A EUTANÁSIA EM DEBATE
(PRÓS E CONTRAS)
FLeming de OLiveira
-A AR tendo agendado para o dia 29 de maio de
2018, o debate e a votação na generalidade das iniciativas legislativas do PS,
do BE e do PAN, sobre a legalização da eutanásia, entendo que ninguém deve ficar alheio ao tema.
Assim, preparei este texto para os leitores de o Região de Cister, que
apreciaria que fosse base para promover um debate neste jornal, durante o qual
se tentaria colher uma ideia do que entendem os leitores e os alcobacenses em
geral.
-Independentemente
da forma como é praticada, legalizada ou não, a eutanásia constitui matéria controversa,
“fraturante” como se costuma dizer, existindo
sempre irremediável e insanavelmente prós e contras, ainda que mutáveis com o
tempo e a evolução da sociedade.
É recorrente denominar de fraturantes
temas que suscitam grande polémica, questionam atitudes e comportamentos ou põem
em causa valores tidos como indiscutíveis para amplos sectores da opinião
pública e da sociedade. Também é recorrente serem controversos entre partidos
políticos, organizações sociais, países e mesmo religiões. E porque atravessam
partidos e grupos, da esquerda à direita, novos e menos novos, suscitam muitas
vezes a necessidade de referendo, no pressuposto de que os programas eleitorais
partidários, são comedidos pelo melindre dos temas, não suficientemente
explícitos e os eleitores, quando votam, não os têm em conta. Alegando que temas,
como por exemplo o aborto ou a eutanásia, são questões de pura consciência,
tentam retirá-los da alçada dos políticos e entendem que é o povo que deve
pronunciar-se sobre a opção legislativa.
Conheço um deputado
(aliás do PSD), que entende, ao ser chamado a votar uma
lei desta delicadeza e complexidade, jurídica, ética e moral, não se sentir
para tal mandatado. E acrescenta que o PSD (CDS pediu
e os restantes partidos aceitaram que a votação sobre a legalização da eutanásia seja feita um a um. Todos os
deputados contam), não sufragou o tema nas últimas eleições legislativas, tal
como os restantes partidos, e que a eutanásia não é matéria de consciência
individual. Sendo assim, um tema fraturante quanto este deveria ser decidido
num referendo nacional.
Errado!,
entendo eu, embora sem uma convicção muito forte.
-Com
referendo ou não, ao abordar a questão da eutanásia não posso esquecer a
consciência de cada um, alicerçada no conhecimento disponível à luz da
liberdade de decisão pessoal, com o apoio da orientação de quem honestamente
esteja capacitado para uma orientação.
Sabendo-se que a nossa sociedade está
fraturada/dividida, cabe ao poder político o dever de legislar sobre a
temática, tendo em conta o conhecimento científico disponível e a
disponibilizar as diversas dimensões ético-políticas. Compete ao Estado,
através dos seus órgãos de poder e de administração, organizar o acompanhamento
pedagógico para que os portugueses (ainda que
através dos seus deputados),
decidam com toda a liberdade a lucidez possível.
Certo!, entendo
eu, embora sem uma convicção muito forte, podendo assim ser-me imputada mais
uma das minhas contradições.
-A eutanásia
consiste afinal em quê? No ato de facultar a morte sem sofrimento a um indivíduo
cujo estado de doença é incurável, normalmente associado a um imenso sofrimento
físico e psíquico."Eutanásia ativa"
como um conjunto de ações que têm por objetivo pôr termo à vida, acertadas entre o doente e o profissional que vai
realizar o ato.
"Eutanásia passiva" não provocando
deliberadamente a morte, conjuntamente com a interrupção dos cuidados médicos,
farmacológicos ou outros, leva o doente a falecer.
"Suicídio assistido", ocorre quando o
doente provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da ajuda de terceiros.
Em Portugal, a “eutanásia ativa” é considerada crime,
previsto no Código Penal, embora configurável ou como homicídio privilegiado,
ou como homicídio a pedido da vítima.
No primeiro caso,
que tem por fundamento a diminuição sensível da culpa do agente, a pena da
prisão é reduzida, quando comparada com a que se aplica ao homicídio simples,
se ocorrer um dos motivos determinantes do autor nele previstos, alguns dos
quais consistem em aquele ter sido dominado, ao cometer a conduta, por “compaixão, desespero ou motivo de relevante
valor social ou moral”.
No segundo caso, que
constitui um tipo específico de homicídio com uma atenuação ainda maior da pena
abstrata aplicável, o agente é “determinado
por pedido sério, instante e expresso” da vítima. Considera-se que neste
caso a culpa é diminuta, justificando a benevolência do legislador.
Entendo a nossa lei (por enquanto…) como equilibrada, porque se o suicídio é algo que não é
punido em si, embora seja um mal pelo que quem ajuda a cometê-lo pratica um
crime. Admito, todavia, como altamente improvável que, à luz deste quadro
legislativo, alguém que levasse um amigo ou familiar a uma clínica na Suíça,
onde se pratica legalmente suicídio assistido,
pudesse ser acusado e punido quando regressasse a Portugal, porque levar alguém
em viagem não é uma causa de morte.
Não tendo Portugal
descriminalizado a prática da eutanásia e do suicídio assistido, admite todavia
o “testamento vital”, que consiste na
formulação em vida de um “documento
unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma
pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por
anomalia psíquica, manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e
esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não
deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de
expressar a sua vontade pessoal e autonomamente”.
-O tema não é novo, nem os argumentos jamais serão
decisivos.
Quem argumenta a “favor da eutanásia”, parte do princípio da
autonomia (absoluta) da pessoa, na alegação do direito à autodeterminação,
direito à escolha pela sua vida e pelo momento da morte. Uma defesa que assume
o interesse individual acima do da sociedade que, nas suas leis e códigos, visa
proteger a vida.
A eutanásia não
defende a morte, outrossim uma escolha refletida (obviamente sem possibilidade de arrependimento) por parte de quem a concebe como melhor ou a única
opção.
A dor, sofrimento e
o esgotamento do projeto de vida, são situações que podem levar as pessoas a
desistirem de viver e conduzem-nas a pedir o alívio da dor, a dignidade e
piedade no morrer, porque não reconhecem qualidade na sua vida.
Muitos são também os
argumentos (embora também não
decisivos) “contra a eutanásia”, desde os
religiosos, éticos, os políticos e sociais. Do ponto de vista religioso, a
eutanásia é uma usurpação do direito à vida humana, um exclusivo reservado a
Deus o único que concede e pode tirar a vida.
Na perspectiva da
ética médica, tendo em conta
o “Juramento de Hipócrates”,
segundo o qual se considera a vida como um dom sagrado, sobre a qual o médico
não pode ser juiz, a eutanásia é considerada homicídio. Cabe pois ao
médico, cumprindo o “Juramento”,
assistir o paciente, fornecendo-lhe os meios necessários à sua subsistência.
-A eutanásia, um assunto que desde sempre tem sido
discutido, afinal foi utilizada por povos primitivos, segundo alguns autores. No
século XX na Europa (na Alemanha Nazi com
grande impacto), usou-se este
procedimento para eugenia, eliminando os que para a sociedade não seriam “prósperos ou úteis”.
Nem sempre um ser
humano com uma determinada patologia grave quer morrer. Muitas vezes acontece o
contrário, tenta lutar contra a Morte, aceita ficar diminuído desde que
sobreviva, e aceita sobreviver mesmo que saiba ou sinta que a doença o levará
um dia, não muito distante.
Contrariando a tendência de luta a todo o custo, em
alguns casos surgem doentes que realmente estão cansados de viver, que não
aguentam mais sentirem-se "um fardo",
ou sozinhos, apenas acompanhados por um enorme sofrimento de ordem física,
psíquica ou social.
Admito mesmo que um
ser humano, ainda que a sofrer profundamente, se bem tratado, não peça a
Eutanásia. Hoje em dia podem ser administrados analgésicos e outros fármacos
que minimizam o sofrimento e efeitos da doença bem como intervenções técnicas,
a uma pessoa em estado terminal.
-Talvez seja esta a esta altura para pensar que um dia
podemos ser nós, um familiar ou um amigo próximo, a estar numa situação em que
"não há mais nada a fazer".
Pessoas que se
encontram nesta fase, sentem-se um peso pela doença e a necessidade de cuidados
e pela preocupação e o cansaço estampados nos rostos daqueles que amam e
estavam habituados a ver sorridentes.
Num país como Portugal, em que a morte tem perdido visibilidade, é excluída de
práticas ancestrais, os familiares são afastados, as crianças não sabem o que
é, os processos de luto são cada vez
menos vividos e morre-se mais nos hospitais, no lar ou em casa dependente nos
cuidados.
Porquê? Uns por
opção e altruísmo, pelo manter do seu papel e estatuto social, como opção lúcida
e reconhecida, outros por medo, por a família não aceitar ou não querer
vivenciar essa última fase em que culmina a vida.
Num país em que
esperança média de vida aumenta, em que a todo o momento se vende
o light e o saudável, contrasta a realidade dos acidentes vasculares cerebrais como primeira causa de morte e as doenças de foro oncológico como segunda.
Salvar, fazer uso dos meios, do conhecimento, dos dadores, de todos os recursos
para salvar é lógico.
No entanto, os
cuidados paliativos que visam a melhor qualidade de vida possível para
o doente e para a família, pode ou não equivaler a definição de qualidade
desses intervenientes, o que pode levantar dúvidas, despoletar as habituais
polémicas associadas ao debate do tema. Quando se fala neste, as opiniões
divergem, o debate acende-se e os extremos refutam com prós e contras.
Perante o tabu da morte e o afastamento da família como um elemento
cuidador, existem inúmeros contextos e particularidades. A eutanásia continuará
a suscitar grande controvérsia na sociedade, alinhando-se argumentos
entre os que defendem a legalização e os que a condenam. Posto isto, entendo
que há necessidade de fazer corresponder a moral à prática concreta da pessoa
enquanto membro de uma sociedade e nos tempos que correm, com condicionalismos
diversos e específicos, e refletir sobre essas práticas.
Afinal, e estamos
todos de acordo, a vida humana é direito em qualquer sociedade.
Marcelo Rebelo de Sousa, reiterou que só se pronunciará
sobre a eutanásia no fim dos trabalhos parlamentares.
-Ao ser
confrontado com as declarações recentes do vice-presidente da Conferência
Episcopal, Marcelo Rebelo de Sousa adiantou que “agora, neste momento, é o tempo de o parlamento se pronunciar, o
parlamento irá pronunciar-se no dia 29 na generalidade e, depois, haverá,
naturalmente, o processo próprio e eu esperarei. Quando me chegar às mãos
qualquer diploma para eventual promulgação, veremos se chega ou não, eu aí
pronunciar-me-ei”.
À pergunta se considera que a sociedade portuguesa já
fez o debate pedido pela Igreja Católica, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: “Porque estamos ainda num momento em que ocorre
a discussão parlamentar, e vai ocorrer, como sabem no parlamento é uma
discussão que envolve primeiro a generalidade, depois a especialidade e, se for
caso disso, uma votação final global, vamos esperar serenamente”.
Aprecio de há muito o Professor MRS a sua postura e
argumentos, mas não creio como entende a Conferência Episcopal que depois de
muitas horas de debate parlamentar, com os conhecidos/estafados argumentos a
favor e contra, os que não conseguirem fazer vingar a sua opinião, ficam
minimamente satisfeitos ou convencidos.
Eu não ficaria.
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