sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A ALA LIBERAL E O MARCELISMO - Fleming de Oliveira

 

Em 28 de Setembro de 1969, a Comissão Distrital do Porto da União Nacional emitiu um comunicado onde referia ser possível realizar as transformações e reformas de que o País urgentemente carece na linha política do novo Chefe de Governo, necessariamente sujeitas à fiscalização crítica da Assembleia Nacional.


Na base deste inusitado comunicado, esteve a pena de Francisco Sá Carneiro, advogado relativamente jovem, sem curriculum político, filho de uma conhecida família portuense da alta burguesia, e de um distintíssimo advogado.

A divulgação e o pressuposto foram condições que portuenses como Sá Carneiro, Pinto Machado, Joaquim Macedo e José da Silva, colocaram a Marcelo Caetano, para integrar as listas da União Nacional, pelo Porto. Com esta iniciativa era possível entrever já as ambições político-ideológicas de um grupo com origens urbanas, formação académica superior, profissionais liberais, afinidades com os sectores da Igreja pós-conciliar e que, mais tarde, ficaria conhecido como a Ala Liberal. Esse grupo, composto por aquelas personalidades, bem como outras mais, como os lisboetas Miller Guerra, Pinto Balsemão, Pinto Leite ou Magalhães Mota, assumia um projeto reformista que, apoiando Caetano, não deixava de se posicionar como voz crítica que promovia a abertura do regime, que erigia São Bento, não a SEDES, como palco privilegiado, contra ultras como Cazal-Ribeiro. Era à Assembleia Nacional, que estes candidatos concorriam, em eleições que Caetano prometia livres e a partir daí esperavam fazer as transformações que o País pós-Salazar carecia através de Iniciativas Legislativas, Projetos de Lei e Políticas, tão relevantes como Amnistia Para Delitos de Opinião, Presos Políticos, Alteração da Organização Judiciária, a Liberdade de Imprensa e Religiosa, a Atividade Cooperativa ou a magna Questão Africana. Em breve se constatou o falhanço do projeto da Ala Liberal, uma semi-oposição, que admitiu potencialidades de um órgão de soberania como a Assembleia Nacional, mas que veio a revela-se incapaz de se afirmar como centro da ação política. Nada mudara com Caetano, falharam as esperanças, outrossim algumas medidas pareciam mesmo ser um endurecimento, o que levou Sá Carneiro e Miller Guerra a abandonarem a Assembleia. A rutura entre o marcelismo e os liberais, acentuou-se na segunda sessão legislativa, Novembro de 1970/Julho de 1971, nomeadamente com a questão da revisão constitucional. Muitos daqueles liberais já haviam decidido não se recandidatar em 1973, pois assemelhavam estas eleições a uma farsa já vista. Quando virem ser impossível liberalizar, abandonaram a Assembleia Nacional regressando às atividades e profissões que sempre tiveram, sem todavia deixarem de intervir civicamente. O falhanço dos liberais foi a prova da impossibilidade de transformar o regime a partir de dentro. Os adversários de Salazar, que na ótica mitológica do regime, deveria colocar-se ao lado de um Fundador, de um Mestre de Aviz, de um Condestável e de outros que construíram os alicerces da Nação, eram tidos por meramente acidentais.

Participaram nas eleições de 1969, três listas da oposição, não partidos políticos proibidos constitucionalmente, mas Comissões Eleitorais, a C.D.E. (Comissão Democrática Eleitoral/pró PCP), C.E.U.D. (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática/liderada por Mário Soares). e C.E.M. (Comissão Eleitoral Monárquica, que reunia monárquicos da oposição, não afetos à Causa Monárquica).



Apesar dos resultados levarem as listas do regime a ocupar todos os lugares colocados a sufrágio, alguma coisa mudou, pelo menos aparente ou momentaneamente. A campanha foi curta, mas teve fugazes momentos de liberdade como aconteceu com República, A Capital ou O Diário de Lisboa. Emergiu à esquerda uma geração universitária, fruto de movimentos estudantis marcados pelo Maio de 1968 e pela crise de Coimbra, de 1969. À direita, apareceu uma sensibilidade com um grupo de Coimbra, no Política periódico de curta duração, aonde escreveram, Lucas Pires, José Miguel Júdice e Jaime Nogueira Pinto.

A imprensa de Alcobaça, afinal só O Alcoa, publicou uma lista de apoiantes da Oposição, e deu conta de alguns eventos. E noticiou que num domingo de Outubro de 1969, reuniram-se, numa jornada de propaganda, os candidatos a deputados pela oposição, umas 350 pessoas provenientes de todo o Distrito, onde Vasco da Gama Fernandes teve palavras pouco simpáticas para Tarcísio Trindade, recentemente nomeado Presidente da Câmara de Alcobaça. Seja como for, simpática ou não a notícia, o certo é que este no jornal de que era o único proprietário, O Jornal de Alcobaça, não se coibiu de responder truculentamente que temos de ser compreensivos e perdoar a este incansável tribuno pois calcula-se o nervosismo, preocupações e confusão que certamente vão no seu espírito, no atual momento que lhe não permitem discernir pessoas e situações .



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