quinta-feira, 6 de maio de 2010

Alcobaça, o Movimento Revolucionário de Santarém (1919), a Torre e Espada e o Brasão da Terra (Cap. III)

Sufocada a revolta de Santarém, como ficou conhecida para a história, poucos dias depois rebentou no norte da País um novo pronunciamento, agora da responsabilidade da Junta Militar do Norte, que alastrou rapidamente do Porto a Braga, Bragança, Régua, Lamego, Arouca, Ovar, Estarreja, Viseu, Viana do Castelo, com excepção de Chaves. A Monarquia do Norte, como foi chamada, chegou a formar governo presidido por Paiva Couceiro, anunciado à varanda do Governo Civil do Porto, à boa maneira do 5 de Outubro, fazer leis e emitir moeda. Em 19 de Janeiro proclamou a restauração da monarquia na pessoa de D. Manuel II, bem como o Hino da Carta e a Bandeira Nacional, azul e branca. A Monarquia do Norte não foi encarada pelos seus chefes como uma revolta, “é a tradição que se reata, o passado que ressurge”.


Na madrugada de 22 de Janeiro, os monárquicos sob o comando da Aires Ornelas, lugar-tenente de D. Manuel II, revoltaram-se e ocuparam a Serra de Monsanto, em Lisboa, tendo chegado também a hastear a bandeira azul e branca.

Em face destes acontecimentos, veio o governo de Tamagnini Barbosa a ter ao seu lado os sublevados de Santarém e outros, que esquecendo as divergências e os agravos se uniram na defesa da República. Após a vitória de Monsanto, foram soltos todos os presos de Santarém e os de Alcobaça, voltando para casa os que andavam foragidos.

No rescaldo do movimento de Santarém, a disposição relativa das partes fora bem diferente. Ainda nos dias 17 e 18 de Janeiro, houve de facto diversas reuniões entre os Ministros da Guerra e da Justiça, sobre a redacção de uma proposta de lei para julgamento dos implicados na revolta, procurando o governo conseguir que estes fossem julgados com a maior brevidade possível. Para isso, ia nomear os oficiais encarregados das investigações, bem como a constituição do Tribunal Militar para os julgar no prazo de um mês. A ideia do governo, por essa altura, era aplicar aos oficiais revoltosos a pena disciplinar de separação do serviço, independentemente da que lhes fosse aplicada pelos tribunais.

Para combater a Monarquia do Norte ou “Reino da Traulitânea”, em alusão aos maus tratos inflingidos aos presos e às perseguições desencadeadas, saiu mais uma vez, com abnegação, a Bateria da Artilharia de Alcobaça, como já o fizera para Santarém, acompanhada de alguns civis armados.

Segunda reza a história, e a memória do povo da Vila de Alcobaça, a Bateria de Artilharia 1, portou-se bem e com brio contra os “trauliteiros do norte”.

Entre os alcobacenses que combateram a “Monarquia do Norte” há a destacar o Alferes Manuel dos Santos Pimenta, JoãoVila Nova, Serafim Amaral e Heitor Cardoso, que, embora muito afectados pelos acontecimentos, regressaram salvos a casa e à terra, onde foram devidamente homenageados pela autarquia.

Segundo a imprensa diária da época, em Alcobaça “a população republicana desta vila está a acompanhar com vivo interesse o desenrolar dos acontecimentos a norte, desejando que eles tenham o melhor desfecho possível a bem do regimen. A guarnição militar de Alcobaça, composta de um Regimento de Artilharia 1 e de uma diligência de Infantaria 7 também se encontra absolutamente ao lado da República, o que já há dias foi anunciado ao Ministério da Guerra pelo Coronel de Cavalaria Sr. Carvalho da Costa, Comandante Militar da Vila”.

Foi verdadeiramente imponente a recepção que o povo de Alcobaça dispensou à Bateria de Artilharia 1, sob o comando do Alferes Pimenta, depois da participação no movimento de Santarém e contra os monárquicos do norte.

Apesar da chuva de Março, que por vezes caía com abundância, centenas de pessoas e a Filarmónica da Maiorga, aguardavam na Vila os militares, enquanto outras os foram esperar à estação de caminho de ferro de Valado de Frades. Na Câmara Municipal, sita na ala norte do Mosteiro, Fernando Alípio Carneiro de Sá produziu uma alocução arrebatadora que mereceu vivos aplausos dos que ocupavam totalmente a Sala das Sessões bem como, mais abaixo, as arcadas. Responderam, a agradecer, o Alferes Pimenta e o 2º Sargento Automobilista Ferreira da Silva que emocionaram os presentes com afirmações de inflamado republicanismo. No Hotel Comércio, à noite, teve lugar um copo de água em honra do comandante e sargentos da Bateria de Artilharia.

Eram bastante populares na Vila de Alcobaça, os Alferes Pimenta e o 2º Sargento Ferreira da Silva. Tanto assim que, dias depois, no Teatro Alcobacense, os republicanos procederam à entrega ao Alferes Pimenta de uma espada de honra. Esta espada, que se encontrou em exposição numa vitrina do estabelecimento comercial de António Couto da Silva, tinha gravado, ao longo da lâmina, a seguinte dedicatória:

“Ao Digníssimo Alferes de Artilharia nº1, Sr. Manuel dos Santos Pimenta. Homenagem do maior apreço e estima do povo republicano de Alcobaça.

11-1- 1919”.

Além da espada, foi entregue ao Alferes Pimenta um “sitk”, puro cavalo marinho, com aplicações em prata, adquirido por subscrição aberta entre as mulheres republicanas de Alcobaça. Vieram assistir à cerimónia, várias figuras de destaque da República, como Cunha Leal e Ramada Curto.

Cunha Leal, tinha ficado muito afectivamente ligado a Alcobaça. No Domingo anterior estivera de visita à Vila. Ao chegar a Valado de Frades, era aguardado pela Filarmónica da Maiorga e por muitos republicanos que o acompanharam até ao Hotel Pinheiro, aonde ficou alojado.

O Alferes Pimenta era pessoa afável e modesta, que não reclamava exclusivamente para si os louros correspondentes à actuação da Bateria de Artilharia, que comandou. Tanto assim que não se cansava de dizer, em toda a parte, que o pessoal da Bateria, com quem saiu para Santarém e depois contra os “trauliteiros do norte” se portou com enorme espírito de sacrifício, muito amor à Pátria e à República. O Alferes Pimenta chegou mais tarde a ajudante do Ministro da Guerra.

O 2º sargento Ferreira da Siva, sócio de uma importante casa comercial de Alcobaça, após os acontecimentos de Santarém, foi preso e levado para Monsanto de onde saiu, ao fim de dias, para combater a Monarquia do Norte.

Nas devidas proporções e à sua medida, Alcobaça era um baluarte da República. Logo após a derrota de Paiva Couceiro, Augusto Jorge promoveu uma sessão solene de júbilo pelo “afundamento para todo o sempre das monarquias couceiristas e ladras”.

Alcobaça delirou ainda quando teve conhecimento do “Enterro da Senhora Monarquia”, realizado no Porto. Segundo o correspondente no Porto da “Semana Alcobacense”, o “préstito saiu do Monte Peral e nele se fizeram representar diversas figuras da monarquia em “travesti”. Não faltaram as comunidades religiosas, os tocheiros, o andor da Senhora Morta, a banda de música executando tétricas e profundas marchas fúnebres. Enfim, uma cavalhada com graça e que despertava no público espectador as mais picantes referências”.

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