terça-feira, 11 de maio de 2010

A (fantasiosa) PRINCESA RATTAZI, PORTUGAL a vol d'oiseau E ALCOBAÇA

I-NOTA PRÉVIA



PORTUGAL A VOL D’OISEAU (Portugal visto por alto), é uma obra curiosa, conscientemente polémica e, como tal, tem ainda hoje de ser encarada. Não foi assim entendido em Portugal, aquando da sua publicação em França em 1879 e, os nossos escritores e políticos, já então muito intelectuais e sérios, entre os quais há a destacar Camilo Castelo Branco, sentiram-se ofendidos com algumas observações e erros nela expressos.



Salvo melhor opinião, a Princesa Rattazi, francesa nascida em 1833 e falecida em 1902, que não era especialmente culta, nem estudiosa, mas ousada de juízo e uma grande viajante que gostava de ver o mundo, não deixou de manifestar profunda simpatia por este pequeno reino que supunha adormecido para não dizer morto. Por outro lado, se pretendeu corrigir erros inconcebíveis espalhados pela Europa acerca de Portugal, também é certo que deu letra de forma a outras incorrecções e imprecisões devidas, fundamentalmente, ao conhecimento por alto que teve do nosso País.



No prefácio da obra, necessário para compreender o seu sentido, reconhece a autora que uns dirão que eu vi como um cego e estudei como um idiota, embelezando a todo o custo e desfigurando de propósito, todavia estes deverão corar por não terem em conta o humorismo do livro, escrito a intervalos, a correr e por alto, como indica o seu título.



Não se vai traduzir aqui ou publicar, a totalidade do livro da Princesa Rattazi mas, apenas, a parte em que ela descreve a visita a Alcobaça. Os nossos leitores verão, em relação a Alcobaça, que a autora revela desconhecimento de alguns factos tidos por correntes entre nós, fantasia outros e inventa alguns, seguramente para dar mais interesse ou colorido à sua escrita.



No fim deste trabalho de tradução, que se vai apresentar, daremos conta de algumas dessas incorrecções, em notas da nossa autoria.



II-A VISITA A ALCOBAÇA



De Caldas da Rainha fiz uma excursão a Alcobaça. Os meus amigos portuenses haviam-me vivamente aconselhado a não deixar de visitar este local curioso, onde os túmulos de Inês de Castro e de D. Pedro atraiem uma multidão de curiosos ou de peregrinos, especialmente os enamorados pela lenda comovente dos dois amantes coroados.



Partimos às oito horas da manhã, numa caleche puxada desta vez por vigorosos cavalos. A estrada é um perpétuo encantamento, uma fantasmagoria, onde o sol e a beleza da natureza desempenham o papel principal. Encostas suaves, atapetadas de folhagem, de flores, de heras, escondem no fundo minúsculas casas, perdidas sob a ramagem, enquanto colinas rodeiam uma cintura verdejante de prados, de vales, de habitações, à volta dos quais pastam rebanhos dóceis e azinhagas estreitas ziguezagueiam como serpentes. Tudo isto iluminado pelo azul mais puro e pela luz mais radiosa. Eis, o espectáculo que gozamos durante três horas.



Longas alamedas sombrias, bordejadas de plátanos gigantescos, precedem a nossa chegada a Alcobaça e assemelham-se às avenidas de qualquer castelo grandioso, ao mesmo tempo solitárias e alegres com o chilrear dos pássaros e o rumorejar do vento na folhagem.



Alcobaça é banhada por dois rios, o Alcoa e o Baça. A vila, perdido o antigo esplendor, nada mais oferece de notável que o Mosteiro. Por si próprios os claustros são cidades, a sacristia uma igreja, e a Igreja uma basílica, disse um autor português. É, com efeito, verdade.



O Mosteiro foi fundado em 1148, pelo Rei Afonso Henriques, como manifestação de agradecimento pela vitória de Campo de Ourique, que assegurou a fundação da monarquia portuguesa. Os religiosos da Ordem de Cister, fundada por S. Bernardo, para aí foram chamados e, em breve, tornaram-se senhores do ar e da água. O Rei deu-lhes as terras que a vista podia abarcar do alto da igreja o que, na prática, quer dizer uma extensão enorme (1).



A fachada está admiravelmente conservada. A Igreja é do mais puro estilo gótico. Compõe-se de três naves ligadas entre si por arcos de abóbada duma altura espantosa. A humidade deu um tom esverdeado às pedras, o tempo abriu-lhes fendas. O edifício está quase abandonado, mas continua magnífico no seu conjunto e os detalhes permanecem intactos.



Os portais carunchosos dão acesso à sacristia e ao claustro. Uma parte serve de quartel, restaura-se outra para aí instalar uma escola ou um seminário e a terceira cai em ruínas. Todavia, o aspecto geral é grandioso. A erva cresce em tudo o que é sítio, as cobras deslizam assobiando, enrolando-se nas colunas que suportam as abóbadas circulares. Os túmulos dos monges, confundem-se com as lages do pavimento e com as pedras que apresentam inscrições nas paredes. Aqui e acolá, rodeado de heras, de plantas trepadoras, descobrem-se os restos de duas paredes ligando dois pisos do Mosteiro. Julgamos ver a todo o tempo uma aparição fantástica e sobressaltamo-nos ao menor ruído, como se sombras misteriosas nos tocassem nos seus movimentos etéreos.



Os altares das capelas particulares estão todos repletos de ornamentos. Em frente aos túmulos de Inês de Castro e de D. Pedro, encontra-se uma representação da morte e S. Bernardo, rodeado dos seus discípulos, que é do trabalho mais fino e da expressão mais curiosa! Atrás do altar-mor, existe um dédalo imenso, cortado por capelas particulares em honra de santos e santas. Na sacristia, encontram-se dois móveis antigos de elevado valor. Perto da sacristia, existe uma sala circular onde a luz do dia entra pelo tecto dividido em pequenos nichos, como um pombal, que se chama Escrínio das Relíquias. Em cada um destes nichos dourados, encontra-se a cabeça de um santo ou santa em tamanho natural, numa redoma de vidro. Durante as guerras civis, a maior parte destas relíquias perdeu-se (2) .



Os túmulos de Inês de Castro e do seu real esposo são maravilhosos! É pedra, marfim, renda? Os dois sarcófagos estão de pés de um para os do outro, a fim de no dizer da lenda, quando no Dia do Juizo Final a trombeta do arcanjo acordar os dois amantes, o seu primeiro olhar seja um olhar de amor. A estátua de Inês de Castro é jacente, sustentada por anjos que a olham chorosos, segurando uma coroa sobre a sua cabeça. Na mão direita tem um colar de pérolas. A seus pés vêm-se vestígios de cães, que foram partidos ou arrancados e que deviam simbolizar a fidelidade. Os quatro lados do túmulo, estão cobertos de baixo-relevos admiráveis. O túmulo propriamente dito, está apoiado em seis esfinges, cujas faces destruídas e sem relevo, testemunham a curiosidade dos visitantes. O sarcófago de D. Pedro, o Justiceiro, está seguro por seis leões. A sua figura nobre respira suavidade, a mão direita empunha uma espada. A seus pés estira-se um cão de caça. Nos cantos da capela, encontram-se três pequenas arcas em pedra, cujo trabalho admirável está meio apagado pelo tempo e que contêm os restos mortais dos três filhos de Inês de Castro.



Os sarcófagos de Inês de Castro e de D. Pedro foram infelizmente pilhados e mutilados. A figura de Inês de Castro foi muito deteriorada. O guia, vendo a minha indignação perante estes actos de vandalismo, disse-me com uma voz tornada profunda pela ressonância do lugar, estas palavras, seguramente as únicas que sabe na nossa língua, mutilados pelos franceses, sem juntar mais qualquer comentário. Senti-me incomodada (3 e 4).



Percorremos a Igreja, o claustro, mas eu continuava instintivamente perseguida por aquelas palavras que se me configuravam como uma censura e uma ameaça.



A biblioteca é uma sala imensa, que continha 100.000 volumes que foram transportados, uns para Lisboa, outros para Braga. Ela foi restaurada, decorada com belas pinturas e com uma galeria circular, totalmente dourada. Ajuizar-se-à do seu tamanho quando se souber que 999 monges viviam no Mosteiro e se reuniam nesta sala para trabalhar e estudar. Não podia haver em Alcobaça um número de monges que atingisse mil. Assim, havia por isso 999 celas. Que imensidão!!! Nas proximidades encontram-se os aposentos do Prior e a sua capela, dedicada a Santa Constança. As celas são pequenas, todas iguais. A maior parte está em ruínas. Quanto à cozinha ela é gigantesca.



O forno, que se encontra no centro e cuja chaminé à distância tem a forma sinistra de mitra de bispo, pode assar no espeto dois bois inteiros. Aqui e acolá existem mesas de pedra para cortar a carne e o pão, bem como uma banca enorme onde a louça se lava sozinha, servida por água que aí chega em abundância através de canais subterrâneos... Uma cozinha de Titã!



A torre é relativamente menos alta do que se julgaria à primeira vista. Talvez o rei, havendo achado imprudente a sua promessa, tivesse tomado depois as suas precauções. Mesmo assim, subi 72 degraus e encontrei-me sobre um terraço admirável, com os sinos aos meus pés e toda a região disposta como num leque aberto.



Para lá chegar, passei pelos celeiros. José poderia ter lá guardado não sete anos, mas a colheita de um século!



Dei por mim espantada e encantada. Que homens eram estes que podiam deixar tais marcas da sua passagem! Ao fim de vários séculos, o seu poderio manifesta-se em monumentos imperecíveis que permanecem de pé como a memória de um povo de gigantes!



O sol ia descendo. O encantamento do lugar permanecia, mas ia-se suavizando. Pequenas núvens corriam por aí, tingiam de púrpura o horizonte e maculavam a lua, que nascia muito pálida, atrás de um pinhal de troncos delgados e flexíveis.



O odor de violeta perfumava o ar, as flores protegiam as corolas delicadas e colocavam-se sob as folhas protectoras, os pastores regressavam a cantar aos seus lares, donde saía um fumo azulado e onde os esperavam as mulheres e filhos... Camponesas tisnadas pelo sol, de grandes olhos negros, caminhavam com alegria, carregando à cabeça molhos de espigas misturadas com papoilas e flores silvestres, enquanto que rapariguinhas, de joelhos à borda da estrada, pediam esmola sorrindo a despeito do tom fúnebre das suas súplicas. Doce esplendor de Portugal! Que clima! Teu céu permanentemente radioso! Teu hino é o da primavera e as tuas crianças desconhecem o aborrecimento, a doença ou a tristeza (7) .



O meu regresso foi assinalado por um incidente bastante pitoresco. Um burrico cinzento, bem tratado e luzidio, sem dúvida manso, depois de saltar uma sebe florida, veio cantar-nos um melodioso hi, han, tão intenso, que nos obrigou a tapar os ouvidos. Sem dúvida deixamos ali um amigo.



III-NOTAS AO TEXTO DA PRINCESA RATTAZI



1- A LENDA DA FUNDAÇÃO DO MOSTEIRO



Não é fácil saber, ou apurar, em que condições foi fundada por D. Afonso Henriques, a Abadia de Alcobaça.



Hoje em dia, quando a propósito ainda se fala em lendas, ou seja se procura ou invoca uma explicação não científica ou crítica para o facto, é desde logo em Frei Bernardo de Brito, na Crónica de Cister, que vamos deparar.



A lenda mais conhecida, também chamada Novella do Voto, resume-se em que D. Afonso Henriques, em 1147, resolvendo sair de Coimbra para tomar Santarém aos mouros e conhecendo as dificuldades do empreendimento, agravadas pelo facto de as suas tropas serem pouco numerosas, resolveu invocar a ajuda de Bernardo, Abade de Claraval, já com fama de santidade, tanto mais que se tratava de uma batalha em honra da cristandade. Ao chegar ao alto da Serra de Albardos, no lugar onde mais tarde veio a ser construído o Arco da Memória, decidiu D. Afonso Henriques, em voto solene, conceder a Bernardo de Claraval, toda a terra que dali se avistava, para nela fundar um convento da Ordem. Esta versão, fantasiosa, mas bela, foi muito divulgada ao longo dos séculos, tendo vindo a ter uma excelente representação artística nos azulejos da Sala dos Reis.



Como todos os portugueses sabem, nunca houve batalha de Campo de Ourique como diz a Princesa Rattazi, com influência na fundação da nacionalidade.



2-DEPRADAÇÕES NO MOSTEIRO E UTILIZAÇÕES QUE LHE FORAM DADAS



Mesmo antes da extinção das ordens religiosas em Portugal, o Mosteiro de Alcobaça fora pilhado e saqueado por uma população hostil e até enraivecida, por alturas de levantamento de cariz liberal, ocorrido, em 16 de Outubro de 1833.



Durante as lutas liberais, os monges, à revelia dos ventos da história, colocaram-se ao lado de D. Miguel. Este, por várias vezes, manifestou ao Abade de Alcobaça a sua vontade de visitar o Mosteiro, na boa tradição dos Reis de Portugal. Isso veio a acontecer a 8 de Agosto de 1830, aliás nessa condição, com a recepção possível numa terra em que a população se revelava anticlerical e a vida conventual nada tinha de especialmente digna ou de faustosa.



O Mosteiro vivia, por essa altura, com muitas dificuldades financeiras, dívidas a particulares que atingiam cifras avultadas. O terramoto de 1755 e as invasões francesas, autêntico desastre nacional, acabaram por causar-lhe danos, de que não mais se recomporia.



Depois de 1834, e do saque incontrolado a que foi sujeito durante onze dias, parte de Mosteiro foi transformado em quartel, outra em espaço afecto à administração pública, como a Câmara Municipal, Repartição de Finanças, Tribunal, Cadeia, Asilo de Mendicidade e o restante vendido a particulares.



O teatro da vila chegou durante anos a funcionar no Refeitório. Desde então e até aos anos 50, o Mosteiro foi objecto de obras ditas de restauro, nem sempre bem planificadas ou executadas. Em todo o caso, o simples visitante, dificilmente será hoje em dia capaz de fazer ideia do que era o Mosteiro, já não nos tempos de grandeza e opulência, mas pelo menos quando foi abandonado pelos frades.



O Mosteiro estava lamentavelmente votado ao desleixo e ao abandono quando a Princesa Rattazi o visitou em 1879, aliás pouco antes de Ramalho Ortigão, que o descreveu nas Farpas, vol. 1. A delapidação e o vandalismo eram constantes, se não no recheio que se perdera totalmente, ou fora transferido, ainda com alguma oportunidade, como a Biblioteca, mas na parte monumental propriamente dita.



Alcobaça possuía alfaias riquíssimas e seculares, vasos sagrados, candelabros e tocheiros de prata e paramentos que os franceses levaram aquando das invasões. O restante, acabou por desaparecer às mãos da população, e não só, depois da extinção das ordens religiosas.



Em princípio, a Regra da Ordem, proibia a presença de imagens na Igreja, o que não quer dizer que ela fosse mesmo acatada ou que ali elas não existissem, como aliás acontecia noutras partes do monumento.



3- OS TÚMULOS



Sobre os túmulos de D. Pedro e de D. Inês de Castro, muito se tem dito e escrito em Portugal e no estrangeiro, pois são reputados como das obras mais importantes da escultura funerária do ocidente.



Segundo Cocheril, inicialmente os dois túmulos estavam colocados lado a lado no braço sul do transepto da Igreja, com os pés virados para nascente, sendo o de Inês de Castro à direita do de D. Pedro.



Foram em várias alturas abertos estes túmulos, entre outras que se saiba por D. João III em 1524 e D. Sebastião em 1 de Agosto de 1569. Vieira Natividade in MOSTEIRO DE ALCOBAÇA(1885), refere que D. Sebastião por uma doida fantasia de criança andou pelo reino vendo os restos mortais dos seus antepassados. Logo dessa vez, o de Inês de Castro foi muito danificado. Durante a 3ª invasão francesa em 1810, os soldados do Conde de Erlon assaltaram o Mosteiro e, entre outros actos de vandalismo que praticaram, arrombaram os túmulos que estavam no cruzeiro da Igreja, destruíram completamente e de forma irreparável algumas edículas e retiraram os corpos.



Possivelmente em 1827, os dois túmulos foram transferidos para Sala dos Túmulos e aí colocados em frente um do outro, criando-se assim a lenda que a Princesa Rattazi descreve.



A actual localização, o de D. Inês no lado norte e o de D. Pedro no lado sul do transepto, é apenas de 1956, após as últimas obras no Mosteiro. Refere ainda a Princesa Rattazi a existência de 3 pequenos túmulos, contendo os restos mortais dos três filhos de Inês de Castro. Efectivamente, no Panteão Real, há três sarcófagos pequenos, não identificados, eventualmente destinados a crianças. Nenhum historiador responsável os atribui aos filhos de Inês de Castro. Assim, a Princesa Rattazi em 1879, tal como Ramalho Ortigão em 1886, quando visitou o Mosteiro, aceitou como boa mais uma lenda romântica.



4-O FUNERAL DE INÊS DE CASTRO



Transcreve-se a seguir, por curiosa e pouco divulgada, a descrição que in ALCOBAÇA ILUSTRADA, Frei Manuel dos Santos faz da transladação de Coimbra para Alcobaça dos restos mortais de Inês de Castro.



Para efeitos da dita transladação procedeu El-Rei D.Pedro da maneira seguinte: mandou lavrar grande quantidade de tochas de cera fina; deu ordens necessárias aos povos que corta a estrada real de Coimbra até Alcobaça e chamou a Stª Clara a nobreza e o mais luzido do Reino; e sendo isto ordenado, assinou El-Rei o dia: viam-se da porta da Igreja de Stª Clara-a-Velha em primeiro lugar o Cabido, as Religiões e o Clero da Cidade; logo sucessivamente pela estrada adiante postos em duas fileiras cada um tem seu círio aceso na mão as pessoas que foram necessárias para se encher a grande distância de caminho, que há da Igreja de Stª Clara até ao real Mosteiro de Alcobaça, que são as mesmas dezassete léguas que diz Faria, todos em silêncio esperando que passasse pelo meio das duas fileiras o real e fúnebre acompanhamento. Vinha o cadáver da Rainha em liteira ou andas, a qual cobria um pano de brocado arrastando as pontas até ao chão; precediam grande número de Eclesiásticos a cavalo; seguia-se a liteira ; logo os Bispos do Porto, de Lisboa e Viseu e o Abade de Alcobaça; atrás El-Rei e os Senhores que seguiam a Corte. Finalmemte chegou a Alcobaça por entre tantas línguas de fogo, que assim aplaudiam e davam a palma ao amor e desanimada beleza ainda triunfante depois de morta; e apeando-se os da comitiva à porta do Mosteiro foram pôr o corpo da Rainha na Igreja sem fazerem por então outra coisa. No outro dia oficiou os funerais em Pontifical o Bispo de Viseu; e no fim fez El-Rei descobrir o cadáver acomodando-o como puderam em uma cadeira e trazendo o Abade uma coroa prevenida outra vez deram princípio a nova e celebradíssima cerimónia de beijarem a fria mão de D. Inês como sua Rainha todos os que eram presentes; por remate da acção depositaram o Real cadáver na elegante e soberbíssima sepultura, que o esperava; e nela descança até ao último dia da ressureição universal.



5-A BIBLIOTECA DO MOSTEIRO



A Biblioteca do Mosteiro era famosa não só pela beleza e elegância da sua decoração, de que há ainda vestígios, mas também ou principalmente, e isso é que a tornou relevante, pela riqueza e número de códices e livros impressos que possuía. Como se sabe, a sala onde funcionou, está na parte monumental ocupada actualmente pelo Lar Residencial. Em ligação com a Biblioteca, além de oficinas de encadernação, instalaram os monges cistercienses nos finais do século XVI, uma tipografia onde foram posteriormente impressas obras importantes, como as da historiografia oficial do reino. Na verdade, após Frei Bernardo de Brito, os cronistas de Alcobaça foram nomeados cronistas-mor do reino, elaboraram obra considerável, frequentemente porém sem rigor histórico, para satisfazer alguns imperativos meramente conjunturais.



Segundo M. Vieira Natividade, in Mosteiro de Alcobaça, ao lado da Livraria existiam uns quartos bastante espaçosos que eram destinados a encerrar os livros proibidos, os livros dos grandes pensadores, que só aos monges velhos e de reconhecido fervor religioso era permitido ler, porque, esses por certo se não deixariam arrastar pelas doutrinas dos novos filósofos. Esta afirmação, foi desenvolvida noutro contexto por Umberto Eco em O Nome da Rosa.



6-QUANTOS MONGES HAVIA EM ALCOBAÇA?



A Princesa Rattazi recolheu no seu texto mais uma outra lenda muito divulgada, que ainda hoje se mantém, ou seja, que Alcobaça não podia receber mais que 999 monges e que esse número chegou efectivamente a ser atingido. Ramalho Ortigão, in Farpas, de 1886, referiu que os dormitórios do convento tinham celas para 999 religiosos e a casa dispunha, além disso, de vastos aposentos para hóspedes, quartos para criados, livraria, gabinetes de estudo, cavalariças, adegas enormes, celeiros, boticas, lojas de barbeiro e numerosas oficinas de impressores, de encadernadores, de marceneiros, de carpinteiros, de ferreiros, de escultores, de barristas, de imaginadores, etc., etc..



Segundo Dom Maur Cocheril, in Alcobaça-Abadia Cisterciense de Portugal, o número de monges variou ao longo dos tempos, tendo chegado a atingir uns 150, reduzidos a 110 no século XVII, em 1762 a 139, sendo Alcobaça um dos mosteiros cistercienses masculinos com mais população.



Os monges dormiam vestidos, em leitos modestos, separados entre si por tabiques pouco altos e, portanto, sem privacidade.



7-AS FANTASIAS DA PRINCESA RATTAZI



Como vimos do texto que apresentamos, a Princesa Rattazi não tinha pudor em fantasiar sem limites, nalguns casos por falta de cuidado na recolha das fontes noutros, por puro humorismo ou espírito satírico.



Somos de opinião que a divulgação que o livro teve, foi mais fruto das críticas exaltadas que lhe foram feitas do que pelos méritos que, de facto, não tinha. Todavia, mais de 100 anos após a sua publicação, pareceu-nos interessante apresentar aquele extracto.

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