sexta-feira, 7 de maio de 2010

REGEDORES EM ALCOBAÇA (no termo da República e durante o Estado Novo)

Os vícios da I República.

O Decálogo do Estado Novo, segundo António Ferro.

O Reviralho.

O último Regedor da I República, na freguesia da Maiorga (António Fadigas).

O primeiro Regedor, do Estado Novo, na freguesia de Alpedriz e a barriga do boi.

Um Regedor no Vimeiro-Alcobaça.

Uma boa Feira de S. Bernardo.

O circo desceu à cidade.

Os robertos e o vendedor da banha da cobra.

Um baeta especial e um outro encontrado no depósito de água, de Caldas da Rainha.

O atentado contra a linha férrea e telegráfica, em Pataias.

O 7 de Fevereiro de 1927.

1931, o ano de todas as conspirações.

A Profª Zulmira Marques

O Pireza foi assaltado por pessoal, possivelmente, do Fisco, na estrada de Pataias-Alcobaça.


A música no coreto da Vila(como é bonita) e o mercado semanal.







Estado Novo é a designação que o regime saído do 28 de Maio de 1926, assumiu após a entrada em vigor da Constituição de 1933.



Para os jovens que nasceram por alturas do 25 de Abril de 1974, e se tornaram adultos em clima de democracia, o salazarismo e a sua retórica são velharias bafientes de um passado enterrado, que nem concebem.




Mas nem por isso, deixa de ter interesse recordar, especialmente para eles, a miséria que foi o facciosismo ou fanatismo do poder, as manobras de bastidores que viciaram durante quase cinco décadas a vontade colectiva.




Estas notas não são isso, muito menos só isso.




São histórias de pessoas ou instituições, ainda que meras curiosidades, onde cabe o feel good, que diz respeito a pequenos e simples prazeres, como a comida, saúde, a diversão ou mesmo a calhandrice e algumas coisas menos agradáveis ou recomendáveis.



A Constituição de 1933 nasceu da necessidade de legitimação e consolidação do regime nascido de um golpe militar que pusera cobro a uma democracia parlamentar, cujo governo concentrou em si os poderes executivo e legislativo, passando a governar, legislar, por meio de decretos com força de lei.




A 31 de Maio de 1926, acabada a primeira experiência (pretensamente) democrática em Portugal, alguns deputados ao saírem da sala de sessões do Congresso, ainda clamaram um Viva a República.




O regime parlamentar mais instável da Europa, tinha caído, e iria dar lugar ao sistema autoritário mais longo da Europa.



Porque razão caiu a I República?




Não cabe no âmbito e na economia deste texto fazer essa análise.




Perfunctoriamente se dirá que na primavera de 1925, a República Parlamentar havia chegado a um beco sem saída. Quem lesse o Diário das Sessões das Câmaras do Congresso, podia chamar a este, como aconteceu com alguma propriedade, a sala do permanente Carnaval. Durante o último ano da República, houve quatro tentativas militares para derrubarem o governo, mas só a última, a 28 de Maio de 1926, conseguiu o objectivo. Em 1926, os portugueses em geral tinham perdido as ilusões sobre as virtualidades do regime que fora a primeira tentativa persistente de Portugal, para estabelecer e manter uma democracia parlamentar.




Apesar das intenções e dos generosos ideais republicanos, não foi possível criar um sistema estável, progressivo e duradouro. O regime foi prejudicado pela frequência da violência pública, pela instabilidade política, pela falta de continuidade administrativa e (no que nos parece altamente relevante) a incapacidade de encadear um projecto, supostamente progressista, num país sem cultura de literacia, de pão, de habitação ou de justiça.




Com 45 governos, em quinze anos e oito meses, a República foi um regime onde a instabilidade foi elevada ao mais alto nível, as paixões se chocavam, o edifício social era impotente para segurar as forças que permitiram aos militares derrubá-lo e estabelecer uma Ditadura (desta vez um novo regime e não apenas mais um governo).




Pensadores (idealistas) de esquerda, acusaram a República de ser demasiado fraca, lenta e tímida nas reformas e no suporte nos seus ideais.




Críticos da direita (não democrática), e de alguns republicanos, coincidiram no ênfase, que dadas as estruturas e condições políticas, o colapso era inevitável.




O historiador Oliveira Marques escreveu que, a República, não era o começo de algo estruturalmente novo, mas antes a última fase de algo que começara muito antes em 1820. A República significou o clímax de um processo, o resultado natural da evolução do liberalismo monárquico, pelo que não teve futuro.




Devia morrer e ser substituída por algo completamente diferente. A opção dos tempos era porém o fascismo.




Apesar das medidas, logo seguidas de contra medidas, a opinião pública, continuava em maré desfavoravelmente crescente. A imprensa, cada vez mais hostil e virulenta, tentava convencer o público, especialmente o urbano, que a salvação nacional passava por algo mais profundo que uma simples mudança de governo.





Esta campanha, que encontrava ressonância em discursos, mesmo no Congresso, bem como nos directórios de alguns partidos, passou a mensagem que a República se esgotara, que o sistema impunha uma mudança radical, mesmo que para tal fosse sacada a ferros.




A conspiração era quase o modo de vida de alguns políticos no tempo da República.




Não era só a direita conservadora que queria mudar o governo, mas também uma esquerda que pretendia derrubar os Democráticos e desarticular o seu domínio sobre as eleições para o Congresso.




O certo é que era bem mais fácil fazer protestos, desenvolver tácticas destrutivas (de direita ou de esquerda), levar a cabo intentonas, do que organizar um verdadeiro Golpe de Estado.




Para isso, era necessário dispor de chefes prestigiados e hábeis, que dessem respeitabilidade ao movimento, que precisava de unidade, aonde só então havia desunião e conflitos (muitos de origem pessoal). O movimento que veio a dar origem ao 28 de Maio, conjugou os esforços, desde logo, para desacreditar as forças no terreno, bem como, para convencer as Forças Armadas a juntarem-se à conspiração.




É errado considerar o 28 de Maio, como um movimento puramente militar, se bem que, tenha sido em grande parte um movimento de Oficiais do Exército, embora no contexto da rivalidade politica e da luta pelo poder, a que não eram alheios. Apesar das suas origens, a Ditadura não foi um regime militar, salvo na fase inicial até 1928, em que os militares administraram o Estado. Outrossim, foram os civis, entre os quais, prestigiados universitários que passaram a formularam a política.




A complexidade da conspiração, que levou ao pronunciamento, leva-nos a relevar duas características fundamentais que o distinguem de qualquer outro, durante a República:




-Não houve derramamento de sangue e;




-O País soube que Oficiais se encontravam a planear um movimento sério, antes mesmo, de sair para a rua.



Assim, a reacção à queda do Governo de António Maria da Silva foi inicialmente, não de incredibilidade ou reacção, mas de confiança ou expectativa. A impunidade e o desespero dos anos de 1925 e 1926, tinham-se espalhado pelo País, já que no campo político uma conspiração gerava, tradicionalmente, uma outra. Tinha havido, muitas intentonas, antes do 28 de Maio, e depois dele, ainda haveria mais (mas a partir daqui sempre goradas, até ao 25 de Abril), e se a Revolução de 1926 não foi a panaceia para as dificuldades dos portugueses, a verdade indiscutível é que República não conseguiu mais recuperar do golpe que recebeu. O regime iniciado com a Ditadura, estabelecida em 1926, atingiu a maior idade, nas décadas de 1930/1940, entrou em diversos graus de degeneração, a partir das décadas de 1950 e 1960.




Apesar do falhanço da República, esta permaneceu como uma referência na mente e no coração demais que uma geração de portugueses. Os primeiros republicanos, desejavam ganhar o respeito da Europa (diz-se que isso foi determinante na decisão de fazer Portugal entra na Guerra), e muito especialmente os moderados lamentavam o terror popular que esta procurava ou em que se deixava enredar. Desejavam uma sociedade justa, um Governo respeitável, de que os cidadãos se pudessem orgulhar. Estes ideais não morreram, com a Ditadura ou com o Estado-Novo. Alguns líderes viveram até ao fim, na esperança de dias melhores. A História, como se sabe, raramente dá aos revolucionários a liberdade de escolher os seus momentos de poder ou de montar o seu cavalo. A tragédia dos primeiros republicanos, foi que a sua oportunidade coincidiu com a I Guerra, lançou o alarme sobre as colónias de África, e com a pior crise económico-financeira que o País recordava, o que impediu a satisfação das aspirações de várias classes.



Quando um republicano e democrata, como Adelino Palma Carlos, tomou posse como primeiro-ministro a 15 de Maio de 1974, declarou: (…) Aqueles que nunca conheceram a liberdade, terão talvez dificuldade em compreender, senão talvez depois da experiência à beira da qual pairamos que ela requer de todos uma autodisciplina para que se evite que a nossa liberdade acabe com (a liberdade) dos outros. Os homens da minha geração, que conheciam a liberdade, que a perderam depois e só agora a recuperaram, não precisam de aprender esta lição; mas tal como tentamos manter a chama da nossa fé, assim também esperamos que este conceito seja compreendido e que cada indivíduo espere com paciência e disciplina, que as suas ambições se concretizem. O Mundo novo que todos nós desejamos, não pode ser construído sobre o ódio. (…)



É mesmo de algumas curiosidades desse tempo que também iremos falar. Mas não esquecemos, repete-se, as não-curiosidades tão importantes como a ausência de liberdades cívicas, como a de associação ou da imprensa, a repressão dos adversários políticos, a censura prévia, os presos políticos e os tribunais plenários. Enfim, esses atropelos às liberdades do cidadão que foram amplamente praticados ao longo de 48 anos. O Estado Novo adquiriu depois do 25 de Abril um novo apelido. Saiu da longa noite e tornou-se O Antigo Regime.



O período cronológico que corresponde ao Estado Novo pode, pois, compreender-se entre 11 de Abril de 1933, data da promulgação e entrada em vigor da Constituição plebiscitada por um pouco mais de milhão e meio de portugueses, cujo projecto deve ser essencialmente atribuído a Salazar, ainda apenas Ministro das Finanças, assessorado por colaboradores muito próximos, como os Professores da Faculdade de Direito de Coimbra, Fezas Vital, José Alberto dos Reis, Manuel Rodrigues ou Mário de Figueiredo e ainda o jovem e prometedor Marcelo Caetano, e o 25 de Abril. O processo foi iniciado com a Ditadura Militar que, por sua vez, saiu do golpe de 28 de Maio, até ao outro golpe de 25 de Abril, de 1974. Entre 1926 a 1933, decorre a fase de transição da Ditadura Nacional para o Estado Novo, sete anos de ditadura assumida, após a queda da I República. Inicialmente, terão havido algumas dúvidas sobre se o regresso a uma normalidade constitucional deveria passar pela aprovação de uma nova lei fundamental ou pela revisão da Constituição de 1911. Vingou a primeira tese, depressa dissipada a outra, o que foi considerado na imprensa como notícia sensacional, logo que se soube da existência de um projecto em curso. Com o governo do Gen. Domingos de Oliveira, em Janeiro de 1930, e o início da implantação dos ideais salazaristas, começam a ficar criadas as condições para a sementeira de uma nova ordem, interpretada e até advinhada pelos homens de escola que sabem dar consistência a tendências latentes, mas ignoradas ou passivas no seio da sociedade. Em 5 de Julho de 1932, Salazar tornou-se o primeiro civil a chefiar um governo depois do 28 de Maio. Para consumo externo, Salazar continuava a projectar a imagem de um homem inteiramente dedicado à grande tarefa a que se propôs, sanear as finanças do País. Já em 1928, enquanto Ministro das Finanças, vindo da Facudade de Direito de Coimbra, onde bastantes anos o Conselho da Faculdade havia votado a classificação final de 19 valores e muito bom com distinção, declarou numa entrevista que a política não me interessa nada (!!!). Todavia, começou a tecer laboriosamente a sua teia, sem nunca desesperar, de acordo com a ideia que deve o Estado ser tão forte (gentil, civilizado) que não precise de ser violento (brandos costumes). Depois as coisas mudaram, quando passaram lá fora a haver coisas novas e terríveis. E criou-se a PVDE que, como a sua sucessora, não renegava a violência, a tortura ou o espancamento para obter confissões, muito especialmente dos operários e camponeses, ao invés dos intelectuais, profissionais liberais, os burgueses. E depois o Campo do Tarrafal (a Frente Popular surgira vitoriosa em Espanha), como ainda se verá.



Logo em 1934, António Ferro viria definir o Decálogo do Estado Novo, autoritário e presidencial que repudiava o individualismo e o liberalismo retinto de 1911, a balbúrdia parlamentar e tinha como um dos slogans de marca Portugueses se sois pela disciplina e ordem, votai a nova Constituição:




1. O Estado Novo representa o acordo e a síntese de tudo o que é permanente e de tudo o que é novo, das tradições vivas da Pátria e dos seus impulsos mais avançados. Representa, numa palavra, a vanguar­da moral, social e política.




2. O Estado Novo é a garantia da independência e unidade da Nação, do equilíbrio de todos os seus va­lores orgânicos, da fecunda aliança de todas as suas energias criadoras.




3. O Estado Novo não se subordina a nenhuma classe. Subordina, porém, todas as classes à suprema harmonia do interesse Nacional.




4. O Estado Novo repudia as velhas fórmulas Autoridade sem liberdade, Liberdade sem Autoridade e substitui-as por esta: Autoridade e Liberdades.




5. No Estado Novo o indivíduo existe, socialmente, como fazendo parte dos grupos naturais (famílias),profissionais (corporações), territoriais (municípios) e é nessa qualidade que lhe são reconhecidos todos os necessários direitos. Para o Estado Novo, não há direitos abstractos do Homem, há direitos concretos dos homens.




6. Não há Estado forte onde o Poder Executivo o não é. O Parlamentarismo subordinava o Governo à ti­rania da assembleia política, através da ditadura irresponsável e tumultuária dos partidos. O Estado No­vo garante a existência do Estado forte, pela segurança, independência e continuidade da chefia do Esta­do e do Governo.




7. Dentro do Estado Novo, a representação nacional não é de ficções ou de grupos efémeros. É dos elementos reais e permanentes da vida nacional: famílias, municípios, associações, corporações, etc.




8. Todos os portugueses têm direito a uma vida livre e digna, mas deve ser atendida, antes de mais na­da, em conjunto, o direito de Portugal à mesma vida livre e digna. O bem geral suplanta, e contém, o bem individual. Salazar disse: temos obrigação de sacrificar tudo por todos: não devemos sacrificar-nos todos por alguns.




9. O Estado Novo quer reintegrar Portugal na sua grandeza histórica, na plenitude da sua civilização universalista de vasto império. Querer voltar afazer de Portugal uma das maiores potências espirituais do mundo.




10. Os inimigos do Estado Novo são inimigos da Nação. Ao serviço da Nação, isto é: da ordem, do interesse comum e da justiça para todos, pode e deve ser usada a força, que realiza, neste caso, a legítima de­fesa da Pátria.



Em 1930, num conhecido discurso, integrando-se no movimento de reacção ao demo-liberalismo e à ameaça bolchevista, que passava com sucesso por vários países da Europa, Salazar referia a propósito do 28 de Maio que, este teve ocasião de eclodir, sem dúvida; com a cor local que lhe dá a especial gravidade dos nossos problemas certamente; com a modalidade que haviam de imprimir-lhe as circunstâncias da política portuguesa e a nossa maneira de ser e de sentir, a Ditadura ainda que indecisa, titubeante e irregular na marcha e na acção é um fenómeno dos que da mesma ordem dos que por esse mundo, nesta hora, com parlamentos ou sem eles, se observam tentando colocar o poder em situação de prestígio e de força contra as arremetidas da desordem, e em condições de trabalhar e de agir pela Nação.




Foi contra estes e outros pressupostos e propósitos, que começou a aparecer a contestação, mais ou menos democrática, reviralhista ou legal, não obstante haver em Portugal uma forte classe conservadora-católica, com interesses na agricultura, comércio e África, que sofrera com os efeitos da crise económica de 1921, da desvalorização da moeda, da instabilidade político-social fruto do parlamentarismo e da partidocracia, mas que não rejeitava uma redefinição do papel do Estado, dotado de autonomia e autoridade. É bem sabido, aliás o caso não é exclusivamente português, que a maior parte das pessoas prefere (ainda que o não confesse) a segurança, à liberdade cívica. Esquecem esses, porém, que se todos alinhassem pelo mesmo diapasão, não disporiam das liberdades e direitos de que depois disfrutam e acham tão natural, como o ar para respirar. Por isso, também estas notas para os mais jovens se tiverem paciência para as percorrer.
A oposição e o País em geral, foram avisados que a propósito da discussão pública do projecto de Constituição de 1933, não se permitiriam ataques pessoais, discussões de outras questões marginais a pretexto do seu debate, nem críticas que ultrapassassem o plano meramente político.



Na história da resistência o período que medeia até à II Guerra, tem-se ressentido de uma certa obscuridade, diríamos mesmo, de desvalorização. Entre 1930 e Julho de 1932, quando Salazar finalmente constituiu governo, é pois a fase de transição para a institucionalização do Estado Novo e que passa pela aprovação plebescitária da Constituição. A vida cívica de um Povo, tal como a das pessoas e famílias, é pontuada por eventos por vezes discretos, que ao lado dos maiores, emergem recorrentemente na nossa memória, assinalam a continuidade de uma luta quotidiana, para além dos momentos mais empolgantes, eventualmente efémeros. Não o iremos pois esquecer no texto que se seguirá, que não pretende ser a história desse período, muito menos do Estado Novo no País ou Alcobaça. A partir de 1933, a Constituição consagrou uma nova orientação do País, de acordo com três traços principais, o nacionalismo, (com o colonialismo implícito, sendo que quanto a este não divergiu muito da República), o autoritarismo (com a anulação das instituições parlamentares, representativas, bem como a controlo do poder local, no caso de Alcobaça bem representado pelo eternoecontroverso Manuel da Silva Carolino), e o corporativismo (a anulação do livre jogo, pretensamente isento de tensões sociais).



Reviralhismo, é designação corrente, vulgarmente conferida à actividade política pró-insurreccional, contestatária, desenvolvida entre 1926 e 1940, pela oposição republicana, democrática, liberal e anticlerical. A I República, deu grande ênfase à instrução e cultura do Povo, imputando à Igreja Católica e ao clero o atrazo cívico. O reviralho alcobacense seguiu de perto estes princípios, procedimentos, e revia-se no Voz Alcobaça até ser suapenso,ao escrever que na parte do Claustro (do Mosteiro) ressoou muita palmada com que a menina dos cinco olhos, manejada por homens de dois olhos, profligava as mãos dos que não satisfaziam. Foi a República que aboliu a palmatória (mas terá sido mesmo?) mas como quem não soubesse ou não pudessensinar sem bater, a régua passou a ter uma aplicação suplementar: a palmatoada foi substituída em muita parte pela règuada. A palmatória tornava-se perigosa ante as vistas dos inspectores, mas a régua tornava-se insuspeita como as linhas rectas que permitia traçar. Todavia, segundo alguns autores, o seu clímax no período compreendido entre 1926 e 1931, o Reviralhismo afirmou-se como a frente mais importante de combate ao regime da Ditadura Nacional, bem como depois de 1933ao Estado Novo. Embora apresentando uma diminuta unidade de acção e coerência política com intervenientes múltiplos, irrequietos e estratégias diversas, o Reviralhismo, acabou por se caracterizar como um movimento essencialmente republicano, que procurou, através da pena, de mais de uma dezena de revoltas ou atentados fracassados, a reposição revirar da situação democrática, das liberdades individuais e públicas que o 28 de Maio eliminara.



Mário Fadigas, da Maiorga, gosta de recordar a pequena história do último Regedor da I República, na freguesia. O seu pai, António Fadigas da Silva, que vivia com a mãe, nunca frequentou a escola, tendo realizado o exame da 4ª classe na tropa, depois de ter aprendido a ler com os serrralheiros da extinta Companhia Fiação e Tecidos de Alcobaça (COFTA), para onde foi trabalhar com 10 anos. Republicano, reviralhista, foi todavia pouco interventivo politicamente, e ao que se diz terá sido maçon. 2º Sargento de Artilharia de Costa, esteve nas trincheiras em França, durante a I Guerra. Felizmente não foi gaseado, tendo-se oferecido para o C.E.P., dada a admiração que nutria por Afonso Costa. Embora simpatizante do Partido Democrático, nunca se inscreveu nele e embora vivesse num meio rural, segundo o filho Mário nos contou, não sabia plantar uma batata, nunca foi agricultor. Era essencialmente um serralheiro. António Fadigas da Silva, com trinta anos de idade, foi nomeado por Alvará, escrito à mão em papel azul e com selo branco do Governo Civil de Leiria, datado de 8 de Maio de 1925, Regedor Efectivo da Freguesia da Maiorga, sob proposta do delegado do governo em Alcobaça, tendo tomado posse no dia 14. A verdade é que não ocupou o lugar por muito tempo pois, com o 28 de Maio, pediu a imediata exoneração, tendo-lhe a mesma sido concedida por Alvará do novo Governador Civil de Leiria, Cap. Henrique Pereira do Vale, natural da Cela-Alcobaça, datado de 24 de Junho de 1926. Mário Soares, de acordo com uma entrevista que tivemos com Fadigas pediu-lhe há uns anos, quando uma vez o visitou em sua casa na Maiorga, que oferecesse ao Museu da República, os Alvarás de Nomeação e de Exoneração de seu pai, que ainda guarda ciosa e cuidadosamente.



Alguns anos mais tarde era Regedor no Vimeiro Ti’ Joaquim sapateiro. Lá no Vimeiro, Ti’ Joaquim, era de facto a alta instância e o senhor da última palavra. Era sapateiro e regedor (bem gostaria de ter sido Presidente da Junta, mas como não sabia ler nem escrever o Presidente da Câmara de Alcobaça nunca o nomeou), mestre na arte da sovela, no passar do sebo com grande rigor, para evitar ao fio qualquer problema, quando cosia a gáspea à sola.




Ti’ Joaquim percebia tanto de gáspeas, de solas, como de pessoas, pois se necessário tanto batia numas, quanto nas outras. Chamava à razão o calaceiro, dirimia zangas quanto a extremas e conjugais, desmascarava o trapaceiro e os seus argumentos soezes, bem como não perdoava ao taberneiro o crime gravíssimo de deitar água no vinho. Se uma cabra distraída fazia a pastagem numa vinha, comendo ora a erva, ora as videiras, ficavam de dieta durante dois dias, pelo menos a cabra e pastor. Tendo Ti’Joaquim tanta aceitação popular para ser regedor ou até eventualmente ser Presidente da Junta (o problema como se referiu era não ter andado na escola), nunca se achegou ao rabecão. É que se a moldar a sola ele era audaz e bom pastor, a tocar as reses (os vizinhos), eventualmente não seria mais que capataz, se ousasse ir além de regedor. E por ali se quedou.



O que era um Regedor? Regedor era a designação da autoridade administrativa do grau mais baixo, a qual funciona em cada freguesia, subordinada ao Presidente da Câmara Municipal que livremente o nomeava e exonerava. O termo regedor serviu, outrora, para a designação de altos cargos como Regedor de Justiça, que presidia ao Tribunal da Casa da Suplicação. O Regedor, durante o Estado Novo, era um vulgar cidadão, com a missão de manter a ordem na pequena circunscrição, que é a freguesia. O Regedor tinha as atribuições definidas no Código Administrativo, de natureza administrativa e policial. No actual ordenamento jurídico, já não existe a figura do Regedor. O Regedor fazia um relatório das actividades que entregava com regularidade na Câmara Municipal, que depois encaminhava para o Governo Civil. O Regedor tinha a função de zelar pelas pessoas e pelos bens da freguesia. Não recebia ordenado por um trabalho que lhe ocupava muito tempo. Quando havia necessidade de prender alguém, o Regedor era o responsável pelo preso, tinha que o levar a Alcobaça a pé. Se a prisão acontecesse à tarde, ficava toda a noite a vigiá-lo e a esposa mantinha o lume aceso para se aquecerem, e fazer café para não adormecerem. Havia casais que discutiam ou brigavam, pelo que acontecia por vezes um deles ir queixar-se ao Regedor, que assim fazia de conselheiro matrimonial. O Regedor era testemunha, juiz, e a sua palavra valia mais do que um documento.




No tempo da II Guerra, não havia comida com fartura, pois tinha de ser racionada. Mesmo que alguém tivesse muito dinheiro, podia não comprar o que quisesse. A cada família era atribuído um número de senhas, que eram distribuídas pelo Regedor.




Inácio Catarino, dos Montes, ainda conheceu o primeiro Regedor da freguesia de Alpedriz dos tempos do Estado Novo, o carpinteiro e agricultor José Alves Catarino, e que tinha como cabo de ordens José Carreira. Também conheceu alguns que se lhe seguiram como José Santo, José Henriques Salgueiro, Fernando Gomes Loureiro e recorda Presidentes da Junta como José Ribeiro Malhó, José Rodrigues Ascenço, Francisco Rodrigues Ascenço Franco ou José Salgueiro Rodrigues Franco, todos dos Montes e inscritos na União Nacional (U.N.), ou pelo menos adeptos do regime. Lembra-se da vez em que o Regedor José Santo denunciou Afonso Salgueiro como perigoso conspirador político, o que determinou que este fosse conduzido aos calabouços do Governo Civil de Leiria para averiguações. Afonso Salgueiro sempre se assumiu como republicano, adepto de Afonso Costa e anticlerical, mas nunca foi pessoa de significativa acção política, pelo que era manifestamente sem sentido, injusta e inquietante a sua detenção. Assim foi libertado ao fim de dois ou três dias, o que não impediu que durante algum tempo se louvasse junto dos amigos dessa incursão pela política. Quando regressou a casa, nos Montes, as pessoas perguntavam-lhe se havia provado a barriga do boi (isto é, se tinha levado com cavalo marinho), o que sempre negou, alegando que tinham tido pena dele, por ter um filho deficiente.



A Feira de S. Bernardo, realiza-se há muitos anos em Alcobaça, umas vezes com mais animação ou interesse que outras. O certo é que, não obstante a descaracterização que hoje em dia apresenta, aliás como muitas outras que por esse País se realizam, nem por isso deixa de estar enraizada nos hábitos da terra.
As festas e romarias são uma componente importante da cultura popular do povo português. Numerosas e variadas, acontecem um pouco por todo o país e fazem parte das tradições e memórias de um povo que pretende preservar e manter actual a cultura secular que lhe confere uma identidade própria. Apesar de decorrerem ao longo do ano, é nos meses de Julho e Agosto que acontece a maior parte das festas e romarias em Portugal, unindo quase sempre a componente religiosa a um programa popular.




A Feira de S. Bernardo teve sempre uma componente essencialmente lúdica. Falando com pessoas idosas ou consultando notícias de jornais, atrevemo-nos a dizer que a Feira de S. Bernardo, quando no Rossio, era o ponto de encontro dos alcobacenses da terra com os de fora, a ocasião para mercadejar algumas coisas, beber uns copos com os amigos e foliar durante algum tempo. E pôr a coversa em dia, porque a vida não é só canseiras. O que era uma boa Feira, no dizer dos antigos, lá pelos anos trinta?




No tempo da República e dos primórdios do Estado Novo, da parte da tarde as tendas lado a lado pejavam, como convinha, no Largo do Rossio, em longas fileiras, e vendiam de tudo, fazendas, bugigangas, algodão doce, ouro, ouro sim, ouro de lei, ou prata contrastada, como o material do Maneca de Febres, porque o metal é que tem valor amanhã, no meio de enorme algazarra e estridência de conversas, de realejos ou outros instrumentos menos afinados, interpretados por cegos (que afinal talvez não o fossem…) que faziam números com saltimbancos e artistas de circo, enquanto se comiam tremoços ou pevides. Havia a tômbola das panelas que era muito procurada, pelas mulheres, na esperança de poder sair uma peça, que mesmo de refugo iria fazer muito geito na decoração da cozinha ou no serviço da casa. Também havia as tendas do vai um tirinho o q´rido, das caixas com furinhos que davam prémios e as dos matraquilhos.




O povo gostava de ir passear e ver. Famílias inteiras, com ar grave e pasmado, rapazes vestidos à maruja, paravam diante dos artistas a quem davam uns cobres, ajustavam o preço de um alguidar ou de uma peça de fazenda, tiravam medidas para o rapaz fazer um par de botas de carneira, iam ao mercado do gado, da fruta, da hortaliça ou do peixe da Nazaré (oh qu’ rida, oh freguesa!). Tudo era bom de apreciar. As ciganas liam a buena dicha, as vendedeiras de limonada faziam negócio com as mulheres e crianças. Alcobaça, em Agosto, com pó e algumas moscas quanto baste à mistura, fazia sede que também se matava moderamente na tenda da ginjinha. As mulheres apreciavam muito as pesadas mantas listadas de Minde, a lã azul fiada para as saias, as loiças da Olaria, de Alcobaça, com motivos pintados à mão simples e ingénuos, mas já a começar a vulgarizar os decalques, os vidrados amarelos ou verdes das Caldas da Rainha. Os homens, de pesado cajado, frequentavam principalmente, a feira do gado, faziam alguns negócios com dinheiro vivo (como poderia ser de outra forma?), entre dois copos de tinto, acompanhados de pequenos queijos de cabra ou de ovelha, da serra, vendidos em poceiros cobertos por alvas toalhas e, claro, sempre com o marisco, os tremoços e pevides. Esta era sim, uma boa Feira de S. Bernardo, com a PSP e a GNR sempre por perto e atentas à malandragem (além dos ciganos, havia outros… como os carteiristas) e às brigas do mau vinho. Os carteiristas que frequentavam as festas e romarias do país, como a Feira de S. Bernardo, eram normalmente provenientes do norte e bem referenciados pela polícia, pois usavam habitualmente um caracteríistico pequeno chapéu. A Polícia detinha-os preventivamente pelo tempo das festas, mesmo que nada tivessem ainda feito. A história dos carteiristas foi uma vez contada a Altino pelo Chefe Martins, da P.S.P., que depois foi motorista da Olaria, aquando de uma viagem em serviço que fizeram ao Porto. Os anos passaram. Algumas coisas mudaram outras nem tanto.



Durante a Feira havia circo. Em primeiro lugar apareciam os cartazes espalhados pela vila, ilustrados com animais ferozes, palhaços ou trapezistas, homens e mulheres gordos, tatuados e anões. Depois vinham as carruagens, puxadas por camionetas ou mesmo animais, que desfilavam com música, um tambor ou corneta pelas ruas. Era este ainda o tempo do grande espectáculo (o maior espectáculo do mundo), exibido em tendas redondas de lona onde entrava a chuva e seguramente o vento, a arena colorida, as luzes feéricas, os maillots lustrosos das mulheres, os corpos atléticos dos homens. Os palhaços, os animais. Os trapezistas, lá nas alturas.




Senhoras e Senhores, Meninas e Meninos, benvindos ao circo!!! Senhoras e Crianças, não pagam... Senhoras e Crianças, não pagam!!!




João Matias lembra-se que devia ter aí uns seis anos quando pela primeira vez o pai o levou ao circo, que assentava no Parque da Gafa. Mas para a criança que era, aquele foi um dos maiores acontecimentos da ainda muito curta vida. Gostou das trapezistas, riu-se com os palhaços mas, sobretudo, ficou fascinado com o atleta das argolas. Nunca mais o esqueceu. O fascínio do circo resiste a tudo e tem o condão de persistir na memória de crianças, jovens e adultos. O das argolas era um velho, de cabelos brancos e estatura pequena. Os músculos como que lhe saltavam da roupa, e nas argolas não deixou de fazer um Cristo, com uns braços trémulos. Esperado, esperado, era o momento dos palhaços. O de cara branca, o palhaço rico, e o outro, o pobre. O rico, servia para enganar o pobre, que superava pela esperteza os ardis que o cercavam. A assistência projectava-se no azougado pobretana. João Matias ria. A música evolava-se da concertina inglesa e de um xilofone de garrafas penduradas, líquidos coloridos em escala harmonizada na subtilidade dos martelinhos. Ninguém dava pelo desconforto das bancadas duras de madeira.



E o teatro de fantoches ou de robertos? O teatro de Robertos era um dos principais divertimentos (quase obrigatório) das feiras, romarias e até praias do século XX, como recordam Altino Ribeiro e Tó Lopes. Este estilo de teatro entrou, porém, em desuso em meados do século XX. Nos seus tempos de criança, na altura da feira, apareciam os Robertos, tão ansiados pela criançada. Trata-se de espectáculos de fácil compreensão, com uma manipulação rápida e cheia de acção, cuja característica importante é o uso pelo fantocheiro de uma palheta na boca que lhe permite ampliar e distorcer a voz, produzindo efeitos surpreendentes, algoridículos e que abordam rábulas tradicionais, que reproduzem a animação de rua (à moda antiga), algum acontecimento e centram a atenção do público com o alarido e picardias dos bonecos. Tó Lopes, em criança, gostava muito de ver os robertos e lembra-se bem de um número especialmente apreciado, pois metia (muito fantasiosamente) o Marquês de Pombal e a expulsão dos Jesuítas. Os adultos e a criançada achavam-lhe muita graça, pagava-se cinco tostões. Mas o tema mais corrente era o de um homem mal comportado, um touro para assustar e uma mulher que zangada com o comportamento do marido lhe pregava umas valentes pauladas no final.




Nos dias que correm, é difícil verem-se os Robertos, mas, de certeza, que haveria muitas crianças que gostariam de assistir a um espectáculo, com os nossos saudosos e deliciosos Robertos.



João Matias, já rapazote com pêlos a aparecer na cara, também não se esquece mais do vendedor da banha da cobra que aparecia todos os anos na Feira de S. Bernardo. O vendedor da banha da cobra não é uma personagem de ficção, pois existe, sempre existiu, evoluiu, é muito hábil e astuto.




Todos sabemos, João Matias sem dúvida, que a banha da cobra não serve para nada, mas a convicção que o vendedor transmite, através duma oratória estudada e estruturada, é capaz de convencer pessoas sobre as capacidades infinitas do milagroso medicamento. Impigens, mau olhado, torcicolos, urticária, febre dos fenos, dentes, nervos, escleroses, artroses, entorses, diarreias, sarampo, escarlatina, espinhela caída, dores das cruzes, doenças do miolo, verrugas, cravos, etc., são alguns dos males que a banha da cobra afasta a quem a quiser comprar.




Matias parece que ainda tem no ouvido essa oratória, não custa nem 20, nem 15, nem dez. Custa apenas cinco, e quem levar dois tubos leva um totalmente de graça. Um para aquele senhor, outro para aquela menina, e enquanto eu vou lá à frente receber o dinheiro, a minha mulher vai lá atrás distribuir o pacote.




Se é certo que a banha da cobra não cura nada, também não consta que daí tenha saído algum mal para a saúde pública ou para o mundo. Não custa dez nem quinze, custa apenas vinte e cinco tostões, e quem levar dois tubos leva um de graça.




Era assim tentador! É assim que ainda conserva no ouvido o pregão com que na feira, o vendedor da banha da cobra anunciava as virtudes miraculosas daquela mistela, de composição indecifrável. E não havia mal ou maleita onde o seu resultado não fosse prodigioso. E para que não houvesse dúvidas, os argumentos eram um primor de explicação:




-Se bocência tem uma dor de dentes, fique a saber que não é o dente que lhe dói. O dente é corno, o corno é osso e o osso não dói, o que dói é o nervo.



Cremos que a grande maioria das pessoas, não apenas de Alcobaça, não acreditava naquilo, mas inexplicavelmente comprava, pelo que a vida de vendedor de ilusões ia andando embora com dificuldade. O homem era vigarista, golpista ou apenas um desenrascado a fazer pela vida? Há uma palavra tipicamente portuguesa, que caracteriza bem o nosso povo, o Desenrascanço, muito próprio do Xico Esperto, de que aliás já falámos. Saudade e desenrascanço são palavras/expressões que provavelmente conseguem definir um povo na perfeição. Vivemos saudosos do passado, desenrascando o futuro. Esta palavra (desenrascanço) é difícil de traduzir para uma outra língua, talvez por ter um significado menos romântico que o de saudade. Não recordamos alguém a referi-la como bastião da língua e maneira de ser português. O desenrascanço português é conhecido desde tempos antigos. Diz-se que durante as viagens marítimas era frequente navios de outros países levarem um português na tripulação, com o propósito de este tomar conta do navio em tempos de crise. No meio de uma tempestade, o Português ficaria com total controlo do navio, e daria uso ao seu dom do desenrascanço para livrar o navio da tormenta.



Ouvimos contar a seguinte história que se terá passado na Feira de S. Bernardo em meados dos anos cinquenta. O GNR reformado Joaquim Meneses tinha uma vaga ideia de a ouvir a colegas mais velhos, quando muitos anos depois foi colocado no Posto de Alcobaça. Ainda música entoava no ar quando no sábado, por volta da meia noite, várias pessoas se envolveram em confrontos físicos. A principal vítima da sessão de pancadaria foi o Luís da Horta, da Moita do Poço, que garantiu ter sido agredido pelo Secretário da Junta de Freguesia de Turquel, com um pau de eucalipto com 2 metros de comprimento e mais de dois centímetros de diâmetro…




-Deu-me com o pau nas costas umas cinco vezes, contou Luís. Um gesto que foi seguido por mais dois conterrâneos do Secretário da Junta.




-Os paus destes eram mais pequenos, mas mais grossos, afirmou o agredido, tão grossos que acabaram por lhe abrir a cabeça, que foi suturada com sete pontos no Hospital de Alcobaça, onde chegou bastante atordoado.




O jovem apresentou queixa por agressão contra o Secretário da Junta e os dois amigos, na Guarda Nacional Republicana. De acordo com as informações colhidas junto Chefe do Posto da G.N.R., uma patrulha foi chamada por volta da uma da madrugada de sábado, com a informação é de que estariam a decorrer desacatos no recinto da Feira. Chegada ao local, a patrulha (3 homens) deparou com o facto já consumado, pois o Luís da Horta já teria levado as pauladas, estava no chão, com a cara ensanguentada e a gemer.




-Só sei que ainda havia gente a bater-me, a dar-me pontapés nas costas e na barriga, garantiu depois.




O caricato da situação é que o assunto que terá dado iniciou a zaragata, nada tinha a ver com o Secretário da Junta, com esta ou mesmo com o Luís da Horta. Mas sim, com um irmão deste e um rapaz do Carvalhal, que terá sido apanhado, algum tempo antes, a roubar um cabrito.




O Secretário da Junta mostrou-se muito espantado pelo facto do seu nome estar envolvido na questão.




-Não tenho nada a ver com o assunto. Na altura dos acontecimentos até estava sentado a beber um copo e a petiscar com uns amigos. Referindo nunca se ter metido em zaragatas (não se esqueça que faço parte da Junta…), salientou que até andava de muletas por ter um problema numa perna, que o obrigou a fazer uma cirurgia em Leiria.




-Acha que com a perna assim eu estava em condições de bater em alguém?, perguntou ao Comandante do Posto da G.N.R, adiantando que se o Luis apresentou queixa contra si irá também fazer outra por difamação.



Falar de uma festa popular portuguesa e esquecer o Poço da Morte seria uma falta grave.




O primitivo Poço da Morte, era em madeira, e nele pontificavam os motoqueiros pai, mãe e um filho, já que no cartaz aparecia a imagem dos três, como recorda Matias. Circulavam numa estrutura cilíndrica, a girar sempre à volta até ficarem paralelos ao chão. Era um trio de fascinantes corajosos aventureiros que, com os palhaços, ilusionistas e acrobatas do circo, preenchia o imaginário de muita gente que ia à Feira. O público ficava a ver na parte superior, tendo apenas uns cabos de aço como limite, para que numa manobra imprevista (e possível) não levasse com eles.




Desafiavam a morte, no dizer do apresentador, cruzando-se com arrojo, audácia e emoção a alta velocidade de olhos vendados pela bandeira portuguesa, que depois era desfraldada triunfantemente, para gáudio da assistência e vibrantes aplausos. Especialmente emocionantes eram as voltas de moto, com o artista (filho) sentado de lado virado para o fundo do Poço, sem mãos no volante e de braços cruzados. Suscitavam emoções fortes em João Matias, que ia acompanhado pelo pai, espalhando entre os demais espectadores um clima de euforia e ansiedade, apimentado pelo ruído ensurdecedor das motos sem escape e o cheiro de gasolina mal queimada.



Anos depois (nos anos sessenta) a Orquestra Típica e Coral de Alcobaça, interpretava com Luísa Dionísio e outros, com muito agrado, um número com música de António Gavino e letra de Alberto Goucha:




Com mê fato dominguêro

Vim de casal e mais três

O mê irmão que é padêro

O mê burro e o Inês.




E na Fêra d’encontrões

Que levê no meu corpinho

Perdi todos os botões

De mê fato tão novinho.




No carrossel é que é

Dez tostões uma voltinha

Nem me tinha já de pé

Tanta volta dá a pinha.




Mas gostei e não lamento

O dinhêro que gastava

E quis levar o jumento

Só p’ra ver o qu’aquilo dava.




Logo naquele momento

Disse ao Inês ao acaso

Olha lá traz o jumento

Que um a mais não faz é caso.




E a bruxa leu as sinas

Disse ao Inês em segredo

Há de ter oito meninas

Deixe lá não tenha medo.




À Fêra não volto mais

Enquanto tiver memoira

Mas vês outros que voltais

Ouçam o resto da história.




Deus quis assim, nós também

Casámos eu e o Inês

A bruxa falara bem

Meninas só faltam três.




Arre burro!

Sem comentários: