UMA QUESTÃO DE
TEMPERO!
FLeming deOLiveira
A)-Há
uma razão bem para que, há vários anos para cá, tenha começado a escolher no
restaurante, o mesmo prato que a Ana Maria. Posso dizer, ela escolhe melhor. E
nunca recusa o bacalhau, quando consta do menu.
Quando
antes fazia o pedido pela minha cabeça, ela muito benévola e generosamente
dividia o seu prato, para eu não ficar desconsolado.
Na
verdade, como antiga senhora professora, nesta e outras matérias, além de saber
ensinar, sabe fazer e, portanto, decidir por ela, por mim, pelos filhos e
netos.
Durante muitos anos
mantive-me conservadoramente preso às regras que trouxe da casa de meus Pais,
nomeadamente em matéria de temperos, onde se seguia uma prática muito
conservadora. A Ana Maria temperava-me, por isso, com paciência a salada de
alface, tomate e pepino (por vezes com couve roxa), conforme as minhas rigorosas
e teimosas especificações. Isto durou até ao dia em que, com algum ceticismo, provei
a sua salada e constatei que o seu tempero era bastante melhor que o que
herdara de casa da minha Mãe. Para não dar parte de fraco, fingi que não me importava
de partilhar da sua salada, pois assim iria poupar-lhe tempo e trabalho…
Eu
julgava que sabia o que era salada russa, porque sou maluco por salada russa e
nunca na minha vida recusei uma que fosse. A salada russa da Ana Maria era tão perfeita,
ao ponto de eu descobrir que afinal nunca tinha na vida provado salada russa.
Tudo
o que ela faz, tem de envolver grandes riscos, pois é a única maneira de não se
aborrecer. Por exemplo, decidiu fazer a maionese caseira com um garfo (em vez
de colher) e utilizar três vezes mais a tradicional quantidade de vinagre.
Talhou? Não talhou, não Senhora. Ficou deliciosamente leve e é de chorar por
mais.
No
sábado passado, estávamos a acabar de almoçar em Peniche quando chegou uma
caldeirada para a mesa vizinha, onde ansiosamente salivava e palrava
alegremente um grupo familiar.
Reconheço
que a cobiça é por vezes muito forte e cedo a ela. Mesmo com o estômago cheio,
cobicei a caldeirada da mesa vizinha com o seu cheiro e colorido, e admirei-me
com o silêncio repentino que precedeu ao ataque do grupo de comensais com talheres
em punho.
Já me tinha acontecido
há anos no Porto uma coisa algo parecida, com a chegada de uma dobrada (prato que
aprecio, como bom tripeiro) para a mesa de uns lisboetas espertos (apesar de
benfiquistas…) em contraposição com o Bacalhau à Gomes de Sá, em que seguimos a
orientação da professora Ana Maria.
Desta
vez ela não teve razão. Afinal os professores também se enganam. Será assim
Professor Marcelo? Rimos, mas tivemos de ficar pelo Bacalhau à Gomes de Sá,
apesar do aspeto assombroso da Dobrada à Moda do Porto.
B)-Nos
fins de julho estive na baixa de Lisboa, o que hoje em dia poucas vezes me acontece.
É infernal, não há moradores, só turistas. Centros como este, tornaram-se
cemitérios coloridos e tontos, onde já se chora a morte da cidade que foi.
Caros
leitores, o que destrói uma cidade é a impermanência, não as casas em que há
pessoas, portuguesas ou estrangeiras, que passam lá a vida. Não são diretamente
os turistas que estragam a cidade, mas a falta de moradores que vivam na cidade
e lhe deem vida.
Até
já imaginei compartilhar o centro da cidade de Lisboa com comunidades
estrangeiras, mas creio que o Medina não acharia boa a ideia de compor esta
salada. Desde que lá morassem e se sentissem em casa, devolver-lhe-iam a vida.
Lisboa ganharia muito em ter como tempero, uma pequena Angola, um pequeno
Moçambique, um pequeno Cabo Verde, um pequeno Brasil, e por aí fora. Isso sim
seria compatível com uma bem temperada capital cosmopolita, como Lisboa. Não
estar cheia de viajantes vestidinhos de calção e panamá, a correr de um lado
para outro de livrinho guia e telemóvel em punho, e sem vontade ou habilidade
para falar português.
Mas
não, creio que o Medina não aceitaria este tempero.
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