quarta-feira, 2 de maio de 2018

RECORDANDO JoSÉ BARBARA, MOTOCICLISTA NA I GUERRA MUNDIAL E OUTROS MOTOCICLISTAS ALCOBACENSES, COMO “CHICO” PÁSCOA


RECORDANDO JoSÉ BARBARA,
MOTOCICLISTA NA I GUERRA MUNDIAL
E
OUTROS MOTOCICLISTAS ALCOBACENSES,
COMO “CHICO” PÁSCOA
(I)

JOSÉ BARBARA

Com a I Guerra, as forças armadas de vários países usaram em grande escala motocicletas com ou sem sidecar. Apesar de muito do conflito ter decorrido nas trincheiras, concretamente na frente ocidental, foram elas peça importante no arsenal aliado, especialmente utilizadas por unidades de infantaria que transportavam equipes de artilharia (pessoal e armamento) até uma posição mais estratégica. Equipes médicas utilizaram motocicletas de sidecar equipadas com uma maca, tanto para evacuar feridos, como para levar suprimentos.
As motocicletas, em geral foram usadas em missões de reconhecimento e patrulhas de segurança, mas entre essas funções, se não a mais valiosa, foi a entrega pessoal de mensagens. Mensageiros em motos passavam, com enorme risco por zonas de fogo, por cima de crateras, detritos e cadáveres, para levar a cabo a respetiva missão. A manutenção das motocicletas era, todavia, importante na guerra de trincheiras, pouco dinâmica, com poucos transportes de tropas em camião, e com muitas mensagens trocadas por via de estafetas montados em veículos de duas rodas.
A motocicleta começou a ser produzida com motor a vapor, antes de passar ao de gasolina. Essa mudança, mais que uma alteração técnica, permitiu acima de tudo uma abertura à produção em massa, nomeadamente para fins militares.  
A origem do sidecar, aquele carrinho lateral para se levar passageiro, surgiu junto com a própria motocicleta. A criação é do fim do século XIX, quando foi inventado para acoplamento à bicicleta como uma forma de levar passageiro (geralmente criança) com maior conforto e segurança. Os sidecars eram geralmente fabricados por empresas independentes das de motos, mas exceções houve como a Harley-Davidson, que os produziu para o exército da I Guerra Mundial, juntando a agilidade da moto à possibilidade de carregar arma e atirador ao lado. A popularidade do sidecar nos Estados Unidos diminuiu, porem, nos anos seguintes, fruto do desenvolvimento do automóvel, mas prosseguiu firme na Europa e teve papel importante nas tropas alemãs, russas e inglesas durante a II Guerra Mundial.
A utilização de motos em termos militares havia começado em 1910, quando os Estados Unidos utilizaram algumas Harley-Davidson no conflito com os mexicanos (1).
As motocicletas não tiveram papel determinante nas guerras, mas beneficiaram da tecnologia imposta por estas. A agilidade era fundamental para enviar mensagens ou reconhecer o campo inimigo.
A sua necessidade para fins militares veio a ter grande repercussão na produção mundial. Só os EUA produziam mais de 80 mil, entre elas 50.000 Indians e 20.000 Harley-Davidson/H-D, conforme vim a apurar. No apogeu da I Guerra, um terço de todas as máquinas dessa marca auxiliaram os soldados em combates, aumentando a facilidade e agilidade de locomoção e minimizando esforços.
Portugal teve também um corpo de motociclistas, como vemos no artigo de JERO, no Região de Cister (13 de abril de 2018) e republicado no meu blog (flemingdeoliveira.blogspot.com).
Em Portugal havia poucas motos na posse de particulares. Tenho a ideia de ver abandonada e coberta de teias de aranha a um canto de uma arrecadação em casa de um primo de Matozinhos, uma moto cuja marca não recordo (talvez Triumph), que se dizia ter sido adquirida ao Estado Português depois da I Guerra, quando foram vendidas as desnecessárias. Este primo, terá utilizado a moto militar em trabalho e lazer, que modificou de acordo com a orientação de um mecânico luso-britânico que vivia no Porto e esteve na Guerra. Gabava-se de conduzir bem, normalmente com velocidade, o que não impediu alguns acidentes e a perda de dois dentes, que o desfeavam, mas que nunca quis substituir por dentes de oiro, como se usava e a família aconselhava.
O “manecas”, excelente jogador de hóquei em campo no Leixões (chegou a ser chamado à seleção nacional) e bom bebedor de tinto (tanto agarrava uma mulher pela cintura, como uma garrafa pelo gargalo) gabava-se com fortes gargalhadas de, em novo, “fazer figura” junto do pessoal feminino. Os amigos, apreciavam menos essas façanhas, seguramente com pena de o não acompanharem.
Na II Guerra, os alemães usaram a moto com sidecar em reconhecimentos motorizados, ligação e comunicação entre tropas subordinadas a Divisão Panzer, o que ficou como uma “imagem de marca”.
Terminada a Guerra, a Harley-Davidson ganhou uma utilização mais ampla, e consagrou-se como um grande símbolo do sonho americano e, ainda hoje, é reconhecida como uma das maiores marcas americanas. A cultura de motociclismo, como conhecemos hoje, deve muito às motos militares. A atuação das motocicletas, principalmente nas guerras mundiais, deixou legado. Mas qual foi exatamente o papel que elas desempenharam nas forças armadas?
Roger Barbara 
As imagens mais icónicas de motos de guerra são da II Guerra Mundial. Em termos de cinema e motos, duas das minhas cenas de perseguição favoritas, aconteceram em “Fugindo do Inferno” e “Indiana Jones e a Última Cruzada”.
Roger Barbara era cidadão francês (entretanto faleceu), e seu pai o alcobacense José Barbara, foi um dos milhares de portugueses enviados para França para participar na I Guerra Mundial (2).
Roger Barbara em entrevista à RTP (3) contou que seu pai, nascido em Alcobaça em 1895 (era assim que constava do Bilhete de Identidade), aprendiz numa oficina com 14 ou 15 anos, veio para França como os demais soldados portugueses.
Motociclo utilizado na I Guerra Mundial
Desembarcou em Cherbourg e chegou a Blessy. Mas era mecânico. O meu pai dizia sempre: “Eu nem sequer sei o que é uma espingarda”. Ele nunca tinha tocado numa espingarda, imagine! Ele estava numa oficina em Blessy, estavam lá dois mecânicos, e eles ainda lá ficaram cerca de dois anos”. (…) “Depois de Cherbourg, como veio para Blessy e era mecânico, cada um deles tinha uma moto para irem arranjar veículos. Como ao meu pai não lhe agradava o guiador, cortaram o guiador, e o colega dele fez o mesmo com a sua moto. O estribo não lhe agradava, então eles acabaram por transformar um pouco a mota. Quando finalmente se aperceberam de que tinham destruído material que pertencia ao exército, talvez o meu pai exagerasse a contar isto, meteram-nos na prisão. Mas, contou-me ele, só lá ficaram uma hora porque havia material para reparar e então foram logo libertados. Esta é história que posso contar, e que me lembro de ele me contar frequentemente” (4).
Pois “li numa revista que os mecânicos do exército português eram os “queridos” do exército, também ouviu falar nisso? Que os mecânicos eram os “queridos” do exército. É verdade que nessa época não havia muitos mecânicos, de qualquer forma. Enfim, é assim
José Barbara, ainda e sempre conforme o filho Roger, era encantador, sorridente, e de palavra amável.
Ainda me lembro de pessoas dizerem “nós gostávamos muito do senhor Barbara”. E depois também gostavam muito do sotaque dele”.
-Tinha amigos portugueses que ficaram em França?
Sim, muitos. Eu era garoto e todos os domingos íamos ver um, no domingo seguinte íamos ver outro. Ele tinha muitos amigos. Eles falavam português e também francês porque respeitavam a minha mãe, que não compreendia nada do que eles contavam em português. Havia portugueses que tinham motas e que iam fazer passeios. Havia um de Lille, chamava-se Figueiredo, Manuel de Figueiredo. Até tenho uma fotografia dele e tudo”. (…) “Ele (o pai José) nunca quis naturalizar-se, sempre disse que era o que lhe restava do seu país, e isso fez com que fosse todos os anos obrigado a ir a Bolonha para tratar do seu contrato de trabalho. Tudo isto lhe causou muita chatice. A minha mãe era portuguesa. Como ele não mudou a nacionalidade, ela tornou-se portuguesa, portanto ela tinha um bilhete de identidade como o meu pai”.
-A mulher de José Barbara era francesa, mas por ter casado com um português, tornou-se portuguesa.
Foi como eu, quando fiz 20 anos, na idade do serviço militar, sempre me disseram que podia optar pela nacionalidade portuguesa ou francesa”. (…) “A minha mãe vivia na aldeia, ela aceitava tudo o que o meu pai lhe dizia, disso estou certo. E o meu pai disse-lhe que era necessário tomar essa opção. E depois havia os sogros dele, o pai da minha mãe e a mãe da minha mãe, que no fundo estavam felizes porque o meu pai sempre tratou a minha avó pelo seu nome. Chamava-se Angèle, e ela gostava muito do meu pai. A minha avó vinha aqui todas as quartas-feiras, porque eles moravam aqui em 1920”.
-Como se conheceram e quando casaram os pais?
Certo é que os meus pais se conheceram quando o meu pai era soldado em Witternesse, e depois casaram-se em 1920, quando ele foi desmobilizado”.
Após o Armistício (11 de novembro de 1918), José Barbara veio a Portugal. O filho não sabe dizer aonde
Sim, ele voltou depois de se ter casado com a minha mãe. Ao que parece, eu fui feito no comboio. Mas, enfim, eram os amigos do meu pai que contavam isso, e eu fingia não ouvir. No entanto, ouvia tudo”.
-Mas o José (Barbara) acabou por voltar para França?
“Eles compraram casa. Nem sei como é que o meu pai fez. Ele instalou-se, sem saber uma palavra de francês. Instalou-se primeiro em Witternesse, na pequena vila, e fazia bicicletas, reparava as motos, poucos carros. Depois mudou-se para aqui e tratava dos carros, das motos, das bicicletas e tinha imensa clientela, todos iam à oficina do português”.
-Como eram vistos pelos habitantes locais, os soldados portugueses que ficaram depois da guerra?
“Muito, muito bem. Muito bem. Toda a gente gostava deles, eram estimados. Havia muitos e toda a gente gostava deles”.
-Havia a noção de divida para com os portugueses que tinham combatido em França?
“Sabe, quando cresci compreendi, ao saber o número de mortes que houve na guerra. E pensei: “Eles vieram porquê?” Quando eu era jovem chamavam-me “português”, e diziam-me que eram uns cobardes. Isso magoava-me muito e então eu batia-lhes. Diziam que houve episódios, em LaCouture, em que os portugueses fugiram. Diziam isso, de quando ocorreu a batalha e tudo o mais...”
-A Batalha de La Lys?
Talvez, talvez seja isso. Diziam que eles tinham fugido. Repetiam isso, que eles bateram em retirada. E quando a guerra chegou aqui, em 1940, voltaram à carga, repetindo que os portugueses tinham fugido”.
José Bárbara respondia:
“Se nós fugimos, é porque qualquer um teria fugido. Era fugir ou morrer. E isso eles sabiam”.
Este apontamento completa, um pouco, o artigo publicado por JERO, no Região de Cister, e republicado neste blog.

(II)

FRANCISCO DA SILVA PÁSCOA
(“CHICO” PÁSCOA)


O Moto Clube de Lisboa foi fundado em 1955 em Lisboa, por um grupo de entusiastas, utilizando de   início as instalações do “Club dos 100 à Hora”. Tratou-se de uma coletividade inscrita na Federação Portuguesa de Motociclismo, que tinha como objetivo, associar os motociclistas amadores do País, incluídos nestes os “scooteristas” e os “velomotoristas”, através da prática desportiva e do turismo, relevando ao mesmo tempo o interesse do motociclismo, como meio utilitário de transporte. A vida do Moto Clube de Lisboa foi relativamente curta, mas teve tempo para levar a cabo iniciativas interessantes, como o Circuito de Velocidade de Monsanto, o Motocross de Cascais, os Rallys a Alenquer e a Leiria, este que teve como vencedor, na classe de scooters, o alcobacense Filipe Ramos, gerente de Abadia de Alcobaça. Também organizou o Grande Rally a Lisboa com partida de várias capitais de Distrito como Leiria (e passagem por Alcobaça) e com um percurso de 75 km de Santarém a Lisboa, comum e obrigatório para todos os concorrentes.
Moto semelhante à utilizada por Chico Páscoa
na volta a Portugal
O Grande Rally a Lisboa, também denominado Rally do I Centenário da Associação Naval de Lisboa, realizou-se com entusiasmo nos dias 21 e 22 de abril de 1956, em homenagem àquela coletividade desportiva, considerada como a mais antiga da Península Ibérica, que estava a comemorar o seu aniversário. Revelou-se um bom pretexto para fomentar o interesse pela modalidade. Foi uma prova aberta a motos e scooters, para condutor e pendura, que teve como patrocinadores a Fundação Nacional Para a Alegria no Trabalho, a Câmara Municipal de Lisboa, a Emissora Nacional, o Club dos 100 à Hora, concessionários de marcas, revendedores de combustíveis e óleos com destaque para a Shell, as Pousadas de Portugal e alguns jornais diários. Os prémios eram taças de prata, medalhas e dinheiro, numa proporção das quantias recebidas a título de inscrição. A prova tinha vários percursos, facultativos e obrigatórios, um dos quais incluído no itinerário Coimbra/Santarém, passava por Alcobaça, aonde se efetuava um controlo em frente ao Mosteiro, com muito público a assistir, sob a superintendência do Ginásio Clube de Alcobaça e de Francisco (Xico) Páscoa.
Falando de motos e deste Rally a Lisboa, referiremos um dos seus patrocinadores, as Pousadas de Portugal, aonde se inseria a recentemente inaugurada Pousada de Alfeizerão (ou de S. Martinho como também era conhecida).
Francisco da Silva Páscoa, “Chico” Páscoa em Alcobaça, por razões profissionais e não s, foi desde novo um entusiasta do motociclismo, dos carros antigos, bem como dos desportos motorizados. Como representante em Alcobaça, devidamente credenciado, colaborou de forma ativa com o Moto Clube de Lisboa, nas suas catividades, fazendo inscrições e cobrando quotas. Na altura, no rescaldo da II Guerra e das restrições que se prolongaram por anos, muitas pessoas possuíam motos, que utilizavam como usual meio de transporte. Pela sua oficina de Alcobaça, terão passado todas as motas e scooters da zona, pelo que ao longo dos tempos chegou a afinar ou reparar, segundo calcula, mais de setenta marcas diferentes. Era um grande animador da mensagem “pertencer ao Moto Club de Lisboa é uma honra e o dever de todo o motociclista”.
Em 1951, como pendura de Carlos Cordeiro, participou na I Volta a Portugal Para Motos, organizada pelo Benfica, numa AJS 350 CC, com o n° 10 de chapa, não tendo passado de Lagos pois, em Rogil, embateram num ciclista que atravessara imprevidentemente a estrada, o que os obrigou a desistir.
Não havia em Alcobaça e redondezas, prova, gincana ou concentração de motos que não participasse, concorrendo ou fazendo parte da organização.
Tem histórias interessantes para contar, recordando-se, por exemplo, do amigo que fazia do farol da moto o esconderijo da correspondência extraconjugal, até a mulher o descobrir, provocando grande escândalo e pondo-lhe as malas na rua.


NOTAS:
(1) -Desde o início da Revolução Mexicana em 1910, o Exército dos Estados Unidos estava estacionado ao longo da fronteira e em várias ocasiões lutou com os rebeldes mexicanos ou tropas federais. O auge do conflito aconteceu em 1916 quando Pancho Villa atacou a cidade fronteiriça de Columbus, Novo México. Em resposta, o Exército dos Estados Unidos, lançou uma operação no norte do México, para encontrar e capturar Villa, mas este escapou.
(2) -Preservar a memória da participação dos nossos militares na I Guerra Mundial justifica o interesse da indexação dos Boletins Individuais de militares do Corpo Expedicionário Português. Consultados esses boletins, não encontramos qualquer referência a soldado José Barbara.
Contudo essas referências tem um valor meramente indicativo, pois nem sempre a identificação das localidades e dos nomes é rigorosa. Com efeito, em muitos casos, a indicação é demasiado ambígua para que possa ser corretamente identificada.
José Barbara terá sido natural do Concelho de Alcobaça. Mas de que localidade? Em que oficina terá feito aprendizagem?
O filho Roger, embora de dupla nacionalidade, sabia mal o passado português do pai José Barbara.
(3) -Em 2008, a RTP meteu ombros a um projeto ambicioso: o documentário Portugueses nas trincheiras, da autoria de Sofia Leite e António Louçã, que foi procurar em França e em Portugal o rasto dos soldados que combateram na Flandres. Alguns ficaram em França, aí constituíram família e fizeram a sua vida profissional. Outros caíram prisioneiros do Exército Alemão e andaram de campo em campo de prisioneiros, numa vida aventurosa e muito penosa que merece ser recordada.
No site da RTP, estão disponíveis os seus mais significativos materiais de arquivo sobre o tema.
A entrevista com Roger Barbara decorreu em francês, pois mal falava português.
(4) -Esta moto é uma Trusty Triumph modelo H e, possivelmente, semelhante à do primo “manecas”.

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