A “CIDADE”
E O PODER AUTÁRQUICO,
PASSANDO POR ALCOBAÇA
FLeming de OLiveira
-UMA “CONQUISTA” DE ABRIL-
É amplamente
reconhecido que, o Poder Local, constitui uma das mais sólidas e significativas
transformações, diria mesmo, conquistas de Abril.
Trave mestra no modelo de democracia (liberal), assumiu um papel
relevante no modelo de desenvolvimento de comunidades locais e no processo de
consolidação democrática na Europa do Sul e surge como lugar onde se cruzam
múltiplos acontecimentos e protagonistas. Todavia, “prima facie”, ao veicular um discurso alegadamente vocacionado para
a anulação da diferença e da conflitualidade, não parece ainda reunir condições
para, no quadro democrático, constituir uma instância de competição plural
entre projetos políticos. Essa interessante
marginalidade, decorre de existirem no nosso terreno, acentuados
contrastes, incluindo dinâmicas que poderiam pontualmente contribuir para sua a
revitalização.
Cumpre assinalar, que o Poder Autárquico “Democrático”, tem sido alvo de algumas más vontades, mais ou menos
dissimuladas. Esta ofensiva é patente, por exemplo, nos obstáculos ao processo
de regionalização, embora os partidos recorrentemente refiram a necessidade de
descentralização, nas várias alterações ao regime legal das autarquias e, no “cozinhado atabalhoado” processo de extinção e fusão de freguesias.
O poder autárquico encontra-se enraizado na vida coletiva dos
portugueses, pesem embora atropelos e alguns fenómenos de degenerescência e,
que de certa forma, macularam a sua matriz, em conexão com o que se
convencionou designar por “conquistas da
revolução”. Os autarcas, aliás como outros políticos, são vistos muitas
vezes como uma “cambada” de
oportunistas especializados no caciquismo e na alimentação de clientelas. O
poder local, assumido pela C.R.P. e pela ciência política como o lugar onde a
democracia melhor se realiza por causa da proximidade, bem prescindia da nódoa
desta fealdade e envergadura.
O PREC foi uma conjuntura, uma doença infantil de crescimento
democrático e autárquico, que também passou por Alcobaça, e cujo tema tratei
noutro local, como adiante refiro e não vou propriamente retomar.
Seja como for, pode dizer-se que o poder local transformou a geografia
política do nosso País, no plano do desenvolvimento e económico e social e as
suas realizações são assinaláveis de norte a sul, não obstante alguma obra de
fachada, quiçá com desperdício de recursos, que os adversários não se cansam de
assinalar.
Não pretendo fazer aqui o balanço de realizações autárquicas pós 25 de
Abril (nem de Alcobaça), PREC incluído, mas, como tem sido proclamado pela
Associação Nacional dos Municípios Portugueses, pelo Governo de António Costa e
reconhecido por entidades e instituições insuspeitas, “o investimento feito pelas autarquias é mais reprodutivo que o da
Administração Central”.
As autarquias são órgãos do Estado e têm tanta legitimidade como os
demais poderes democraticamente eleitos. Por isso, lamento a capa de suspeição
a que os municípios na prática (não tanto no discurso) estão sujeitos por parte
do próprio Estado, mesmo quando o seu desempenho é meritório, face aos recursos
disponíveis.
O poder local tem
encontrado, em maior ou menor grau, com mais ou menos acerto, intérpretes em
todo o leque partidário, dada a sua expressão democrática e a componente
participativa que estão na sua génese e matriz. Terras adormecidas,
mobilizaram-se para enfrentar desafios do presente, do futuro e proporcionar,
dentro do possível, aos seus filhos, a vida de bem-estar e de cultura,
indispensável nos nossos dias.
Já fui autarca (eleito pela primeira vez em 12 de dezembro de 1976) e em
termos políticos, entendo que foi o tempo mais interessante que vivi, aquele em
que estive mais próximo da gente de Alcobaça, e com ela compartilhei carências,
anseios/sonhos, ambições e frustrações.
Então (cabeça de lista pelo PPD/PSD) perdi as eleições para o PS por mil
e tal votos, cuja lista era encabeçada por Miguel Ferreira Guerra, da Benedita,
com quem mantive boas relações. Deste executivo fizeram parte também Eduardo
Vieira Coelho (PS), Martiniano do Carmo Rodrigues (PS), Mario Tanqueiro
(PPD/PSD), José Serralheiro (PPD/PSD) e Manuel F. Castelhano (CDS).
Tinha a ideia (ingénua?) que em Portugal se estava a revelar uma classe
política, para a qual o poder tinha o sabor de Serviço Público e Realização
Pessoal, ao exigir esforço tenaz e
imaginação fértil, resiliência e sacrifício, insatisfação que nunca dá por
finda a tarefa enquanto a felicidade não for generalizada, a injustiça
esconjurada, a riqueza aumentada e repartida e aquela pequenina parcela do
mundo que me foi de certa forma confiada, transformada e resplandecente.
Tinha a ideia (ingénua?) que o poder local viria restituir às populações
da Bendita, Pataias ou Montes, a esperança de que depende em parte da sua
mobilização e vontade, o encerrar do ciclo do subdesenvolvimento ancestral,
pois que todas são agentes a corpo e tempo inteiros, da caminhada para novas
fronteiras.
Tinha a ideia (ingénua) que a “Cidade”
seria enfim o nosso devaneio e fantasia, uma história de fadas com varinha
mágica, Branca de Neve ou Gata Borralheira, densa de significados que
transcendem a mundanidade do contemporâneo, nas intermitências da nossa
passagem pela História, saltando séculos num único salto. Tinha a ideia
(ingénua, sim) que a “Cidade” seria o
fim do esconderijo das ilusões, que passaria a resistir à devassidão da
incúria, à perversão da ambição sem escrúpulos, à conversão de casas em ruínas
na mira da especulação, estaria a coberto dos interesses de arquitetos (muito “sabedores”), empreiteiros e construtores
civis, elaborando projetos inacabados, iconoclastas ou inconsequentes, que não
seriam a antevisão do progresso, mas o pesadelo do porvir, com desamor à
própria gente que dizem servir.
O PREC deixou algumas “interessantes”
mensagens, a que a CMA eleita em 12 de dezembro de 1976, não ficou de todo
alheia.
Dirão os leitores que, afinal, éramos simples, ingénuos e utópicos.
Mas, enquanto autarca sem preparação específica, tive a perceção que,
muito em breve, haveria necessidade de reciclagem técnica, disponibilidade e
uso dos meios que a moderna tecnologia põe à disposição. A Associação Nacional
de Municípios, o Centro de Estudos de Formação Autárquica, as instituições
universitárias, viriam a ser as sedes ideais para a concretização desse up-grading
de autarcas apressados, o meio para ultrapassar o atraso e poder avançar para
novas e mais exigentes tarefas.
-MOTOR DE DESENVOLVIMENTO-
No quadro de
uma nova ordem mundial, onde o poder público é convocado a agir em prol do
desenvolvimento das matrizes económicas, onde a concorrência pelos
investimentos escassos é crescente e se aprofundou o problema do desemprego
estrutural, torna-se urgente os governos locais levarem a cabo políticas
públicas e privadas que potenciem os fatores locais, transformando-os em
vantagens competitivas.
É a nível local que as consequências das falhas de mercado se apresentam
mais percetíveis, tornando-se potencialmente a administração pública local num
agente das mudanças, cabendo-lhe a responsabilidade de formular e implementar
estratégias que tornem os seus territórios mais competitivos.
A redefinição do papel do Estado, nas últimas décadas, tem assentado em
premissas que parecem contribuir para a revalorização do Poder Local, embora
entremeadas com propostas hipócritas de
descentralização, que têm assumido contornos diferentes em cada caso e momento.
Em abril de 1974, sabia-se que em Alcobaça quase tudo estava por fazer,
águas, saneamento básico, estradas e
arruamentos rurais, eletricidade (Serra dos Candeeiros) e não só. Tornava-se
imperativo, fazer logo que possível o indispensável e foram a CMA e/ou as
Juntas que enfrentaram desafios e garantiram o primeiro acesso a esses
serviços.
Num país pequeno, todavia, bastante desigual, onde cada região
encontrava o seu ponto de partida com necessidades de investimento diferentes,
os Governos Locais contribuíram para a correção de algumas desigualdades e assimetrias e deram aos cidadãos, o que se pode
considerar esse primeiro acesso à democracia, a oportunidade de melhorar a
qualidade de vida.
O dealbar do século XXI trouxe nova realidade ao municipalismo. O País
tem vindo a assistir a uma transformação no seu enquadramento jurídico e financeiro[1] [2] .
A evolução económica e financeira de Portugal e da Europa, juntamente
com os novos modelos de gestão, de regulação e de racionalização económica e
financeira que têm vindo a ser implementados, motivaram um novo paradigma de
governo autárquico e de políticas de base locais. O esforço de consolidação
orçamental e de redução do défice a que os últimos Governos se têm
comprometido, passou a impor um controlo mais apertado sobre os modelos de
financiamento e os regimes de endividamento das autarquias. Se se consensualizar
um paradigma de exercício autárquico, importa salientar que há um caminho
enorme a percorrer no que concerne ao enquadramento legislativo e financeiro
que deve assentar em pressupostos tão essenciais, como a estabilidade e
previsibilidade legislativas evitando surpresas (anuais) com os Orçamentos de
Estado e delimitar e hierarquizar as competências pelos diversos níveis de
administração, defendendo o princípio da subsidiariedade. É fundamental que o
Poder Local seja cada vez mais um agente de desenvolvimento e que esse papel
seja reconhecido pelos outros níveis de Poder. Afinal, em cada território nasce
a dinâmica que fortalece o Portugal que somos.
-REVENDO A HISTÓRIA-
No contexto de
uma redefinição da importância dos poderes locais e regionais, e
particularmente numa altura em que a própria noção de Poder Central se encontra
em reajustamento a realidades supranacionais, importa não esquecer que o debate tem sido alvo de várias abordagens ao longo
da História.
(a)-Reavivado pelo 25 de Abril e pela experiência da integração
na União Europeia, ressurgiu o debate sobre a Descentralização Administrativa
em geral, e sobre o poder local, em particular.
O modelo político-administrativo municipal, (reitera-se), constitui no
quadro português uma das formas institucionais mais antigas e difundidas embora
naturalmente diferentes, tendo atravessado os séculos e cruzado oceanos. Se é
verdade que a autonomia municipal é uma realidade histórica, também o é que as
suas características se alteraram significativamente.
Como e onde surgiu
o Município Medieval?
A dificuldade da resposta decorre da indefinição da pergunta, ou seja, o
que é o Município Medieval.
Ao contrário dos modelos romano ou visigótico, não existe um único tipo
de Município Medieval. De acordo com certos estudiosos, o modelo deriva do
processo da Reconquista. Há um modelo inicial de concelho, adaptado depois às
áreas que voltaram à posse cristã. Na fuga apressada, as populações de zona não
totalmente abrangida pela ocupação muçulmana, ficaram desprovidas do que hoje
chamaríamos quadros administrativos político-religiosos. Nas zonas desocupadas
e que se desejava repovoar, a lógica era incentivar o estabelecimento das
populações. Esta necessidade específica aquando da Reconquista terá sido
aproveitada, desde logo, por D. Afonso Henriques e a Ordem de Cister.
A estratégia seguida até, sensivelmente, D. Dinis, passou por conceder
Cartas de Foral, contemplando as liberdades locais, sob supervisão régia.
Um Foral era, basicamente, um
diploma jurídico que criava ou reconhecia um concelho e regulamentava a vida em
comunidade, em particular o sistema de impostos, a administração da justiça e
os direitos do povo.
Herculano entende-os enquanto legitimadores de um poder pré-existente,
referindo que se pode conceber a ideia “de
município, das suas fórmulas e das suas magistraturas enquanto uma coisa
tradicional”.
Para o Historiador, comprovava-se através dos forais mais antigos, que
se limitavam a “determinar até que ponto
se estenderiam as garantias da nova comunidade, (…) as suas relações de direitos e deveres para com o Estado ou para com o
senhor ou oficial da coroa, que no território da nova municipalidade
representava o poder público” [1] .
O poder régio conseguiu, deste modo,
assegurar a ocupação de zonas reconquistadas ou escassamente povoadas, manter
núcleos populacionais em zonas interiores difíceis, contribuindo para o início
da demarcação de fronteiras entre Portugal e os Estados Ibéricos, sem esquecer
dividendos políticos, a nível do equilíbrio de poderes entre Rei e Senhores. A
política régia de fomento concelhio, aliada à especificidade da Reconquista,
permitiu que não se verificassem no território português situações de conflito feudal,
como sucedeu, por exemplo, em Castela e Leão ou, no caso mais extremo, em
França, onde senhorios laicos e religiosos ultrapassavam, em larga escala, os
domínios régios.
Quando as fronteiras portuguesas estabilizaram [2] verificou-se que o
crescimento dos concelhos se fez, mais do que pela orientação régia, em
consonância com as especificidades históricas, sociais e geográficas,
adaptando-se a múltiplos e circunstanciais fatores. Os condicionalismos sociais
e históricos são fundamentais para a compreensão dos distintos modelos de
povoamento, mas não totalmente destrinçáveis dos anteriores. Decorrem daqui as
diferenças entre Norte e Sul, ainda bem demarcadas. No entanto, seria redutor
limitá-las a meros condicionalismos históricos, o Sul, de tradição urbana
remontando às ocupações romana e islâmica, e o Norte menos suscetível a
domínios centralizadores. Em geral, Município coincide ou consiste no
território ocupado por várias aldeias, que mantém algum grau de autonomia,
ligadas a uma vila central. Na maioria dos casos, estas aldeias dependentes do
centro municipal, derivaram de aglomerados habitacionais que tinham surgido
como consequência de alguma pressão demográfica que se ia começando a fazer
sentir. Analisando os forais, chega-se à conclusão de que a organização era
bastante semelhante entre si. Os Concelhos acompanharam a formação territorial
do Reino e, a partir do século XV, a expansão ultramarina. As Câmaras
espalharam-se pelos novos territórios, embora de forma e com sortes desiguais,
sem nunca deixar de representar, no Império, a ligação das partes com o todo.
No Reino, entre os séculos XVI e XVIII, apesar do que pensaram e escreveram os
liberais, o período da Monarquia Absoluta correspondeu ao de maior liberdade
dos senados municipais e prestígio das elites locais.
Herculano via o município da Época Moderna como uma sombra do Medieval,
coincidente com a consolidação do absolutismo. É esse o período em que o poder
concelhio se cristaliza nas mãos dos grupos oligárquicos locais, que os seus
críticos creem que o sistema municipalista fará renascer.
E [3] escreveu que “Em
nosso entender, a história dos concelhos é em Portugal, bem como no resto da
Espanha, um estudo importante, uma lição altamente profícua para o futuro;
porque estamos intimamente persuadidos de que (…) a Europa há-de chegar a reconhecer que o único meio de destruir as
dificuldades da situação que a afligem, de remover a opressão do capital sobre
o trabalho, questão suprema a que todas as outras nos parecem atualmente
subordinadas, é o restaurar, em harmonia com a ilustração do século, as
instituições municipais. (…) A
história da instituição e multiplicação dos concelhos é a história da
influência da democracia na sociedade, da ação do povo na significação vulgar
desta palavra, como elemento político”.
Estas
ideias parecem permitir concluir que Herculano, viu a centralização e modelo
uniformizador como sinónimos de “tirania”,
pelo que propôs uma solução apoiada nos Concelhos, enquanto núcleos
descentralizados. Estes seriam a base para o desenvolvimento moral dos
cidadãos, precursor do desenvolvimento material. Neste aspeto, as suas
conceções colidiram com as de uma geração mais pragmática, que vê o
desenvolvimento material imediato, como indispensável, dando origem a um debate
público em meados do sec. XIX, com a oposição mais visível de António Pedro
Lopes de Mendonça, defensor
de um socialismo utópico e romântico, em linha com o pensamento de Proudhon. Não obstante a aplicação política do modelo
defendido pela corrente deste último, as ideias municipalistas de Herculano
tiveram efeito nas posições de alguns contemporâneos [4].
Inconformado, não raras vezes, com o rumo do regime liberal, interveio
na vida política entre o final da Guerra Civil e os primeiros tempos da
Regeneração, tentando conciliar a insatisfação, com uma postura de respeito
pelas instituições e pelo poder. Longe de constituir uma rápida pacificação da
vida nacional, a vitória de D. Pedro, na Guerra Civil, prolongou um ciclo de
instabilidade, que só terminou com a Regeneração.
Herculano, estava de certo modo equivocado, pois o séc. XIX foi
caracterizado por um gradual esvaziamento da autonomia local. A construção da
ordem liberal não se pôde concretizar sem negociação com as antigas elites, mas
o saldo final das reformas e códigos administrativos, traduziu-se numa
progressiva centralização e diminuição do número de concelhos, extinção de mais
de metade.
Em 1836 foram extintos os Concelhos de
Turquel e o de Alpedriz e em 1855 o Concelho de S. Martinho do Porto, depois de
lhe terem sido anexadas em 1839 as freguesias de Alfeizerão, Salir do Porto e Serra do Bouro.
O magno
obstáculo decorria da dificuldade de ajustamento do “país real”, à realidade liberal. Longe dos grandes centros urbanos,
a ideologia liberal pouco ou nada dizia à massa da população, obrigando à
necessidade de centralizar o poder, de modo a permitir um controle efetivo por
parte do Governo. A oposição à nova ordem é, fundamentalmente de âmbito local e
das elites. No entanto, qualquer uma das correntes de resistência às medidas
implementadas, acabou por ser mais circunstancial, do que concreta. As elites
locais opunham-se pelas mesmas razões por que se opuseram às modificações
tentadas com a Constituição de 1822, e assim continuarão até à Regeneração. A
questão a nível local, afigura-se mais sociológica do que política, assentando
em questões de tradição e oposição a mudanças radicais.
Ao analisar a evolução da
instituição municipal no século XIX, constato a gradual subordinação do poder
concelhio face ao poder central, o que acarretou que alguns autores, falassem
na crise dos municípios, que nunca correspondeu, todavia, a um abandono total
das suas reivindicações, ainda que por parte dos setores políticos mais
distintos.
As
abordagens em torno da evolução do municipalismo, são múltiplas. Em primeiro
lugar, coloca-se a soberania. O Estado liberal é por norma uniformizador,
enquanto o Estado Absoluto, em determinados momentos, permite um certo grau de
autonomia.
Parece haver aqui um contrassenso. A autonomia
regional promovida no Antigo Regime/até 24 de agosto de 1820 “vintismo” [5],
justificava-se como se referiu se se tiver em conta as dificuldades de
comunicação, de gestão e a ausência de poderes intermédios relevantes.
A ideia
liberal de autoridade pública difere substancialmente da anterior, opondo-se à
partilha de poderes específicos da sociedade de ordens e orientando a dinâmica
em torno de uma sociedade de indivíduos. Nesta perspetiva o poder público deixa
de estar partilhado, suprimindo-se (?), as desigualdades de nascimento, um dos
suportes das oligarquias locais, passando a soberania a residir na Nação.
O
Estado Novo, reduziu as Câmaras Municipais a instituições de enquadramento e
reprodução da ordem política e social, sendo necessário esperar pelo 25 de
abril para que o regime reconhecesse às autarquias locais a sua autonomia,
rejuvenescendo uma instituição que acompanhou a história do país e sobreviveu a
diferentes regimes políticos.
(b)-Eduíno Borges Garcia [6] informa conforme Viterbo que “Villa”,
até fins do século XII, era uma pequena
herdade, casal ou granja, constante de algumas peças de terra, com sua casa
rústica e abegoaria, para recolher os frutos e criar os gados e outros animais
domésticos…Desde o tempo de El-Rei D. Afonso III se começou a chamar Villa um
lugar grande ou cabeça de concelho, na qual se decidiam as causas em primeira
instância, e isto é o que hoje, em Portugal, dizemos Villa”. Assim e a
título de exemplo, conforme o mesmo Viterbo citado por Garcia, “consta da sentença de 1496 que a Villa de Vale de
Prados, em terras de Bragança, devia ter forca, picota e tronco, por ser Villa
sobre si…”
Ora,
ainda segundo Borges Garcia, o conceito de Villa para as catorze vilas dos
Coutos, era o que teve início nos tempos de D. Afonso III.
Durante
a Idade Média o Pelourinho, popularmente designado também como Picota, era um
dos principais símbolos da autonomia municipal, o privilégio municipal mais
importante, a administração da justiça local.
Consistia numa coluna de pedra colocada num lugar público da cidade ou
vila em frente ao edifício da Câmara, para punição e exposição dos
delinquentes. Muitos tinham, no topo, uma pequena “casa” em forma de guarita, feita de grades de ferro, onde os
delinquentes eram expostos para a
vergonha pública. Os presos ficavam amarrados às argolas e açoutados ou
mutilados, consoante a gravidade do delito e os costumes da época. O pelourinho destinava-se em geral
aos crimes menos graves, como o dos padeiros ou carniceiros que pela terceira
vez fossem apanhados a cortarem no peso.
Tinham
também direito a pelourinho os grandes donatários, os bispos, os cabidos e os
mosteiros, como prova e instrumento da sua jurisdição.
Era um
símbolo do poderio (absoluto) dos Abades do Mosteiro de Alcobaça, que as gentes
humildes dos Coutos detestava, pois tratadas desumanamente e espoliadas, o que
por algumas vezes implicou revoltas que ficaram famosas.
Ao
longo do País, depois de 1834, muitos pelourinhos foram destruídos pelos
liberais que os tomavam como símbolos da opressão e tirania. Entre esses
liberais não se encontravam apenas as incontroladas massas populares, mas
também as vereações municipais.
Admite-se que cada uma das vilas dos Coutos tivesse um Pelourinho, mas
pelas referidas razões, poucos sobreviveram. Gustavo de Matos Sequeira no “Inventário
Artístico de Portugal”, contabilizou como existentes e completos os de
Santa Catarina, Aljubarrota, Cela, Maiorga, Turquel e Pederneira.
José Diogo Ribeiro, diz que viu algumas vezes o de Évora de Alcobaça. “Uma noite, porém, despedaçaram-no” [7].
Manuel
Vieira Natividade, escreveu que “Da
construção do pelourinho que ficava fronteiro aos aposentos do D. Abade, nada
pudemos averiguar, apesar de muitas pesquizas” [8] . O último pelourinho de Alcobaça, foi mandado destruir em 1866,
conforme informa Bernardo Villa-Nova [9] . Parece, todavia, que antes do século XV terá havido algumas execuções
nos pelourinhos. Mas a partir daí, não há provas que tal sucedesse, pelo menos
em relação às execuções capitais, que se faziam na forca, depois de o
sentenciado ter sido exposto no pelourinho, para conhecimento do povo.
Para
alguns como Alexandre Herculano, o termo Pelourinho só começou a aparecer no
século XVII, em vez do termo Picota, de origem popular. A partir dessa altura
passou a ser fundamentalmente marco concelhio.
Mas
enquanto o Pelourinho representava o poder político e era local de exposição
pública dos condenados, o Cruzeiro era símbolo cristão terminado em cruz e normalmente localizado no adro das
igrejas e o Obelisco tem função comemorativa de um acontecimento histórico.
“Entende-se enfim, que nenhum monumento
histórico pertence propriamente ao município em cujo âmbito jaz, mas sim à
nação toda. Por via de regra, nem a mão poderosa que o ergueu regia só esse
município, nem as somas que aí despenderam saíram dele só, nem a historia que
transforma o monumento em documento é a historia de uma vila ou cidade, mas sim
a de um povo inteiro” [10]
-ESCOLA DE FORMAÇÃO CÍVICA-
O poder local
tem permitido a participação das massas populares no exercício da administração
local, aproximou homens e mulheres interessados no progresso da sua terra.
Esse processo transformou o exercício do poder local num fator
importante de formação cívica das populações, contribuiu para alargar a ideia
de que os assuntos coletivos dizem respeito a todo o povo, que tem direito de
participar, lhe sejam prestadas contas e decidir.
Assim foi a Revolução de Abril, com a
constituição de movimentos populares especialmente no PREC, nem sempre ingénuos
e frequentemente só voluntaristas,
que compreenderam a destituição dos representantes locais do regime deposto, o
desmantelamento do aparelho administrativo, a eleição e designação das
CA/Comissões Administrativas para as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia,
a criação de Comissões de Moradores e outras entidades de participação popular,
o trabalho voluntário e entusiasta, que viabilizou ou pelo menos tentou, a
realização de necessidades básicas. Esta pulsão acarretou que os Governos e os
partidos do Arco do Poder pensassem, depois, que o poder local era obstáculo ao propósito de criação
de um Estado centralizado.
Bem poderiam/poderão as autarquias locais, na sua expressão mais
genuína, constituírem-se no eixo fundamental da recuperação do País, neste
século XXI. Mais do que isso, erguerem-se, como espaço privilegiado de
afirmação, compreensão e de estímulo ao aprofundamento da democracia, em que os
direitos políticos, sociais e culturais são golpeados. Nas aldeias mais
recônditas surgiu a ambicionada eletricidade e com ela o contacto com o Mundo. Captaram-se
águas que começaram a ser distribuídas domiciliariamente, onde nem fontanários
existiam. Multiplicaram-se redes de saneamento e rasgaram-se estradas e
caminhos. Os lugares aproximaram-se e os portugueses deram-se as mãos para preparar
a “Grande Festa” do desenvolvimento e
da conquista da dignidade.
Poderia/poderá o poder local constituir-se como instância de construção
de novas afirmações, valores e identidades, nos diversos contextos donde emana,
promovendo os fundamentos de transformação social e viabilizando uma outra
perceção do mundo e das coisas, libertos do determinismo
das inevitabilidades proclamadas?
-UM CASO QUE SALAZAR “NÃO PERDOOU” -
A Revolução de Abril devolveu a democracia a
Portugal, depois de quarenta e oito anos de regime autoritário.
Antes
de 1974, o país vivia sob a supervisão da União Nacional/UN, pelo que os
dirigentes políticos, desde o Governo aos deputados, aos presidentes e
vice-presidentes das Câmaras Municipais, aos presidentes e vogais das Juntas de
Freguesia, eram “nomeados”, dentro do
partido único ou pelo menos com a sua anuência.
No ano
de 1946, em Alcobaça aconteceu um caso que contrariou esta prática.
Nascido em Alcobaça, o Dr. José Nascimento e
Sousa dedicou grande parte da sua vida à medicina, em que se licenciara em
Coimbra. Nacionalista e de pendor monárquico, a sua afinidade com o Estado
Novo, levou-o, em 1942, a assumir a Presidência da Comissão Concelhia de
Alcobaça da UN e, quatro anos mais tarde, a Presidência da Câmara Municipal.
Cumpriu um curto mandato, de forma pouco relevante.
Quando
o Eng. José Carlos Costa e Sousa, que alguns alcobacenses ainda recordarão e
que era um excelente contador de histórias, foi colocado depois da II Guerra
nos Serviços Técnicos da Câmara de Alcobaça, houve quem o avisasse que vinha
para uma “terra muito difícil”, onde
Manuel da Silva Carolino, o Presidente da Câmara se “matava” e a “oposição ganhava
eleições municipais” [11] .
Em 2 de
Janeiro de 1946 [12] tomaram
posse, “no meio de grande expectativa
quanto ao desempenho do seu múnus”, os membros da Câmara Municipal de
Alcobaça, constituída por Dr. José Nascimento e Sousa/Presidente, João d’Oliva
Monteiro, Dr. João Lameiras de Figueiredo, Joaquim Ferreira Gomes e Carlos de
Oliveira, estes últimos reconhecidos republicanos e reviralhista,
Como
surgiu este acontecimento “inadmissível”,
em que a oposição entrou maioritariamente na vereação, que deveria ser composta
apenas por personalidades de confiança, aprovadas pela UN/União Nacional? Para o perceber, é necessário remontar
à organização político-administrativa anterior ao 25 de Abril. A Câmara
Municipal era, como hoje, o órgão colegial de gestão permanente dos assuntos
municipais, composta por um Presidente e Vice-Presidente livremente nomeados
pelo governo, e por vereadores, eleitos quadrienalmente pelo Conselho
Municipal. O Presidente e Vice-Presidente nomeados pelo Governo, deveriam ser
escolhidos, salvo circunstâncias excecionais, entre os munícipes do Concelho e
de preferência entre os vogais do Conselho Municipal, antigos vereadores,
antigos membros de comissões administrativas ou diplomados com curso superior.
O Presidente da Câmara tinha como funções chefiar a administração municipal
(órgão do concelho) e representar o Governo, de que era uma extensão, como
Magistrado Administrativo. Isto é, o Presidente da Câmara, era simultaneamente,
órgão do Município e órgão do Estado.
A
razão desta organização político-administrativa, segundo Marcelo Caetano,
insere-se “na tradição da nossa
administração municipalista, os juízes de fora, bem como na prática seguida com
sucesso em países de regime democrático, como o Maire, em França, o Podestà, em
Itália, o Bürgermeister na Alemanha, na Espanha o Alcalde”. O Presidente da
Câmara era autoridade policial em Alcobaça, visto o comando local não estar
cometido a oficial do Exército.
O
regime português, alegadamente, pretendia aliar a conveniência de uma ação
rápida, desenvolvida por uma entidade responsável e de confiança, dentro de um
conjunto coordenado e harmónico. Ora não foi o que então aconteceu em Alcobaça.
Para grande surpresa do País, e da terra, o Conselho Municipal, escolheu
vereadores da oposição. Para obviar este percalço, de péssimo exemplo, o
Governo de Salazar ao fim de um ano demitiu os Presidente e Vice-presidente da
Câmara, forçando uma nova escolha,
desta vez a coberto de surpresas.
O Dr.
José Nascimento e Sousa, em Maio de 1946, imperturbável e inquebrantável
corporativista, na qualidade de Presidente da Câmara, e em nome da Comissão
Concelhia da União Nacional, ainda assim evocava em discurso a “(…) nossa inquebrantável fé nas doutrinas da
Pátria, conduzida pelo Governo que tem à frente esse grande português cujo
prestígio há muito ultrapassou as fronteiras do País e o impõe ao respeito e
consideração do mundo: o Dr. Oliveira Salazar (…), e (…) o meu indefetível nacionalismo se enraíza e
fortalece no muito amor que tenho à minha terra. (…) O povo do meu Concelho que hoje e sempre, com o entusiasmo que lhe dá a
sua inquebrantável Fé, levanta-se e diz: Viva Portugal! Viva Carmona! Viva
Salazar!” [13]
Mas
isso não evitou ser substituído pelo Dr. Júlio Frederico de Guimarães Biel.
-AS “FANTÁSTICAS” COMISSÕES ADMINISTRATIVAS DO P.R.E.C.-ALCOBAÇA-
O período pós
25 de abril (P.R.E.C.) foi marcante em Alcobaça, mas não deixou mazelas.
Cumpre destacar a I Comissão Administrativa, presidida por Jorge
Silvestre, assumidamente de esquerda, sem implantação popular, com uma postura,
deliberações e tomadas de posição “fantásticas”,
uma outra presidida por José Pinto, militante comunista sem carisma ou
preparação, mas que gostava do lugar, que veio a ser destituída pelos
movimentos populares que assaltaram a Câmara e a sede do PCP local, em julho de
1975. Estas C.A., foram muito bem apadrinhadas por Rocha e Silva, Governador
Civil de Leiria. E sem esquecer a noite em que Cunhal ia sendo “apanhado à mão”, aquando do dramático
comício de “desagravo” realizado no
Pavilhão Gimnodesportivo de Alcobaça, no sábado dia 16 de agosto de 1975.
Este
período foi, por mim, registado em “NO
TEMPO DE SOARES, CUNHAL E OUTROS. O PREC TAMBÉM PASSOU POR ALCOBAÇA”, pelo que não vou voltar a referi-lo
aqui. Pode ser consultado, todavia, na edição em papel ou
flemingdeoliveira.blogspot.com
Com altos e baixos, avanços e
recuos, peripécia muita, algumas pícaras outras dramáticas, o 25 de Abril no
seu período revolucionário (o mais exaltante), estendeu-se por mais de dois
anos, o tempo que decorreu entre o golpe militar e a institucionalização do
regime democrático e constitucional corporizado na CRP de 1976. Dada a complexidade da evolução do processo revolucionário
político-militar, a Revolução de Abril, especialmente nos dois anos que vão do
golpe militar à C.R.P. -Abril de 1976, funcionou a duas velocidades: pé no
travão e acelerador a fundo. Não
houve medidas revolucionárias planeadas por qualquer poder, antes foram
impostas pelas circunstâncias e o seu balanço aproveitado pelo movimento
revolucionário do povo e dos militares, em avanços reativos, de golpe e
contragolpes. A natureza e característica
colegial, plural e participada do Poder Local vertida nas leis originárias de
atribuições e financiamento, no enquadramento jurídico do regime eleitoral, no
princípio da autonomia são inseparáveis da dinâmica popular e transformadora
inerente aos primeiros anos de vida das autarquias locais.
Não se conclua que o empobrecimento
democrático a que o Poder Local tem estado submetido ao longo de cerca de 40
anos, seja sinónimo de bloqueio a uma gestão participada.
Mas também não se deve concluir, que a
componente participativa está por si assegurada e realizada a partir das
características e natureza do Poder Local. A participação, as expressões e
objetivos que assume, decorrem de opções políticas, de conceções de exercício
de poder.
O que suponho se poder afirmar, com alguma
segurança, é que o Poder Local e o seu enquadramento constitucional, favorece,
promove e incentiva uma gestão participada.
-O “TEMPO” DE GONÇALVES SAPINHO-
Natural do
Sabugal, fixou-se na Benedita na década de 1960, para dar aulas no Externato
Cooperativo, depois de cumprir o serviço militar nos Açores.
Em 1997, regressado ao PSD, de quem se havia desligado e com quem nem
sempre teve fácil relacionamento, G.
Sapinho foi eleito Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, vencendo
naturalmente Miguel Guerra, embora enfraquecido e doente. Foi reeleito em 2005
com maioria absoluta (e pela 3ª e última vez).
No ano de 2009, o PSD anunciou que G. Sapinho não se iria recandidatar
por motivos de saúde. As eleições confirmaram Paulo Inácio, do PSD, ao tempo
Presidente da Assembleia Municipal, como seu sucessor, o qual ainda se encontra
no exercício de funções (3º e último mandato, iniciado com as eleições de 1 de
outubro de 2017).
Desde que abandonou a CMA, Gonçalves Sapinho passou grande parte dos
dias em São Martinho do Porto, onde residia há alguns anos, mantendo como
cargos as Presidências da Mesa da Assembleia Distrital de Leiria do PSD e o
Conselho Fiscal do Instituto Nossa Senhora da Encarnação, que integra o
Externato Cooperativo da Benedita/ECB.
Nasceu em 28 de agosto de 1938 no Sabugal e faleceu em 9 de setembro de
2011.
JERO escreveu que Sapinho [14] “(…) não teve unanimidade nas decisões que tomou
ao longo dos seus três mandatos e foi alvo de críticas. Muitos alcobacenses
continuam a não apreciar as alterações feitas pela requalificação urbana de
2005 e não esquecem o antigo jardim frente ao Mosteiro, que foi suprimido e
substituído por um terreiro tido como próprio de uma abadia cisterciense. (…). Guardo de José Gonçalves Sapinho a memória
de um presidente de Câmara de grande visão estratégica, de alguém que defendia
Alcobaça até às últimas consequências e de uma pessoa que, não reunindo sempre
consensos, fazia questão de deixar a sua marca na gestão do município. Porém, a
imagem mais marcante que guardo é a de um homem da cultura e do ensino, que se
transfigurava quando falava da sua experiência na escola. Na verdade, ele nunca
deixou de se sentir um professor”.
Nos 3 mandatos de Gonçalves Sapinho, em termos de património construído,
fez-se mais no Concelho de Alcobaça que nos cem anos anteriores, passe o eventual exagero. Aliás, teve o
cuidado de deixar uma lápide alusiva descerrada em cada momento das
inaugurações.
Entendo a requalificação urbana como trave mestra nas intervenções
urbanas, permitindo (re)criar uma estética em função do desenho existente da “Cidade”. A requalificação permite a revitalização
das áreas mais antigas da “Cidade”,
que correspondem normalmente aos centros históricos, e que se encontram em
risco de decadência, de abandono e/ou de degradação.
A requalificação
urbana não se pode limitar a intervenções no centro histórico, mas também às
áreas envolventes que se encontram sujeitas à ação do Homem. Os processos de
reabilitação urbana dão resposta a um crescente número de objetivos, que vão
para além da preservação do edificado e do espaço público, nomeadamente a
integração de princípios sociais, culturais e de sustentabilidade.
Através de um competente processo de planeamento, torna-se possível
(re)qualificar a “Cidade”, tendo em
conta as suas características físicas e os elementos simbólicos (humanos e
naturais) que estabelecem sem ruturas a ligação cronológica com o passado e
suscitam sentimentos de pertença, tornando-o mais atrativo, mas não o
descaracterizando, com o objetivo de melhorar as suas condições de uso e
fruição. Desse modo, ela sairá mais valorizada e competitiva, com vista à
consolidação da identidade individual ou coletiva.
O património entrou (definitivamente) nas preocupações políticas,
culturais e sociais, visto o país e autarquias sentiram necessidade de
preservar as suas identidades, contando alegadamente com a participação da
população e das diversas entidades (públicas ou privadas).
Tais preocupações contribuíram para que se elaborassem e adotassem
procedimentos normativos que regulamentam o uso, proteção, defesa, conservação
e promoção dos bens, costumes e tradições (património cultural) que
caracterizam uma sociedade, ou seja, que identificam um território. Recorrer ao
planeamento para reestruturar o traço urbano do centro histórico, sem
privilegiar a participação da população nas tomadas de decisão, de modo a
estruturar solução inovadora, coerente, sustentável, saudável e funcional, não
evitou o desequilíbrio ou rutura entre o existente e o desejável. Ou seja,
rompeu-se com o existente e não se encontrou o devido contraponto.
No que respeita ao desenvolvimento da área urbana (central/histórica) de
Alcobaça, como em breve se comprovou, não houve planeamento e ordenamento
adequado tornando-a mais competitiva e invertendo a tendência de crescimento
irracional e desajustado ao espaço disponível.
A reabilitação urbana tem atualmente um papel central na revitalização
da “Cidade” (conforme Hélder Pacheco,
ilustre escritos portuense) contribuindo para o reforço da sua coesão e
competitividade. A “Cidade” tem que
se ajustar às condições relacionadas com a melhoria na qualidade de vida da sua
população, bem como dos que aí se deslocam para trabalhar e, eventualmente, com
os meros turistas. A dispendiosa e profunda intervenção levada a cabo em
Alcobaça, nos mandatos de Sapinho, não foi aproveitada para a reorganização dos
agentes locais e que os projetos de transformação constituíssem elementos de
política urbana com indicações estratégicas para o desenvolvimento local. A
intervenção se teve também como objetivo o desenvolvimento turístico, não
trouxe melhorias económicas da área, e acarretou repercussões sociais
negativas, como a expulsão da população.
Se
houve preocupação central com a recuperação do património físico urbano, tal
não foi acompanhado com o entendimento de que o aspeto social e cultural era
indissociável dessa preocupação.
Não sou natural de Alcobaça, mas vivo e trabalho ali como Advogado há
mais de 40 anos. Tenho amigos que vivem a “Cidade”
com profundo sentimento, pelo que para eles (porque não para mim?) a “Cidade”, passe o lirismo que se segue
(mas não a ingenuidade!), é um alerta pelo que muda e não devia mudar (nesse
caso significaria destruição, esquecimento e quando não, desprezo) ou um brado
de insatisfação pela inexistência, lentidão ou apagamento da mudança longamente
ansiada. É a contradição entre o passado de onde partimos na aventura do
percurso para onde habitam os nossos laços e o presente onde nos movemos na
direção do apenas pressentido. A “Cidade
“, abriga os segredos dos ontens, guarda as desilusões das perdas e as
surpresas dos “imponderáveis”.
Gonçalo Byrne, defende (pelo menos em tese) que “a reabilitação é uma resposta à “desabilitação” da cidade, uma perda de
vida, sendo que a habilitação é definida como a ligação entre o corpo
construído e a vida.”
Podemos então concluir que para o Arquiteto (e em tese), a reabilitação
surgiria, principalmente, como resposta a esta ausência de relação entre o
espaço físico e a vida e deverá ter em conta o corpo da cidade, mas acima de
tudo a sua base e os pressupostos inerentes, como fixar população, qualificar o
espaço público, fomentando a sua partilha e convergência, uma vez que a cidade
é feita pelas pessoas, sendo que a falta de interação destas com a arquitetura,
retira-lhe a vida. Mas… mas não estou, de todo, identificado com J. Pedro
Tavares [15] :
(…) “Podem-se discutir as
soluções. Todos os projetos, todas as opções, conceções, modelos e criações são
sempre criticáveis e melhoráveis. É o caso do recente Projeto de Requalificação
Urbana de Alcobaça Gonçalo Byrne/Falcão de Campos. Com mais ou menos pedra, com
árvores e bosque ou sem eles (uma árvore cresce numa geração e corta-se numa
noite), com cotas mais altas ou lançamentos mais baixos, com parque subterrâneo
ou sem ele. E ainda bem que se discute, isso também é fruto dos tempos
modernos. Que outro Arquiteto ou que outra Câmara foi tão aberta em relação a
Alcobaça e a convocou tantas vezes para expor, explicar e recolher opiniões?!
Pode ouvir a todos que se queiram expressar? Pode. Pode atender a todos? Claro
que não, muitos até são contraditórios. Pode tentar a melhor convergência e a
melhor integração, espacial e temporal? Pode e deve e é isso que ambos tentam,
arquiteto e edilidade, em cenário complexo e em planos de execução, de
aceitação e de implementação certamente difíceis. Detetar-se-ão
erros? Possibilidades de melhoramento? Claro que sim, isso está sempre presente
em qualquer trabalho, quanto mais em Projeto de tamanha sensibilidade e
alcance. Podiam os caminhos ter sido outros, a solução gizada diferente, os
custos mais contidos? Claro que sim, mas não necessariamente de muito maior
valia” (…)
Tavares invoca (à cautela suponho), o premonitório e lúcido comentário
do alcobacense Arq. Gil Moreira: (...) “se
esse espaço público (o Rossio) for esquadrinhado em função de interesses, que
poderão até ser nacionais, mas não forçosamente locais; se não se lhe defende a
dignidade, que se deverá expressar pelo convívio e pela coexistência entre as
duas realidades culturais; então o Rossio corre o risco de voltar a ser uma
"terra de ninguém". Virá a ser um novo terreiro, de luxo, onde os
raros foragidos ou homiziados, que vinham procurar refúgio na sombra do marco
do couto, serão substituídos por vagas de consumidores de cultura, atraídos
pela valorização do monumento como objeto cultural, agora Mundial, e turístico,
portanto altamente vendível. E o pior é que por este caminho, a agora Cidade,
que tem vindo a delapidar o seu escasso património arquitetónico, nada mais
terá a vender (culturalmente falando), que não seja o Mosteiro” (…) [16].
Para reabilitar a cidade, seria preciso conquistar os jovens. E sinto
falta de um comércio interessante nesses sítios que foram desabitados. Noutro
dia, quando um Colega me perguntava (conhecendo mal Alcobaça) se havia excesso
de turismo e eu responde: “O que há é
falta de Alcobaça, não excesso de turismo.”
Porque vou ao Rossio e não vejo turistas (e poucos alcobacenses…), vou a
uma esplanada e não vejo turistas (e ainda menos alcobacenses). O que falta é
mais “Cidade” [17] .
A paisagem é uma construção coletiva. Num momento de transformação
acelerada sociedade, conhecer e gerir a paisagem, é respeitar uma identidade de
enorme importância cultural e social e, como tal imperativo ético de
perpetuação para as gerações futuras de um legado que nos define e nos une como
seus habitantes.
-MAIS COMPETÊNCIAS, MAS…-
O Governo tem
pretendido atribuir novas competências às autarquias, sem curar de apurar,
devidamente, se elas permitem encontrar soluções que possam prestar melhor
serviço público.
Parece evidente que tal matéria deverá ser negociada por uma “grande coligação”.
As autarquias não recusam, liminarmente, novas atribuições, mas terão de
ser cautelosas, para que a um aumento de atribuições corresponda o respetivo
financiamento. Os municípios (como os portugueses em geral) não estão
interessados em que isto seja feito de forma aligeirada, atabalhoada.
Os recursos humanos e financeiros constituem algumas das grandes
preocupações dos municípios, pelo que a questão não é apenas financeira, e a
ordem dos fatores é arbitrária.
“O processo de
descentralização fracassará se o Estado transferir atribuições e competências
sem conferir aos municípios os meios necessários, humanos, equipamentos,
financeiros para que eles possam exercer essas competências, mas fracassará
também se desse processo de transferência de competências e de atribuições não
resultar maior eficiência e eficácia na gestão dos nossos recursos e, pelo
contrário, o Estado acabar por ficar com encargos que não tem depois condições
de lhes dar continuidade”, defendeu
António Costa.
No caso da Educação, propõe-se que as autarquias, à semelhança do que já
acontece na pré-primária e no ensino básico, construam edifícios, os mantenham
e limpem, sirvam refeições e forneçam transporte. Sendo que uma autarquia
poderá fazer melhor estes serviços, isso não resolve qualquer problema
estrutural, outrossim pode criar novos entraves ao desenvolvimento local e
regional, se não forem concomitantemente transferidos os recursos financeiros e
humanos correspondentes.
Não é pelo simples facto de as verbas para as escolas passarem a ser
canalizadas através das autarquias, em vez de diretamente do ME, que as escolas
passam a ter melhores resultados.
E as competências políticas? Sem capacidade para intervir na programação
curricular e na colocação de professores, a descentralização não será mais do
que um transferir de responsabilidades, abdicação de competências
administrativas. A definição curricular e o mapa docente, não podendo ser da
competência exclusiva das autarquias, devem contar com a sua contribuição e
estarem descentralizadas.
Não entrevejo uma ideia consequente sobre um sentido para a educação,
com exceção da constituição de agrupamentos de escola e a redução do número das
chamadas unidades orgânicas.
As ideias quando boas são, normalmente, metidas na gaveta ou ignoradas. Não
se esqueça a contradição entre o que se diz
e o que se faz e que o país está inundado de centralistas não assumidos que,
quando confrontados com situações que podiam dar inícios ou passos de descentralização,
imediatamente recuam.
A descentralização tem sido prometida e discutida há décadas, sem
resultados ou consequências. A sua ausência é profundamente negativa, tendo em
conta os recentes incêndios de que resultou a prova (provada) que o Estado não
é capaz de defender as populações. É desprezível que nos digam que todos somos
culpados, porque isso é desculpabilizar todos, uma clara manobra para que tudo
fique na mesma.
Em meados de abril de 2018, entre o Governo e o PSD foi fechado um grande
acordo sobre o dossier descentralização, no que reputo ser uma pedra angular da
reforma do Estado. O Governo comprometeu-se a apresentar os cálculos
específicos e parciais, concelho a concelho, no que diz respeito às verbas que
passarão a ser transferidas do orçamento da administração local para as
câmaras, acompanhando as novas competências. É assunto referente à estratégia de
Portugal até 2030, período que atravessa três legislaturas. Este acordo vai
servir (assim se espera), sobretudo, para fechar as verbas que vão acompanhar a
passagem de novos poderes para as autarquias. Em causa está a entrega de 1,2
mil milhões de euros anuais às câmaras e a sua distribuição tem de pôr de
acordo os 308 municípios, o Governo e o PSD.
Além deste envelope financeiro, as câmaras vão passar a receber parte do
IVA cobrado no seu território e mais receitas em sede de IMI, decorrentes do
fim das várias isenções em vigor. Os dois partidos chegaram a um pacto, o que
não acontecia desde 2006, quando assinaram conjuntamente um pacto para a
justiça, o Governo liderado por José Sócrates e o PSD por Marques Mendes. O
fechar deste acordo surgiu em simultâneo com a articulação, entre as duas
forças políticas, da posição portuguesa para as negociações na União Europeia
do quadro plurianual de fundos estruturais para a próxima década.
Este ano de 2018 na
sessão de abertura da 1.ª Cimeira das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto [18], Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu
um processo de descentralização consensual e irreversível, um entendimento
alargado sobre o quadro financeiro plurianual da União Europeia para o período
2021-2027 “uma descentralização que não
só seja consensual como seja irreversível”. (…) “O passo que for dado tem de ser irreversível. Não pode depois depender
de vicissitudes conjunturais, dos governos que mudam, da situação
económico-financeira”. (…) “Quanto à
governação, é bom que existam divergências e que existam alternativas. Sistemas
sem alternativa são sistemas mortos ou risco de crise e conhecemos vários à nossa
volta”, ressalvou, acrescentando que, “quanto
a matérias essenciais de regime como estas, é bom que se vá o mais longe
possível em matéria de entendimento e de decisão”.
Admito que haja “algum”
impulso descentralizador neste Governo, mas também que, como outros, venha a
esmorecer perante os obstáculos. Entendo que há estruturas afetas ao poder
central que não contribuem para a descentralização, como o Tribunal de Contas
que ultrapassando o seu papel de revisor (oficial) de contas, arvora-se em avaliador
das propostas que lhe chegam dos municípios.
Se António Costa e Rui Rio estão de acordo, então executem-no, para que
não seja só “mandar bocas” para os
respetivos eleitores. A não ser que estejam só em tacticismos.
Veremos onde nos levam o governo e a oposição.
Bom, esperemos que não se fiquem pelas palavras, pois o que interessa
como diziam os romanos é “res non verba”.
-EM FIM…-
Como trabalhei
q.b., tenho os impostos em dia, não dependo de subsídios e até já tenho um
bisneto (nasci, ainda o século passado não tinha chegado a metade), a posição
sobre o Governo da República ou da minha Autarquia é, fundamentalmente, “façam
o favor de governar bem, para sairmos da cepa torta”.
Sei que não sou “expert” no
tema Poder Local, mas suponho não ter teias de aranha na cabeça, nem palas nos olhos. Creio que o País precisa de uma
Democracia repensada. Mas para evitar equívocos ou interpretações malévolas,
acrescento, que se uma Democracia falhou, a solução não é voltar à “outra senhora”, outrossim aprofundá-la.
Assim, façam o “favor de governar na
medida do que é justo e de direito”, tendo como matriz o património cívico
fundamental ao (re)lançamento do Estado Democrático.
Sou republicano que talvez com o envelhecimento, me tenho tornado mais
rebelde e dificilmente compaginável com as estruturas políticas. Não tenho nada
contra elas, exceto quando se sobrepõem táticas e estratégias ao interesse do
país. Voto sempre. Nunca esquecerei essa grande (enorme) conquista. Sou
defensor do Estado Social. A política sem dimensão social não vale nada. Gosto
de elogiar, tenho muita pena de não poder elogiar mais. Sempre acreditei na
pedagogia do elogio. Mas também é preciso censurar aquilo que está mal e, em
Alcobaça, há razões para isso.
A grande tragédia de Alcobaça foi
esvaziar-se e, em muitos aspetos, cair na inação e na auto-implosão. Garanto
não ser saudosista, e que sei que muito do que foi não voltará a ser mais.
Abraço o progresso e o turismo. Mas temo a falta de memória. Sou pai e bisavô
homem de hábitos, leitor compulsivo, amante de música e arte, de lembranças
pueris, política, religião e futebol. Recordo os amigos e familiares que já não
voltam e me levaram parte da alegria. Por uma única vez, pensei (re)trocar
Alcobaça pelo Porto. Lisboa não, nada tenho contra a capital, entenda-se, mas
sim contra o centralismo. Tenho amigos em Lisboa. Uma coisa é o povo de Lisboa, outra
é o Terreiro do Paço O povo de Lisboa merece-me o maior respeito, ainda que
seja demasiado benfiquista….
Rejeito a ideia, que “pessoas
importantes como nós” (que não precisam de forjar currículos académicos)
não tenham capacidade para se pronunciarem sobre a sua terra ou o país. Uma
República sem cidadãos na “res publica”, iça
a bandeira ao contrário e ignora o que eles pensam. Não é preciso ser
académico, deputado, antigo “jota” ou
assessor, para pensar clara e correctamente.
Basta haver consenso, bom senso e querer o bem comum.
[2] O Tratado de Alcanizes cimentou a paz entre os reinos de Portugal e
Leão e Castela. D. Dinis e Fernando IV assinaram, a 12 de setembro de 1297, o
tratado que pôs fim a anos de conflito e definiu as fronteiras portuguesas. O Tratado de Alcanizes, estabeleceu
Olivença como parte de Portugal. Em 1801, através do Tratado de Badajoz, denunciado em 1808 por Portugal, o território
foi anexado a Espanha. Em 1817 a Espanha reconheceu a soberania portuguesa,
subscrevendo o Congresso de Viena de 1815, comprometendo-se à retrocessão do
território, o mais prontamente possível. Porém, até aos dias de hoje, tal não
aconteceu, sendo ao que parece assunto encerrado.
[4] António Pedro Lopes de Mendonça (Lisboa, 14 de nov. de 1826-Lisboa, 8
de out. de 1865), personalidade multifacetada, foi jornalista, romancista,
dramaturgo e folhetinista português, que também se destacou como
político/ativista social, defendendo um socialismo utópico e “romântico”, como forma de melhorar as
condições de vida do proletariado. Escritor eclético e de causas, foi sobretudo
como crítico literário que ficou na história da nossa literatura.
[5] -“Vintismo”, é a designação genérica
dada à situação política que dominou Portugal entre agosto de 1820 e abril de
1823, caracterizada pelo radicalismo das soluções liberais e pelo predomínio
político das Cortes Constituintes. O “vintismo” iniciou-se com o pronunciamento militar
do Porto em 24 de agosto de 1820, que conduziu à formação da Junta Provisional
do Governo Supremo do Reino e terminou quando a 27 de maio de 1823 D. Miguel
encabeçou, em Vila Franca de Xira, a “vilafrancada”
uma sublevação militar que levou à abolição da Constituição de 1822 e ao
restabelecimento, ainda que mitigado, do absolutismo. As políticas vintistas eram avançadas para a época,
sendo durante boa parte do século XIX português um elemento mobilizador e
congregador da esquerda liberal que tentou, depois do termo da Guerra Civil, o
restauro das soluções constitucionais de 1822.
Sobre Borges Garcia, cfr. Fleming de Oliveira in No Tempo de Gente “Importante” Como Nós e António Maduro.
Sobre José Carlos Costa e Sousa, cfr. Fleming de Oliveira in No Tempo de Gente “Importante” Como Nós” e
No Tempo de Salazar, Caetano e Outros.
-flemingdeoliveira. blogspot.com.
Sobre JERO/José Eduardo Reis Oliveira, cfr. Fleming de Oliveira in No Tempo de Gente “Importante” Como Nós.
Sobre J. P. Tavares, cfr. Fleming de Oliveira in No Tempo de Gente “importante” Como Nós.
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