Alcobaça
em finais da Monarquia
Em 3 de
Julho de 1907, Câmara Municipal de Alcobaça protestou contra o estado (anormal)
da administração pública decorrente da ditadura
de João Franco[1],
para o que enviou a Lisboa uma delegação da sua Comissão Executiva de dois de
vereadores, para pedir o regresso à normalidade democrático-constitucional, a
qual foi acolhida com uma indiferença pelo secretário do ministro que a
recebeu.
O
Presidente da Câmara, em 30 de dezembro de 1907, perante o arrastar da situação,
anunciou que abandonava, tal como os vereadores, a gestão da Câmara, em protesto
contra a violação constitucional e das leis regulares do país.
O
Deputado Afonso Costa virou-se para João Franco e disse implacavelmente : “O Senhor Presidente do Conselho[2] é mandatário do País e os membros do
Parlamento, como representantes da nação são seus mandantes. Sª. Exª, como
administrador ou procurador nosso, tem o dever de trazer à Câmara as contas dos
adiantamentos feitos a eles[3]. A Nação ordena, e declarara indispensável,
que essas pessoas reponham as quantias desviadas com todos os juros sem exceção
de uma só verba; declara formalmente que não consentirá no aumento da lista
civil, nem em qualquer regularização, nem em outro modo acomodatício de
pagamento. E mais ordena do Povo, solenemente, que logo que tudo esteja pago,
diga o Senhor Presidente do Conselho ao Rei: Retire-se senhor, saia do País,
para não ter que entrar numa prisão em nome da lei”.
Das
galerias, soaram fortes aplausos, que a Mesa não conseguiu dominar, pelo que
Afonso Costa prosseguiu: “ Por muito
menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em
França, a cabeça de Luís XVI ”.
Soou
a campainha, e o Presidente da Câmara dos Deputados Tomás Pizarro de Mello Sampaio[4]
declarou que “ou o senhor Afonso Costa
retira a frase ou tenho de lhe aplicar o Regimento”.
Afonso
Costa, repisou a injúria no mesmo tom, sobrepondo-se ao tumulto que criara e
grassava: “Por muito menos rolou no
cadafalso a cabeça de Luís XVI”.
O
tumulto aumentou nas galerias, que os contínuos queriam esvaziar. Os deputados
republicanos gritavam que era ilegal mandar sair o público, encontrando-se a
sessão aberta e não se deviam suspender os trabalhos. Mais uma vez a voz de
Afonso Costa fazia-se ouvir acima de qualquer outra:
A.C.:
-“Eu respondo pelos meus actos!
PRESIDENTE:
-V. Exª não pode falar… Convido-o a retirar-se do
edifício das Cortes”.
A.C.: “Havemos
de sair todos! Hão de prender-nos a todos! Esta a liberdade do governo e a
liberdade da monarquia.
PRESIDENTE”:
”Em virtude da resistência do senhor Afonso Costa à
intimação que lhe faço, em nome da Câmara, vou mandar entrar a força armada!”
Quando
os soldados entraram na sala, num gesto largo e teatral, Afonso Costa ao ser
arrastado para o exterior, virou-se para eles de braços abertos e gritou: “Soldados, não tendes o direito de tocar num
representante do povo”. E
acrescentou: “Soldados! Com a minha voz e
as vossas armas baionetas, vamos proclamar a República, vamos fazer uma Pátria
nova”.
Dirigindo-se
a João Franco, e enquanto partia entre os soldados, Afonso Costa gritava de
punho erguido: “Esta é a sua liberdade!”.
O
Deputado António José de Almeida, ainda tentou convencer os militares – que
apelidava de filhos do Povo –, a proclamarem nesse momento a República. Este e
outros incidentes, difundidos e ampliados pelos republicanos, levaram a
agitação a muitos pontos do País. Em Alcobaça, tudo em que participava António
José de Almeida era seguido com atenção. Nas Cortes, Afonso Costa e Alexandre
Braga, foram julgados e condenados por ofensas ao Rei na suspensão dos direitos
parlamentares por 30 dias.
A
notícia deste memorável acontecimento, chegou a Alcobaça no dia seguinte,
trazida de Lisboa por Américo d’Oliveira[5],
tendo sido recebida com cautela dados os inusitados termos, e possíveis
efeitos. Todavia, quando na sexta-feira retomaram os seus lugares nas Cortes
(não esperaram 30 dias), os Deputados Afonso Costa e Alexandre Braga, foi
expedido para Lisboa o telegrama de solidariedade:
“Drs. Afonso Costa e Alexandre Braga, câmara
dos deputados – Lisboa.
Republicanos de Alcobaça saúdam os seus
deputados e, confiando que eles continuarão a servir o país e a honrar o seu
mandato como até aqui, esperam que se não repetirá a injusta violência de que
foram vítimas, e nós com eles.
(a) Raposo de Magalhães[6] ” .
[1] Natural de Alcaide, Fundão, era formado em Direito pela Universidade de Coimbra. Ocupou vários cargos na magistratura (delegado do procurador régio, Alcobaça entre
outras comarcas), nas Alfândegas e no Tribunal Fiscal e Aduaneiro. Eleito
deputado às Cortes, rapidamente subiu na vida política ocupando vários postos
ministeriais e a presidência do conselho de ministros. Face à greve académica de 1907 na Universidade de Coimbra e à crescente agitação social, o
apoio parlamentar dos progressistas é retirado e os ministros progressistas
demitem-se: ao contrário do que prometera na ano anterior, em vez de governar
à inglesa, João Franco passa a governar à turca (2 de Maio
de 1907) passando a uma situação de ditadura. A agitação social cresceu e foi denunciada uma conspiração
promovida por republicanos e dissidentes progressistas (28 de Janeiro de 1908).
A 1 de Fevereiro de 1908 dá-se o regicídio, levando o rei D.
Carlos I e seu herdeiro, Luís Filipe, Príncipe Real de
Portugal a serem assassinados à chegada a
Lisboa.
João Franco responsabilizado pelo extremar de posições e pela falta
de segurança pública demite-se, sendo substituído -a 4 de Fevereiro por
um governo de acalmação presidido por Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.
[2] João Franco.
[3] Referia-se à
controversa questão dos adiantamentos à Casa Real.
[4] Deputado pelo Partido
Regenerador-Liberal, de João Franco, que havia assumido a Presidência da Câmara
dos Deputados, entre 1906 e 1908,
[5] Filho de Bernardino
Lopes de Oliveira. Desempenhou papel importante na Rotunda, ao lado de Machado
dos Santos.
[6] José Eduardo Raposo de
Magalhães, após
a proclamação da Republica seria o primeiro Governador
Civil do Distrito de Leiria. Revelou, no entanto, pouco apego ao cargo, já
que abandonou a função ao fim de escassos meses, para se fechar até à sua
morte, 32 anos mais tarde, na sua quinta da Cova da Onça.
-Foi indicado para Governador Civil por
António José de Almeida, Ministro do Interior.
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