UM CONCEITO
DE FAMÍLIA
E CRIANÇAS
COM PROBLEMAS
FLeming de OLiveira
Em casa dos meus Pais (onde ainda
havia oito filhos!!!), as Regras da Casa/
Família eram expressas, definidas e respeitadas por todos os elementos, os
papéis estavam definidos. A Família ao longo dos anos (mais de cinquenta já
passaram) organizou-se em função desses papéis, onde cada um sabia distinguir o
permitido do proibido, esperando pelas recompensas e acatando os castigos de
uma forma consistente, adaptados à idade. Quando me refiro a recompensas, não
estou a pensar propriamente nas puramente materiais, mas a estímulos benévolos
e positivos. Nem quanto a castigos, ao quarto
escuro.
Há uns anos, apenas para consumo familiar, escrevi um
livrinho sobre AS REGRAS DA (nossa) CASA.
Pois claro, bem recordo, tínhamos problemas. Todas as
famílias têm problemas, e a nossa não era exceção, mas havia uma maneira muito
própria de lidar com eles, preferencialmente discutidos à mesa, sentimentos
expressos sem os tabús que envenenam as relações. A minha Família era muito
tradicional, inserida numa boa
burguesia urbana portuense, onde os meus Pais concebiam uma educação que por
vezes se poderia qualificar de negociável, o que me permite concluir (desculpem
se exagero !!!) que ali não havia vitórias, nem derrotas, o que não sei bem com
isso acontecia.
Mas para nós filhos, havia uma coisa absolutamente
inquestionável, o poder estava do lado dos Pais, embora pudesse ser
pontualmente negociado, mas a última palavra era destes, sem dúvida.
Posso-me gabar (desculpem se exagero outra vez…) que
em Casa, a resposta às exigências internas e externas da mudança do tempo
(educar oito filhos!!!, implica devoção e demora muito tempo), não seguiu um
padrão standart, rígido, sem
possibilidade de alternativa, o que a assim ser implicaria um bloqueio no
processo de comunicação familiar.
As disfunções de relacionamento e de
papéis dentro das famílias podem afetar os seus membros, seja a título
individual, como familiar, constatação que não sendo original nem por isso é
fácil de ultrapassar.
As famílias doentes,
por vezes elegem um dos membros para representar
a doença da família. É o caso que muitas vezes ocorre em famílias
psicotizantes onde os pais, possuem o poder de preverter um filho no quadro de
uma patologia maníaco-depressiva. Este, por sua vez, torna-se o membro
inconscientemente doente da família, aceitando a carga de dificuldades para si,
encarnando um bode expiatório, que
assume e representa a doença da casa, permitindo aos demais verem-se livres dos
seus próprios conflitos e dificuldades. A família sente-se, aliviada, saudável, enquanto possui um membro
doente.
A minha experiência profissional e de vida em
sociedade (já com alguns anos, que as cãs não escondem), permite-me revelar que
tanto nas famílias funcionais como disfuncionais, existem cumulativamente
filhos não sadios e empreendedores. Nas famílias disfuncionais, os pais negam os
problemas, fazem os filhos guardar segredos, como o alcoolismo, violência ou
resultados menos conseguidos. E afastam os filhos das relações fora do círculo
familiar.
Hoje em dia suponho saber identificar, sem grande
margem de erro, casos de família disfuncional. Às vezes, saltam das páginas de
jornal ou dos telejornais que relatam crimes tão hediondos como pais que matam
filhos. Não que o distúrbio justifique o crime, mas a cada acontecimento novo,
interrogo-me se alguns desses dramas poderiam ter sido evitados caso as pessoas
tivessem recebido adequada ajuda psicológica.
Bem sei que o desenvolvimento humano não tem fórmulas
exatas ou lineares. Filhos de famílias disfuncionais podem desenvolver-se de
forma ajustada e estabelecer relacionamentos saudáveis. Assim como filhos de
famílias sem grandes conflitos podem desenvolver transtornos de conduta. Vários
fatores concorrem para a origem dos transtornos psicológicos, como as
características individuais, incluindo as genéticas, e influências ambientais
As crianças vulgarmente chamadas de problemáticas, que apresentam problemas através de comportamentos
inadequados, não nasceram, obviamente, com problemas. Muitas vezes, eles são
fruto de uma postura paternal, conotada com vidas complicadas, inseridas num
mundo difícil. As regras da educação familiar são e serão sempre
fundamentais, porque a criança vive num mundo ainda não estruturado, pelo que a
responsabilidade educativa dos pais (primeiro que a Escola, que os não pode
substituir, ficando esta responsável por acrescentar outros valores) é
inalienável. A firmeza, a coerência, o amor, a consistência nas ações têm de ser
pontuais e dão sustentação ao encaminhamento de limites. Sei bem que ninguém é
educado de uma hora para outra, pelo que a formação é um processo contínuo e
alguns requisitos como a paciência, a troca, o carinho, a atenção terão de
estar sempre presentes.
Muitos dos problemas das
crianças problemáticas estão, pois,
relacionados com os pais.
O importante
na relação com a criança (ou adolescente) é respeitá-la e fazer-se respeitar, ouvir
e ensiná-la a ouvir os outros. Mas, claro, não só.
Partilhar
experiências, criar cumplicidades, trocar conhecimentos, dar parâmetros para
que se sintam seguros. Permitir, embora sem ser permissivo!!!
A rejeição paternal é um dos grandes e graves problemas,
especialmente em casais em que ambos trabalham e se encontram absorvidos com a
carreira ou estão separados. É uma situação que se agrava quando não existem
avós por perto para cuidar das crianças que anseiam pelo amor de pais, incapazes
de darem amor e afeto em dose suficiente.
Por outro lado, a super proteção
que os pais
tentam dar aos filhos, impede-os de se adaptarem e prepararem para a vida, o
meio envolvente. Crianças super protegidas procuram sempre a ajuda dos pais e a
sua mente está programada para que
acreditem que irão cuidar delas para sempre, bem como dos seus problemas.
Desde
sempre, entendi imprópria a pressão dos pais quando pretendem, necessitam,
inconfessadamente que os filhos atinjam um objetivo que eles não conseguiram no
seu tempo ou iguais aos seus, que alegadamente reputam como os melhores. Quando
os pais decidem que o filho seja o melhor da escola, um industrial de sucesso
ou mesmo um doutor, poderão estar a arruinar a capacidade de o ser e a
incutir-lhe um sentimento de culpa.
No meio
disto tudo, a disciplina não pode ser inexistente, nem demasiado severa, mas
simpática ao invés de agressiva. Pouca disciplina acarreta uma criança
agressiva e pouco social, muita rigor resulta em medo, com crianças eventualmente
a rejeitarem os pais, e formarem-se com um caráter pouco social.
Creio ser
pacífico, afirmar que os pais, hoje como sempre, são os primeiros referenciais
de qualquer criança. Se os pais tiverem mérito, boas qualidades, será natural
que as crianças os sigam nesses predicados. Mas, se pelo contrário, os pais forem
disfuncionais nos seus problemas emocionais, podem afetar uma criança muito
facilmente, nomeadamente nela gerar um modelo negativo. Os filhos preferem não
ser como os pais, seguir as suas pegadas, o que por si não é necessariamente
mau, mas ao mesmo tempo os pais também falharam com os filhos como bom modelo
de pais.
Crianças com
comportamentos problemáticos como refilar,
violentos como morder, exigir, ataques de raiva, etc., podem tornar-se
incómodas, porém, os pais devem ser pacientes o suficiente para lhes ensinar
contra este tipo de comportamento.
Se a criança
é desobediente, será preciso entender o contexto e não a reação pontual,
fragmentada.
Se pedagogo
fosse a minha profissão, talvez pudesse referir e aconselhar que este é um
trabalho árduo, que leva anos e acarreta muito envolvimento. Todavia, arrisco e
deixo o meu depoimento. Só as deixando falar, dando vez e voz, eu poderia entender e atuar em parceria com as famílias,
buscando formas mais assertivas de resgatar
aquelas crianças.
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