HISTÓRIAS DA
NOSSA TERRA
(a propósito
da apresentação em 17.11.2012 do meu livro
NO TEMPO DE MATA FRADES, VISCONDE DE SEBRA E OUTROS)
FLeming de OLiveira
Pesei o risco de publicar mais este
trabalho que me deu enorme prazer e aqui o estou com a Drª Ana Margarida a
apresentar ao público de Alcobaça que, como se sabe, é a minha terra de adoção.
Muitos professores de
História das nossas escolas, e Alcobaça não é exceção, deparam-se com a
realidade, triste digo eu, de grande parte dos alunos não conhecer a história
de sua comunidade (paradoxalmente, ao que sei, nem alguns deles professores),
prendendo-se apenas à História nacional, desvinculada da realidade e do seu
contexto histórico local. Esta situação acarreta o desinteresse dos alunos pela
História que não consideram importante, justamente pelo facto deles não se
sentirem inseridos na História ou no processo onde essa História se escreve.
É nesta
perspectiva que gostaria de ver a Escola como um centro recriador da memória e
da cultura locais, como parte do desafio de a projetar como
um espaço de preservação e socialização de marcas culturais e a prática
educativa, enfim, como um espaço plural de memória e narração. Significaria isto
dar consistência a uma prática educativa que, ao procurar articular saberes
vividos e praticados com o conhecimento escolar, com a memória e com a história
locais, buscaria reinventar a Escola como um
espaço de sociabilidade e de práticas culturais diversas.
Admito que
isto, numa perspectiva superior, seja
menos viável, se não mesmo algo utópico ou estar a meter foice em seara alheia.
De facto não sou um profissional da educação.
Resgatar
memórias e narrativas no curriculum escolar, é desenvolver a possibilidade de recriar,
através da prática educativa, a história local a partir do lugar onde se está.
Resgatar a
memória coletiva de uma comunidade local, é revelar o conjunto das redes de
saberes e de vida que dão sentido às ações quotidianas, compartilhando-as coletivamente,
através de um processo educativo que tem como ponto de partida e como ponto de
chegada, a reinvenção da Escola local como um lugar apto a acolher o passado e
a criar o futuro.
Resgatar
acontecimentos e processos vividos, narrar experiências, compartilhar memórias
e saberes, é resignificar a prática educativa como um espaço-tempo de
autoconhecimento e a Escola como um espaço de conscientização política e
cultural.
A Natureza é, talvez, a componente mais original do
ambiente. Neste sentido, faz parte integrante da cultura, expressa sob forma de paisagem. Ora, como se sabe, esta
Natureza, estas paisagens são... cultivadas. E o futuro das paisagens que nos
são familiares, está ligado à manutenção do espírito dos que as construiram ao
longo dos anos, mesmo séculos, tão antigo que ultrapassa a memória de alguém. É
demasiado limitado dizer que não nos preocupamos o suficiente, localmente, com a
cultura que nos oferece a Natureza. A educação escolar poderá aí encontrar novos
recursos pois aprendemos mais coisas nos
bosques do que nos livros, como dizia S. Bernardo de Claraval.
Esta minha intervenção, que
dedico tal como este livro de História à minha Mulher, professora embora de
outra área, mas interessada nesta problemática, onde não se tem exprimido por
um certo dever de reserva, tem por objetivo produzir algumas descomprometidas considerações
(eu não dependo de ninguém) sobre a importância de se trabalhar com a memória
local no ensino de história pois, como referi, entendo que os alunos, que não
constroiem relações com a História, nunca se consideram parte dela.
A destruição
dos mecanismos sociais que vinculam a nossa experiência à das gerações
passadas, é um dos fenómenos que se tem vindo a gradualmente a acentuar. Muitos
dos nossos jovens crescem sem uma relação orgânica com o passado da época que
vivem. Por isso, os historiadores,ainda que locais cujo ofício é recordar o que
os outros esquecem, tornam-se assim mais importantes.
Entendo não ser a História local
um ramo menor, pelo que não, não posso falar de História nacional ou universal,
sem História local. Entendo que é a partir da História Local que se chega à
História Universal. De resto, e num outro contexto, já o havia salientado
Miguel Torga: O local é o universal sem
paredes; (...) quanto mais local, mais universal.
Num tempo veloz e fugaz, em
que o isolamento e o silenciamento das experiências, nos levam a perder a
memória coletiva (sem memória coletiva um povo é alienado), rememorar e
compartilhar memórias é uma ação que adquire como que um caráter de resistência
(passe o sentido mais forte desta expressão), a memória compartilhada é uma
forma de não sucumbir ao esquecimento que o ritmo acelerado do tempo impõe. Nenhum país, nenhuma comunidade, ninguém,
pode viver sem memória, pois esta é que confere coesão.
Nos seus trabalhos de
investigação, os historiadores ditos locais, falam do passado, refletem o
presente e perspetivam o futuro das suas freguesias, vilas ou cidades. E
gostam, como eu, de documentar os livros com abundantes gravuras e registos
fotográficos, demonstrando uma especial interesse para a efeméride. Em livros, que muitas vezes trazem
a chancela autárquica (felizmente ainda vai sendo esta uma preocupação do Poder
Local), evocam eventos, as festas religiosas e profanas, os usos e os costumes mais
ou mesmo ancestrais da sua terra. Falam, com fé e amor, do seu povo, cuja
História analisam de forma, muitas vezes e, ainda bem, apaixonadamente.
Face à diversidade dos temas possíveis de abordar, em
consonância com a trajectória da vida das comunidades, a investigação não é
linear, exigindo que se percorram os locais onde a memória da presença humana
se encontra preservada. Assim o fiz e, dentro do possível, vou continuar a fazer.
Não sou, nunca serei, nem pretendo ser um Historiador,
ainda que local. Sou, quando muito, um simples contador de histórias e assim,
sem presunção, entendo e enquadro os trabalhos que publiquei. Na minha vida
profissional, creio ter-me orientado, em provas dignas de credibilidade, sem
prejuizo do direito de escolher ou selecionar os fatos e examiná-los com o
rigor necessário. Os alcobacenses comigo vão revivendo a história da terra,
descobrindo pormenores (nada menores, por sinal l!!!) da vida de pessoas de
quem se fala, que conhecem ou não pessoalmente ou ainda de factos que viveram
ou não.
Uma história de acontecimentos, de datas e de pessoas ilustres de não nos serve por si só, se
não obtivermos a explicação e o entendimento necessário para percebermos quais as
consequências que tiveram, directa ou indirectamente, na vida política e social
da comunidade. Não alinho na teoria que busca contar a História, fundamentalmente, a partir da ação e do impacto dos chamados Grandes
Homens, indivíduos muito influentes, graças ao carisma, inteligência ou
impacto político-social. Pelo contrário,
defendo a teoria que propõe que os eventos acontecem numa dada circunstância
de tempo, ou quando uma imensa quantidade de pequenos eventos causam certos
desenrolamentos. Embora seja bastante popular a crença em que a história gira
em torno de Grandes Homens,
especialmente quando a sua grandeza é
determinada primariamente por status
político, essa é uma visão restritiva, que exclui a participação de grupos
inteiros, entre os quais o operariado, as minorias étnicas ou culturais, e mesmo as
mulheres, enquanto género.
Qualquer reconstrução do passado em que participei ou
investiguei, sempre dependeu de um conjunto de escolhas que tive de fazer,
envolvendo a própria natureza do trabalho a ser realizado, e a seleção das fontes que interessam para verificar uma
prova alegadamente fidedigna. Estou habituado, a trabalhar para o tempo que corre, e não para a
eternidade. Por isso, também não tenho a pretensão de fixar verdades absolutas,
interpretações eternas, pois a História será sempre reescrita, em face do
contexto do momento e, porque calculo que os Historiadores, aqueles que
acreditam que fazem ciência, escrevem para o desenvolvimento do conhecimento
coletivo e admitem que a História seja mal
tratada (por si e por outrém).
Este último ano, serviu-me bem para aprofundar conhecimentos
sobre alguns acontecimentos da história da nossa terra, da nossa gente, descobrir personalidades e episódios. Devo algumas
atenções ao Dr. Rasquilho. Foi um ano de troca de ideias e saberes, no qual
conheci pessoas, com as quais debati temas da História e do Património de
Alcobaça.
Um dos momentos que mais me
marcaram, foi quando me disseram (seguramente muito benévola e exageradamente)
que a minha escrita dava vontade de ler, para explorar depois a nossa História.
É bom sabermos (repito mesmo descontando o exagero) que inculcamos o bichinho da curiosidade e gosto
históricos. Só por isso, este ano valeu a pena.
Num momento de viragem, é
tempo de olharmos para a nossa Cultura, Arte, Património e História com olhos de ver, apreciar e defender o que
é nosso, dinamizando valores. Uma terra, como Alcobaça, tão rica em História e
em momentos decisivos do percurso do País, não pode deixar desaparecer os
vestígios do passado. Não o digo para vivermos no passado, claro que não, outrossim
que temos de preservar a História e trilhar um futuro, assumidamente com
convicção.
É o momento de apostarmos
nas nossas riquezas e divulgá-las, com o ensino da História Local na Escola
(será mesmo uma utopia neste tempo de crise económico-financeira?), aproximando
os jovens do que é seu. Além disso, os nossos governantes, nomeadamente autárquicos,
têm o dever de defender o que é nosso, não deixando ao abandono o Património.
Como se sabe o património é ao mesmo tempo material e imaterial.
Material, pensa-se imediatamente no património construído. Imaterial,
associa-se às tradições orais, aos saberes e ao saber fazer. Se a generalidade
concorda em considerar que o património deve ser preservado como primeira condição
da acção cultural, a questão da valorização comercial do património e da sua
relação com o desenvolvimento económico, suscita reações diversas, se não
opostas. O restauro de uma peça de arte, de uma pequena igreja, a renovação de
uma praça, só farão real sentido se provocarem um afluxo turístico, ou podem
ser realizados para o simples prazer, para a cultura e fruição dos residentes?
Uma das componentes principais da cultura é o quotidiano, que é para muitos é fundamentalmente
o ambiente arquitetónico. Todavia, a qualidade estética deste ambiente, eleva o
nível cultural dos residentes.
A política cultural dos poderes públicos, autárquicos
incluidos, justifica-se, frequentemente, pela ajuda que confere ao desenvolvimento.
Daqui surge uma manifesta ambiguidade pois não é tanto a elevação do nível
cultural que se procura com o estímulo da actividade económica para se concluir
rapidamente que o desenvolvimento
cultural não é um luxo sem o qual se pode passar, mas um motor do
desenvolvimento económico e social. Todavia, a responsabilidade dos
decisores no estabelecimento dos programas conduz, ou deveria conduzí-los, a
uma reflexão quanto ao equilíbrio a obter entre a satisfação das necessidades
culturais e das económicas. É verdade que a simbiose entre cultura e economia
passa muitas vezes pelo turismo, mas nada impede aos promotores de acções
culturais conciliar a necessidade de atrair um público exterior e a vontade de
satisfazer as aspirações do público local.
Continuarei no meu combate pela divulgação da nossa História,
porventura quixotescamente ou sem resultados palpáveis, mas com a certeza maior
de ser importante não esquecer, nem apagar o passado, pois ele faz parte da
memória do nosso povo, da nossa terra e das nossas raízes pessoais.
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