quinta-feira, 6 de maio de 2010

Alcobaça, o Movimento Revolucionário de Santarém (1919), a Torre e Espada e o Brasão da Terra (Cap. II)

A 11 de Janeiro, civis armados, auxiliados por oficiais, tomaram o Quartel de Artilharia 1, instalado na Ala do Mosteiro de Alcobaça que hoje está ocupada pelo Lar Residencial de Alcobaça, prenderam alguns oficiais e seguiram mais tarde para Santarém. Nessa noite no Hotel Central, sobre o actual Café Trindade, no local aonde funcionou durante anos o PSD, um oficial de Artilharia 1, afecto ao governo, apercebeu-se de um desusado movimento de civis, nas proximidades do quartel. Então ainda gritou à sentinela, postada na Porta de Armas: “Alerta sentinela que os civis querem assaltar o quartel”. Segundo Artur Faria Borda, que nos contou este e outros episódios, dois civis de imediato entraram no Hotel Central e prenderam o referido oficial.

A 13 de Janeiro, ao fim da manhã, a tropa de Infantaria 7 de Leiria, comandada pelo Alferes Lavoura, fiel ao governo, entrou em Alcobaça, para repôr a ordem, tendo sido recebida com bastante hostilidade e alguns tiros de civis isolados, que se postavam ao longo do caminho e no alto da Senhora da Paz, acabando por tomar posse da Vila e feito cerca de 70 prisões.

Raimundo Natividade Ferreira, de 33 anos, proprietário, residente nos Moleanos, que seguia por acaso atrás da força militar que vinha de Leiria para Alcobaça e que ao chegar ao sítio da Roda foi atacada por um grupo de civis que fizeram fogo, veio a ser atingido por uma bala na região lombar. Tendo sido transportado de urgência e de automóvel para o Hospital de S. José, em Lisboa, aí foi tratado e recolheu a um quarto particular.

Por parte da força de Leiria e de alguns elementos do Quartel de Alcobaça afectos ao governo, houve abusos, violações de domicílio, buscas arbitrárias e prisões, o que originou um ambiente de terror, culminando com atentados a tiro e a morte de Silvino dos Santos Carvalho, conceituado comerciante, monárquico, que não acatou pronta e devidamente com outros que o acompanhavam o recolher obrigatório, em vigor na Vila de Alcobaça, após as 20 horas. Carvalho foi baleado mortalmente quando, com mais três alcobacenses, passava em frente à actual Farmácia Campeão.

Também para o Hospital de S. José, em Lisboa, tendo dado entrada na enfermaria de Santo António, foram levados o funileiro João Domingos, residente na Rua D. Pedro IV e o jornaleiro José Gomes, da Rua do Castelo, que foram atingidos a tiro quando passavam à porta do Quartel.

Entre o 48 presos que a 15 de Janeiro foram em magote num camião para Leiria, há a referir o Juiz de Direito da Comarca de Alcobaça Dr. Alfredo Augusto da Fonseca Aragão, Joaquim Belo Marques da Silveira, Carlos Pereira Campeão, Tomás Gonçalves Marques, Sebastião dos Santos Vazão e Manuel Ferreira da Bernarda.

Em Santarém, para onde tinha ido a Bateria de Artilharia de Alcobaça, as forças governamentais bombardearam no dia 14 de Janeiro os revoltosos que, em diversas escaramuças e graças ao seu empenhamento e bravura, tiveram 12 mortos e muitos feridos.

Os habitantes de Santarém, desprevenidos e pouco motivados para uma luta deste tipo, afinal uma guerra civil, trataram de se pôr à margem dos combates e do conflito, o qual veio na prática a terminar no dia 15 de Janeiro com a rendição dos revoltosos.

Nessa data, a cidade estava completamente cercada por forças afectas ao governo de Lisboa. Paradoxalmente, e para apoiar este, haviam também chegado forças da Junta Militar do Norte, reputadas de pró-monárquicas, desejosas de tentarem a sorte e o sucesso da sua causa, aproveitando o movimento em curso.

Santarém não podia resistir a tanta pressão, pelo que os chefes revoltosos renderam-se formalmente a 17 de Janeiro.

No dia seguinte, o Coronel Silva Ramos, que comandara as tropas da Junta Militar do Norte, a que presidia, e que apoiara as governamentais, ainda tentou tirar partido da maré para um acordo com vista à restauração da monarquia.

Os acontecimentos de Santarém foram seguidos apaixonada e atentamente pelo País e governo que, a propósito, ia emitindo notas oficiosas distribuídas à imprensa.

Vejamos algumas com interesse para Alcobaça.

14 de Janeiro de 1919 - NOTA OFICIOSA

“As alterações da ordem que se produziram em Coimbra, Alcobaça, Caldas da Rainha, foram prontamente sufocadas pelas forças fiéis ao Governo. O movimento insurreccional produzido no Distrito de Santarém, está localizado na cidade e esta cercada pelas colunas que o governo mandou marchar de Lisboa, Évora, Coimbra, Porto e que vão operar em conjunto. No resto do País o sossego é completo, sendo destituídos de fundamento todos os boatos que no sentido de encorajar os revoltosos têm sido espalhados pelos seus cúmplices”.

15 de Janeiro de 1919 - NOTA OFICIOSA

“Leiria: Em Alcobaça e Valado está restabelecida a ordem. No sul do Distrito completo sossego”.

17 de Janeiro de 1919 - NOTA OFICIOSA

“As tropas leais ao governo ocuparam Santarém desde esta manhã. O Sr. Coronel Andrade Velez que era quem comandava as operações militares do sul assumiu o comando militar de Santarém. Foram organizadas colunas volantes para a captura dos revoltosos que não foram presos por andarem a monte. O serviço de combóios na linha do norte fica hoje normalizado”.

A história não é feita apenas de quadros grandiloquentes, mas também de alguns extremamente pitorescos.

Foi o que sucedeu com dois indivíduos, tidos por anarquistas, que pretendiam, ao que se dizia em Santarém, expedir um telegrama com falsas informações sobre o movimento de tropas, pelo que foram presos e levados sob escolta para a Escola de Artilharia de Vendas Novas e depois Lisboa.

Foram ainda presos cerca de 30 oficiais do Exército e muitos sargentos, tendo-se ignorado durante algum tempo o paradeiro de Cunha Leal e Álvaro de Castro, que conseguiram evitar a detenção pondo-se a monte.

Por estes dias, um 1º Sargento de Infantaria 18 do Porto, que se encontrava em Santarém, ao lado do Governo, encarregou um soldado de ir trocar uma nota de 50$00. Este militar, depois de ter percorrido vários locais da cidade e entrado sem sucesso em mais que um estabelecimento comercial, dirigiu-se à camisaria de Júlio Neves, respeitável comerciante, aonde conseguiu o troco. Limitando-se a verificar se o dinheiro estava certo, encaminhou-se de regresso ao quartel tendo feito a entrega do dinheiro ao sargento, na presença de um oficial. Constatou aquele, ao proceder à verificação, que numa das notas de 50 centavos estava escrito à mão “Viva Afonso Costa morra Sidónio Pais”. Possuído de indignação, o sargento mandou de imediato alguns soldados ir buscar sob prisão o camiseiro Neves, que não soube explicar a proveniência da nota, com o argumento que a recebera sem reparar se trazia alguma coisa escrita. Apesar de explicação não ser muito convincente, acabou o homem por ser mandado em paz.

Os acontecimentos de Santarém, que estamos descrevendo, tiveram grande repercussão em vários pontos do País, alterando o modo de vida das populações e dos serviços. Assim, veio a ser publicado um decreto, em 20 de Janeiro, pela pasta da Justiça, prorrogando por duas audiências, nas comarcas de Abrantes, Alcobaça, Alenquer, Benavente, Caldas da Rainha, Cartaxo, Coruche, Covilhã, Santarém, Golegã, Lourinhã, Mação, Porto de Mós, Tomar, Torres Novas, Torres vedras e Vila Nova de Ourém, para os serviços a efectuar em audiências e por 5 dias nos demais casos, os prazos judiciais de qualquer natureza que estando a correr de 10 a 16 deviam terminar de 10 a 17. Tambem as letras vencidas de 10 a 17 de Janeiro podiam ser protestadas até ao dia 20 de Janeiro.

Sem comentários: