segunda-feira, 30 de maio de 2022

Alcobaça em finais da Monarquia - tumulto na Câmara dos deputados

 

Alcobaça em finais da Monarquia

 

Em 3 de Julho de 1907, Câmara Municipal de Alcobaça protestou contra o estado (anormal) da administração pública decorrente da ditadura  de João Franco[1], para o que enviou a Lisboa uma delegação da sua Comissão Executiva de dois de vereadores, para pedir o regresso à normalidade democrático-constitucional, a qual foi acolhida com uma indiferença pelo secretário do ministro que a recebeu.

O Presidente da Câmara, em 30 de dezembro de 1907, perante o arrastar da situação, anunciou que abandonava, tal como os vereadores, a gestão da Câmara, em protesto contra a violação constitucional e das leis regulares do país.

 

O Deputado Afonso Costa virou-se para João Franco e disse implacavelmente : “O Senhor Presidente do Conselho[2] é mandatário do País e os membros do Parlamento, como representantes da nação são seus mandantes. Sª. Exª, como administrador ou procurador nosso, tem o dever de trazer à Câmara as contas dos adiantamentos feitos a eles[3]. A Nação ordena, e declarara indispensável, que essas pessoas reponham as quantias desviadas com todos os juros sem exceção de uma só verba; declara formalmente que não consentirá no aumento da lista civil, nem em qualquer regularização, nem em outro modo acomodatício de pagamento. E mais ordena do Povo, solenemente, que logo que tudo esteja pago, diga o Senhor Presidente do Conselho ao Rei: Retire-se senhor, saia do País, para não ter que entrar numa prisão em nome da lei”.

Das galerias, soaram fortes aplausos, que a Mesa não conseguiu dominar, pelo que Afonso Costa prosseguiu: “ Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI ”.

Soou a campainha, e o Presidente da Câmara dos Deputados  Tomás Pizarro de Mello Sampaio[4] declarou que “ou o senhor Afonso Costa retira a frase ou tenho de lhe aplicar o Regimento”.

Afonso Costa, repisou a injúria no mesmo tom, sobrepondo-se ao tumulto que criara e grassava: “Por muito menos rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI”.

O tumulto aumentou nas galerias, que os contínuos queriam esvaziar. Os deputados republicanos gritavam que era ilegal mandar sair o público, encontrando-se a sessão aberta e não se deviam suspender os trabalhos. Mais uma vez a voz de Afonso Costa fazia-se ouvir acima de qualquer outra:

A.C.:

-“Eu respondo pelos meus actos!

PRESIDENTE:

-V. Exª não pode falar… Convido-o a retirar-se do edifício das Cortes”.

A.C.: “Havemos de sair todos! Hão de prender-nos a todos! Esta a liberdade do governo e a liberdade da monarquia.

PRESIDENTE”:

”Em virtude da resistência do senhor Afonso Costa à intimação que lhe faço, em nome da Câmara, vou mandar entrar a força armada!”

Quando os soldados entraram na sala, num gesto largo e teatral, Afonso Costa ao ser arrastado para o exterior, virou-se para eles de braços abertos e gritou: “Soldados, não tendes o direito de tocar num representante do povo. E acrescentou: “Soldados! Com a minha voz e as vossas armas baionetas, vamos proclamar a República, vamos fazer uma Pátria nova”.

Dirigindo-se a João Franco, e enquanto partia entre os soldados, Afonso Costa gritava de punho erguido: “Esta é a sua liberdade!”.

 

O Deputado António José de Almeida, ainda tentou convencer os militares – que apelidava de filhos do Povo –, a proclamarem nesse momento a República. Este e outros incidentes, difundidos e ampliados pelos republicanos, levaram a agitação a muitos pontos do País. Em Alcobaça, tudo em que participava António José de Almeida era seguido com atenção. Nas Cortes, Afonso Costa e Alexandre Braga, foram julgados e condenados por ofensas ao Rei na suspensão dos direitos parlamentares por 30 dias.

 

A notícia deste memorável acontecimento, chegou a Alcobaça no dia seguinte, trazida de Lisboa por Américo d’Oliveira[5], tendo sido recebida com cautela dados os inusitados termos, e possíveis efeitos. Todavia, quando na sexta-feira retomaram os seus lugares nas Cortes (não esperaram 30 dias), os Deputados Afonso Costa e Alexandre Braga, foi expedido para Lisboa o telegrama de solidariedade:

“Drs. Afonso Costa e Alexandre Braga, câmara dos deputados – Lisboa.

Republicanos de Alcobaça saúdam os seus deputados e, confiando que eles continuarão a servir o país e a honrar o seu mandato como até aqui, esperam que se não repetirá a injusta violência de que foram vítimas, e nós com eles.

(a) Raposo de Magalhães[6] .

 



[1] Natural de AlcaideFundão, era formado em Direito pela Universidade de Coimbra. Ocupou vários cargos na magistratura  (delegado do procurador régio, Alcobaça entre outras comarcas), nas Alfândegas e no Tribunal Fiscal e Aduaneiro. Eleito deputado às Cortes, rapidamente subiu na vida política ocupando vários postos ministeriais e a presidência do conselho de ministros. Face à greve académica de 1907 na Universidade de Coimbra e à crescente agitação social, o apoio parlamentar dos progressistas é retirado e os ministros progressistas demitem-se: ao contrário do que prometera na ano anterior, em vez de governar à inglesa, João Franco passa a governar à turca (2 de Maio de 1907) passando a uma situação de ditadura. A agitação social cresceu e foi denunciada uma conspiração promovida por republicanos e dissidentes progressistas (28 de Janeiro de 1908). A 1 de Fevereiro de 1908 dá-se o regicídio, levando o rei D. Carlos I e seu herdeiro, Luís Filipe, Príncipe Real de Portugal a serem assassinados à chegada a Lisboa.

João Franco responsabilizado pelo extremar de posições e pela falta de segurança pública demite-se, sendo substituído -a 4 de Fevereiro por um governo de acalmação presidido por Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

 

[2] João Franco.

[3] Referia-se à controversa questão dos adiantamentos à Casa Real.

[4] Deputado pelo Partido Regenerador-Liberal, de João Franco, que havia assumido a Presidência da Câmara dos Deputados, entre 1906 e 1908,

[5] Filho de Bernardino Lopes de Oliveira. Desempenhou papel importante na Rotunda, ao lado de Machado dos Santos.

[6] José Eduardo Raposo de Magalhães, após a proclamação da Republica  seria o primeiro Governador Civil do Distrito de Leiria. Revelou, no entanto, pouco apego ao cargo, já que abandonou a função ao fim de escassos meses, para se fechar até à sua morte, 32 anos mais tarde, na sua quinta da Cova da Onça.

-Foi indicado para Governador Civil por António José de Almeida, Ministro do Interior.

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