segunda-feira, 10 de maio de 2010

França, Agosto de 2003 - III

(III)


FRANÇA (AGOSTO DE 2003)
Os Campeonatos Mundiais de Atletismo
Atentado contra Sérgio Vieira de Melo
O calor e os acontecimentos relacionados (uma grave questão social)
E Portugal?Incêndios


O efeito do calor nas pessoas teve em França um impacto, sem equivalente em Portugal.
Os nossos garotos, que estavam no Algarve, a Sónia com oito meses de pré-Diogo, falavam do farto calor mas que, para compensar, tomavam banho. Quando a Sónia nos disse pelo telemóvel que tinham ido nesse dia tomar banho aos canudos, ficamos algo intrigados.
E interrogámo-nos.
Seria algum sítio novo?
Alguém conhecido deles, com casa no Algarve com o nome de canudo? Nada disso! Canudos eram os escorregas (parque de diversões)...
Aliás, e note-se que ele não é nenhum bombo de festa foi no mar, que mais uma vez a Paula encontrou o Tio Nuno, o Santo, embora desta vez, como disse, sem escafandro.
Em Portugal, foi a calamidade dos incêndios, de que íamos tendo todos os dias algum conhecimento, através dos nossos anfitriões, que ouvem habitualmente, todas as noites pela RDP, RR ou RTP (Internacional), as notícias de Portugal.



Vejamos mais alguns factos que ocorreram em França, admito que um pouco macabros, mas elucidativos da dimensão da tragédia que ali se viveu e que na altura não nos apercebemos bem, como disse.
Como em muitas situações que se conhecem, a desgraça de uns, é o lucro de outros. O negócio do funerário passou a decorrer em pleno gás, sete dias em sete, de noite e com horas suplementares, enquanto que os fabricantes de urnas, floristas e canteiros, não tinham capacidade para satisfazer os pedidos. A fábrica de urnas, que serve normalmente a região de Paris, chegou e produzir 500 por dia, ou seja mais 50% do que é normal.
Para facilitar o trabalho dos profissionais, o Governo permitiu, excepcionalmente, que os veículos pesados que transportassem material, com fins funerários, pudessem transitar todos os dias e horas, fins de semana compreendidos, até 1 de Setembro. Só no fim de semana de 15 de Agosto, foram vendidas, mais de 1200 urnas, na região parisiense.

Vou contar agora um caso que emocionou a opinião pública francesa, esse sim que nos apercebemos.
Em Orleães, ao que creio, o cadáver de um homem idoso que a família em férias na praia deixou sozinho em casa, foi descoberto vinte e um dias após a morte por hipertermia, graças ao cheiro pestilento que exalava do apartamento.
Verdade seja dita, para a Aninhas o calor nunca lhe retirou o apetite, mas apenas como ela frizoumuito bem fez-lhe sede. Mas a sua grande vantagem é que como é muito seca, praticamente não transpira nada.



As agências funerárias (Pompes Funeraires como lá se usa), exercendo uma actividade mal-amada, num país onde tudo também é pretexto para discussão, senão mesmo quezília, não fossem latinos, passaram a ser acusadas de se estar a aproveitar indevidamente do momento, atrasando os funerais, por períodos que chegavam a ultrapassar uma semana.
Como resposta, ciosas da imagem, as agências anunciaram, com destaque, que suportavam elas próprias os encargos frigoríficos, para além de 3 dias, decorrentes das inevitáveis demoras dos respectivos funerais.

Estas e outras questões dão-me para pensar, analisar ou discutir, principalmente pelo insólito que contêm.
Será que as missas de corpo presente ou de sétimo dia, caíram em desuso na região de Paris?
A questão por mim suscitada, não me parece de todo absurda, se se tiver em atenção que tendo havido para aí uns 5.000 óbitos, as igrejas estavam estranhamente calmas. Assim nos pareceu, pelo menos nas que entrámos. Não foi assim, ao que se diz, em toda a França.
Houve padres que fizeram mais do dobro dos funerais do que é habitual. Houve mesmo um caso em que se fez ao mesmo tempo a missa de dois defuntos, à maneira dos baptismos colectivos.
Segundo comentava um jornal francês, as igrejas de Paris não pareciam minimamente afectadas pela tragédia.
É verdade que nem todos os defuntos são católicos, mas num país em que 80% da população é baptizada, é bem de supor que a maioria dos que faleceram, gostaria de ter um funeral, de acordo com os seus princípios religiosos.
O próprio Arcebispo de Paris viu-se na necessidade de vir a terreiro manifestar a sua perplexidade, perante a decalage entre os números apontados pela comunicação social e as agências funerárias por um lado, e o serviço dos padres por outro.
CONTINUA

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