da oposição pensava, que o seu
exercício se bastava por enveredar num discurso negativo e crítico (no
pressuposto que quem tem de definir rumos é o governo, à oposição cumpre
fiscalizar…), esquecia que a dialética política, exigida pelo Povo Português,
implicava apresentar alternativas e propostas que resistissem ao mero confronto
do debate.
Que fazer perante isto?
O Governo e a Oposição pareciam viver num
mundo a preto ou a branco. Será que isto é só passado?
A postura e o discurso da oposição eram
lineares, tudo o que o Governo fazia estava errado, não dava resultado, cada
decisão adiava a recuperação. O Governo culpava irrestritamente o passado,
elencava os falhanços e as fugas em diante, a dívida e o défice galopantes, o
País hipotecado e sem crédito.
O tempo da I República exigia dos partidos
políticos e parceiros sociais um elevado sentido de responsabilidade. Em vão.
Nenhum problema se resolvia e a I Guerra veio trazer muitos e complexos, com o
aumento da conflitualidade interna. Outrossim, impunha-se um denodado esforço
de consenso, uma grande e real abertura ao diálogo para (em nome e no interesse
dos Portugueses) colocar o interesse público, acima da chicana partidária.
Basta reler discursos dos líderes da I República que rumava rápida e
inexoravelmente para o fim, para perceber que, apesar de falarem em diálogo,
não hesitavam em atacar-se letalmente e ao Governo. Quando caíram foram todos
ao mesmo tempo e de nada lhes valeu virem depois lamber as feridas ou carpir mágoas.
Eram
políticos que aspiravam uma carreira conducente a altos cargos do Estado (como
sinecura, deputado já era bom…), sem esforço de estudo ou trabalho, usando um (auto)
suposto talento inato de comunicação ou sentido político. Tinham necessidade de
criar amizades (se possível para a vida), especialmente com o líder do momento,
de quem se tornavam indispensáveis. Se o líder não era bom ou reconhecedor dos
serviços a pagar, arranjavam outro. No Parlamento, não era especialmente
importante botar faladura, podiam
legislar nos Passos Perdidos, num intervalo ou integrar uma comissão, onde
sentavam ao lado dos poderosos (ainda que da oposição), que um dia poderão
pedir-lhe opinião ou aceitar apoio. Se o partido estava na oposição haveria que
refrear a impaciência e ser prestimoso com os adversários que poderão um dia ser
benévolos.
Do tempo da Monarquia
Liberal e depois da I República, fica a sensação que os políticos falavam entre
si, discutiam para si e para os outros políticos, através dos meios
disponíveis, nomeadamente as Cortes, o Parlamento ou a comunicação social (eram
inúmeras as folhas políticas), e
pareciam olvidar que havia um País com pessoas que todos os dias viam diminuir
o poder de compra graças a uma inflação só ultrapassada pela Alemanha e Áustria,
com necessidades básicas por satisfazer. O povo sabia (e não podia evitar) que
os políticos discutissem e decidissem por si, entre si ou contra si, e de
acordo com propósitos muito personalizados operassem mudanças entre as formações
partidárias (formadas ou em formação), desde que situadas no arco da governação.
Estes tempos parecem recuperados, e apesar
das promessas e esperança na mudança, o nosso Regime Democrático não logrou ultrapassar aqueles vícios. Será esta
uma fatalidade nacional? Os políticos saídos do 25 de Abril (por muito
inexperientes que fossem ou utópicos) não podiam ignorar uma das mais duras
realidades da vida portuguesa, as assimetrias, tanto a nível individual como
social. Diziam que com os impostos os portugueses no Estado Novo serviam o
Estado, mas agora prometiam que com a Democracia seria o Estado a servir os
portugueses… Cumpriram?
Afinal, o que parece destes 40 anos para cá
mover qualquer Governo, afigura-se bem linear, para os eleitores em geral e apoiantes em particular tudo, para nós, os contribuintes (os outros), pouco ou nada. Num primeiro momento, bajulam-se
os eleitores, para uso e proveito de quem governa. Depois são tratados como
contribuintes, convocados para resolver os problemas que não criaram.
Escrevo
estas notas em meados de junho de 2014.
A
nossa economia (não obstante a austeridade) não sofreu a transformação radical
e prometida, alegadamente como necessária. Se a competitividade aumentou ficou
a dever-se à descida da remuneração do trabalho (baixa de salários novos em
relação aos antigos), redução do tempo das férias, dos feriados, da remuneração
das horas suplementares, bem como a suspensão da contratação coletiva.
Não,
o nosso Estado não beneficiou até agora de nenhuma reforma, nem no
funcionamento, nem em nada. As contas públicas não eliminaram gorduras, nem o seu equilíbrio passa por
outra solução que não sejam impostos, impostos, e mais impostos. Como vai o
Governo (ou a oposição se lá chegar) compensar o chumbo do Tribunal Constitucional,
reduzir a despesa de funcionamento do Estado em mais de mil milhões de euros no
próximo ano, como se comprometeu com a troika?
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