quarta-feira, 22 de agosto de 2018

A “CIDADE” E O PODER AUTÁRQUICO, PASSANDO POR ALCOBAÇA


A “CIDADE
E O PODER AUTÁRQUICO,
PASSANDO POR ALCOBAÇA

FLeming de OLiveira 

-UMA “CONQUISTA” DE ABRIL-
É amplamente reconhecido que, o Poder Local, constitui uma das mais sólidas e significativas transformações, diria mesmo, conquistas de Abril.
  Trave mestra no modelo de democracia (liberal), assumiu um papel relevante no modelo de desenvolvimento de comunidades locais e no processo de consolidação democrática na Europa do Sul e surge como lugar onde se cruzam múltiplos acontecimentos e protagonistas. Todavia, “prima facie”, ao veicular um discurso alegadamente vocacionado para a anulação da diferença e da conflitualidade, não parece ainda reunir condições para, no quadro democrático, constituir uma instância de competição plural entre projetos políticos. Essa interessante marginalidade, decorre de existirem no nosso terreno, acentuados contrastes, incluindo dinâmicas que poderiam pontualmente contribuir para sua a revitalização.
Resultado de imagem para 25 abril  Cumpre assinalar, que o Poder Autárquico “Democrático”, tem sido alvo de algumas más vontades, mais ou menos dissimuladas. Esta ofensiva é patente, por exemplo, nos obstáculos ao processo de regionalização, embora os partidos recorrentemente refiram a necessidade de descentralização, nas várias alterações ao regime legal das autarquias e, no “cozinhado atabalhoado” processo de extinção e fusão de freguesias.
  O poder autárquico encontra-se enraizado na vida coletiva dos portugueses, pesem embora atropelos e alguns fenómenos de degenerescência e, que de certa forma, macularam a sua matriz, em conexão com o que se convencionou designar por “conquistas da revolução”. Os autarcas, aliás como outros políticos, são vistos muitas vezes como uma “cambada” de oportunistas especializados no caciquismo e na alimentação de clientelas. O poder local, assumido pela C.R.P. e pela ciência política como o lugar onde a democracia melhor se realiza por causa da proximidade, bem prescindia da nódoa desta fealdade e envergadura.
  O PREC foi uma conjuntura, uma doença infantil de crescimento democrático e autárquico, que também passou por Alcobaça, e cujo tema tratei noutro local, como adiante refiro e não vou propriamente retomar.
  Seja como for, pode dizer-se que o poder local transformou a geografia política do nosso País, no plano do desenvolvimento e económico e social e as suas realizações são assinaláveis de norte a sul, não obstante alguma obra de fachada, quiçá com desperdício de recursos, que os adversários não se cansam de assinalar.
  Não pretendo fazer aqui o balanço de realizações autárquicas pós 25 de Abril (nem de Alcobaça), PREC incluído, mas, como tem sido proclamado pela Associação Nacional dos Municípios Portugueses, pelo Governo de António Costa e reconhecido por entidades e instituições insuspeitas, “o investimento feito pelas autarquias é mais reprodutivo que o da Administração Central”.
  As autarquias são órgãos do Estado e têm tanta legitimidade como os demais poderes democraticamente eleitos. Por isso, lamento a capa de suspeição a que os municípios na prática (não tanto no discurso) estão sujeitos por parte do próprio Estado, mesmo quando o seu desempenho é meritório, face aos recursos disponíveis.
  O poder local tem encontrado, em maior ou menor grau, com mais ou menos acerto, intérpretes em todo o leque partidário, dada a sua expressão democrática e a componente participativa que estão na sua génese e matriz. Terras adormecidas, mobilizaram-se para enfrentar desafios do presente, do futuro e proporcionar, dentro do possível, aos seus filhos, a vida de bem-estar e de cultura, indispensável nos nossos dias.
  Já fui autarca (eleito pela primeira vez em 12 de dezembro de 1976) e em termos políticos, entendo que foi o tempo mais interessante que vivi, aquele em que estive mais próximo da gente de Alcobaça, e com ela compartilhei carências, anseios/sonhos, ambições e frustrações.
  Então (cabeça de lista pelo PPD/PSD) perdi as eleições para o PS por mil e tal votos, cuja lista era encabeçada por Miguel Ferreira Guerra, da Benedita, com quem mantive boas relações. Deste executivo fizeram parte também Eduardo Vieira Coelho (PS), Martiniano do Carmo Rodrigues (PS), Mario Tanqueiro (PPD/PSD), José Serralheiro (PPD/PSD) e Manuel F. Castelhano (CDS).
  Tinha a ideia (ingénua?) que em Portugal se estava a revelar uma classe política, para a qual o poder tinha o sabor de Serviço Público e Realização Pessoal, ao exigir esforço tenaz e imaginação fértil, resiliência e sacrifício, insatisfação que nunca dá por finda a tarefa enquanto a felicidade não for generalizada, a injustiça esconjurada, a riqueza aumentada e repartida e aquela pequenina parcela do mundo que me foi de certa forma confiada, transformada e resplandecente.
  Tinha a ideia (ingénua?) que o poder local viria restituir às populações da Bendita, Pataias ou Montes, a esperança de que depende em parte da sua mobilização e vontade, o encerrar do ciclo do subdesenvolvimento ancestral, pois que todas são agentes a corpo e tempo inteiros, da caminhada para novas fronteiras.
  Tinha a ideia (ingénua) que a “Cidade” seria enfim o nosso devaneio e fantasia, uma história de fadas com varinha mágica, Branca de Neve ou Gata Borralheira, densa de significados que transcendem a mundanidade do contemporâneo, nas intermitências da nossa passagem pela História, saltando séculos num único salto. Tinha a ideia (ingénua, sim) que a “Cidade” seria o fim do esconderijo das ilusões, que passaria a resistir à devassidão da incúria, à perversão da ambição sem escrúpulos, à conversão de casas em ruínas na mira da especulação, estaria a coberto dos interesses de arquitetos (muito “sabedores”), empreiteiros e construtores civis, elaborando projetos inacabados, iconoclastas ou inconsequentes, que não seriam a antevisão do progresso, mas o pesadelo do porvir, com desamor à própria gente que dizem servir.
  O PREC deixou algumas “interessantes” mensagens, a que a CMA eleita em 12 de dezembro de 1976, não ficou de todo alheia.
  Dirão os leitores que, afinal, éramos simples, ingénuos e utópicos.
  Mas, enquanto autarca sem preparação específica, tive a perceção que, muito em breve, haveria necessidade de reciclagem técnica, disponibilidade e uso dos meios que a moderna tecnologia põe à disposição. A Associação Nacional de Municípios, o Centro de Estudos de Formação Autárquica, as instituições universitárias, viriam a ser as sedes ideais para a concretização desse up-grading de autarcas apressados, o meio para ultrapassar o atraso e poder avançar para novas e mais exigentes tarefas.
-MOTOR DE DESENVOLVIMENTO-
No quadro de uma nova ordem mundial, onde o poder público é convocado a agir em prol do desenvolvimento das matrizes económicas, onde a concorrência pelos investimentos escassos é crescente e se aprofundou o problema do desemprego estrutural, torna-se urgente os governos locais levarem a cabo políticas públicas e privadas que potenciem os fatores locais, transformando-os em vantagens competitivas.
  É a nível local que as consequências das falhas de mercado se apresentam mais percetíveis, tornando-se potencialmente a administração pública local num agente das mudanças, cabendo-lhe a responsabilidade de formular e implementar estratégias que tornem os seus territórios mais competitivos.
  A redefinição do papel do Estado, nas últimas décadas, tem assentado em premissas que parecem contribuir para a revalorização do Poder Local, embora entremeadas com propostas hipócritas de descentralização, que têm assumido contornos diferentes em cada caso e momento.
  Em abril de 1974, sabia-se que em Alcobaça quase tudo estava por fazer, águas, saneamento básico, estradas e arruamentos rurais, eletricidade (Serra dos Candeeiros) e não só. Tornava-se imperativo, fazer logo que possível o indispensável e foram a CMA e/ou as Juntas que enfrentaram desafios e garantiram o primeiro acesso a esses serviços.
  Num país pequeno, todavia, bastante desigual, onde cada região encontrava o seu ponto de partida com necessidades de investimento diferentes, os Governos Locais contribuíram para a correção de algumas desigualdades e assimetrias e deram aos cidadãos, o que se pode considerar esse primeiro acesso à democracia, a oportunidade de melhorar a qualidade de vida.
  O dealbar do século XXI trouxe nova realidade ao municipalismo. O País tem vindo a assistir a uma transformação no seu enquadramento jurídico e financeiro[1] [2] .
  A evolução económica e financeira de Portugal e da Europa, juntamente com os novos modelos de gestão, de regulação e de racionalização económica e financeira que têm vindo a ser implementados, motivaram um novo paradigma de governo autárquico e de políticas de base locais. O esforço de consolidação orçamental e de redução do défice a que os últimos Governos se têm comprometido, passou a impor um controlo mais apertado sobre os modelos de financiamento e os regimes de endividamento das autarquias. Se se consensualizar um paradigma de exercício autárquico, importa salientar que há um caminho enorme a percorrer no que concerne ao enquadramento legislativo e financeiro que deve assentar em pressupostos tão essenciais, como a estabilidade e previsibilidade legislativas evitando surpresas (anuais) com os Orçamentos de Estado e delimitar e hierarquizar as competências pelos diversos níveis de administração, defendendo o princípio da subsidiariedade. É fundamental que o Poder Local seja cada vez mais um agente de desenvolvimento e que esse papel seja reconhecido pelos outros níveis de Poder. Afinal, em cada território nasce a dinâmica que fortalece o Portugal que somos.
-REVENDO A HISTÓRIA-
No contexto de uma redefinição da importância dos poderes locais e regionais, e particularmente numa altura em que a própria noção de Poder Central se encontra em reajustamento a realidades supranacionais, importa não esquecer que o debate tem sido alvo de várias abordagens ao longo da História.
  (a)-Reavivado pelo 25 de Abril e pela experiência da integração na União Europeia, ressurgiu o debate sobre a Descentralização Administrativa em geral, e sobre o poder local, em particular.
  O modelo político-administrativo municipal, (reitera-se), constitui no quadro português uma das formas institucionais mais antigas e difundidas embora naturalmente diferentes, tendo atravessado os séculos e cruzado oceanos. Se é verdade que a autonomia municipal é uma realidade histórica, também o é que as suas características se alteraram significativamente.
  Como e onde surgiu o Município Medieval?
  A dificuldade da resposta decorre da indefinição da pergunta, ou seja, o que é o Município Medieval.
  Ao contrário dos modelos romano ou visigótico, não existe um único tipo de Município Medieval. De acordo com certos estudiosos, o modelo deriva do processo da Reconquista. Há um modelo inicial de concelho, adaptado depois às áreas que voltaram à posse cristã. Na fuga apressada, as populações de zona não totalmente abrangida pela ocupação muçulmana, ficaram desprovidas do que hoje chamaríamos quadros administrativos político-religiosos. Nas zonas desocupadas e que se desejava repovoar, a lógica era incentivar o estabelecimento das populações. Esta necessidade específica aquando da Reconquista terá sido aproveitada, desde logo, por D. Afonso Henriques e a Ordem de Cister.
  A estratégia seguida até, sensivelmente, D. Dinis, passou por conceder Cartas de Foral, contemplando as liberdades locais, sob supervisão régia.
Um Foral era, basicamente, um diploma jurídico que criava ou reconhecia um concelho e regulamentava a vida em comunidade, em particular o sistema de impostos, a administração da justiça e os direitos do povo.
  Herculano entende-os enquanto legitimadores de um poder pré-existente, referindo que se pode conceber a ideia “de município, das suas fórmulas e das suas magistraturas enquanto uma coisa tradicional”.
  Para o Historiador, comprovava-se através dos forais mais antigos, que se limitavam a “determinar até que ponto se estenderiam as garantias da nova comunidade, (…) as suas relações de direitos e deveres para com o Estado ou para com o senhor ou oficial da coroa, que no território da nova municipalidade representava o poder público” [1] .
  O poder régio conseguiu, deste modo, assegurar a ocupação de zonas reconquistadas ou escassamente povoadas, manter núcleos populacionais em zonas interiores difíceis, contribuindo para o início da demarcação de fronteiras entre Portugal e os Estados Ibéricos, sem esquecer dividendos políticos, a nível do equilíbrio de poderes entre Rei e Senhores. A política régia de fomento concelhio, aliada à especificidade da Reconquista, permitiu que não se verificassem no território português situações de conflito feudal, como sucedeu, por exemplo, em Castela e Leão ou, no caso mais extremo, em França, onde senhorios laicos e religiosos ultrapassavam, em larga escala, os domínios régios.
  Quando as fronteiras portuguesas estabilizaram [2] verificou-se que o crescimento dos concelhos se fez, mais do que pela orientação régia, em consonância com as especificidades históricas, sociais e geográficas, adaptando-se a múltiplos e circunstanciais fatores. Os condicionalismos sociais e históricos são fundamentais para a compreensão dos distintos modelos de povoamento, mas não totalmente destrinçáveis dos anteriores. Decorrem daqui as diferenças entre Norte e Sul, ainda bem demarcadas. No entanto, seria redutor limitá-las a meros condicionalismos históricos, o Sul, de tradição urbana remontando às ocupações romana e islâmica, e o Norte menos suscetível a domínios centralizadores. Em geral, Município coincide ou consiste no território ocupado por várias aldeias, que mantém algum grau de autonomia, ligadas a uma vila central. Na maioria dos casos, estas aldeias dependentes do centro municipal, derivaram de aglomerados habitacionais que tinham surgido como consequência de alguma pressão demográfica que se ia começando a fazer sentir. Analisando os forais, chega-se à conclusão de que a organização era bastante semelhante entre si. Os Concelhos acompanharam a formação territorial do Reino e, a partir do século XV, a expansão ultramarina. As Câmaras espalharam-se pelos novos territórios, embora de forma e com sortes desiguais, sem nunca deixar de representar, no Império, a ligação das partes com o todo. No Reino, entre os séculos XVI e XVIII, apesar do que pensaram e escreveram os liberais, o período da Monarquia Absoluta correspondeu ao de maior liberdade dos senados municipais e prestígio das elites locais.
  Herculano via o município da Época Moderna como uma sombra do Medieval, coincidente com a consolidação do absolutismo. É esse o período em que o poder concelhio se cristaliza nas mãos dos grupos oligárquicos locais, que os seus críticos creem que o sistema municipalista fará renascer.
  E [3] escreveu que “Em nosso entender, a história dos concelhos é em Portugal, bem como no resto da Espanha, um estudo importante, uma lição altamente profícua para o futuro; porque estamos intimamente persuadidos de que (…) a Europa há-de chegar a reconhecer que o único meio de destruir as dificuldades da situação que a afligem, de remover a opressão do capital sobre o trabalho, questão suprema a que todas as outras nos parecem atualmente subordinadas, é o restaurar, em harmonia com a ilustração do século, as instituições municipais. (…) A história da instituição e multiplicação dos concelhos é a história da influência da democracia na sociedade, da ação do povo na significação vulgar desta palavra, como elemento político”.
  Estas ideias parecem permitir concluir que Herculano, viu a centralização e modelo uniformizador como sinónimos de “tirania”, pelo que propôs uma solução apoiada nos Concelhos, enquanto núcleos descentralizados. Estes seriam a base para o desenvolvimento moral dos cidadãos, precursor do desenvolvimento material. Neste aspeto, as suas conceções colidiram com as de uma geração mais pragmática, que vê o desenvolvimento material imediato, como indispensável, dando origem a um debate público em meados do sec. XIX, com a oposição mais visível de António Pedro Lopes de Mendonça, defensor de um socialismo utópico e romântico, em linha com o pensamento de Proudhon. Não obstante a aplicação política do modelo defendido pela corrente deste último, as ideias municipalistas de Herculano tiveram efeito nas posições de alguns contemporâneos [4].
  Inconformado, não raras vezes, com o rumo do regime liberal, interveio na vida política entre o final da Guerra Civil e os primeiros tempos da Regeneração, tentando conciliar a insatisfação, com uma postura de respeito pelas instituições e pelo poder. Longe de constituir uma rápida pacificação da vida nacional, a vitória de D. Pedro, na Guerra Civil, prolongou um ciclo de instabilidade, que só terminou com a Regeneração.
  Herculano, estava de certo modo equivocado, pois o séc. XIX foi caracterizado por um gradual esvaziamento da autonomia local. A construção da ordem liberal não se pôde concretizar sem negociação com as antigas elites, mas o saldo final das reformas e códigos administrativos, traduziu-se numa progressiva centralização e diminuição do número de concelhos, extinção de mais de metade.
  Em 1836 foram extintos os Concelhos de Turquel e o de Alpedriz e em 1855 o Concelho de S. Martinho do Porto, depois de lhe terem sido anexadas em 1839 as freguesias de AlfeizerãoSalir do Porto e Serra do Bouro.
  O magno obstáculo decorria da dificuldade de ajustamento do “país real”, à realidade liberal. Longe dos grandes centros urbanos, a ideologia liberal pouco ou nada dizia à massa da população, obrigando à necessidade de centralizar o poder, de modo a permitir um controle efetivo por parte do Governo. A oposição à nova ordem é, fundamentalmente de âmbito local e das elites. No entanto, qualquer uma das correntes de resistência às medidas implementadas, acabou por ser mais circunstancial, do que concreta. As elites locais opunham-se pelas mesmas razões por que se opuseram às modificações tentadas com a Constituição de 1822, e assim continuarão até à Regeneração. A questão a nível local, afigura-se mais sociológica do que política, assentando em questões de tradição e oposição a mudanças radicais.
  Ao analisar a evolução da instituição municipal no século XIX, constato a gradual subordinação do poder concelhio face ao poder central, o que acarretou que alguns autores, falassem na crise dos municípios, que nunca correspondeu, todavia, a um abandono total das suas reivindicações, ainda que por parte dos setores políticos mais distintos.
  As abordagens em torno da evolução do municipalismo, são múltiplas. Em primeiro lugar, coloca-se a soberania. O Estado liberal é por norma uniformizador, enquanto o Estado Absoluto, em determinados momentos, permite um certo grau de autonomia.
Parece haver aqui um contrassenso. A autonomia regional promovida no Antigo Regime/até 24 de agosto de 1820 “vintismo”  [5], justificava-se como se referiu se se tiver em conta as dificuldades de comunicação, de gestão e a ausência de poderes intermédios relevantes.
  A ideia liberal de autoridade pública difere substancialmente da anterior, opondo-se à partilha de poderes específicos da sociedade de ordens e orientando a dinâmica em torno de uma sociedade de indivíduos. Nesta perspetiva o poder público deixa de estar partilhado, suprimindo-se (?), as desigualdades de nascimento, um dos suportes das oligarquias locais, passando a soberania a residir na Nação.
  O Estado Novo, reduziu as Câmaras Municipais a instituições de enquadramento e reprodução da ordem política e social, sendo necessário esperar pelo 25 de abril para que o regime reconhecesse às autarquias locais a sua autonomia, rejuvenescendo uma instituição que acompanhou a história do país e sobreviveu a diferentes regimes políticos.
  (b)-Eduíno Borges Garcia [6] informa conforme Viterbo que “Villa”, até fins do século XII, era uma pequena herdade, casal ou granja, constante de algumas peças de terra, com sua casa rústica e abegoaria, para recolher os frutos e criar os gados e outros animais domésticos…Desde o tempo de El-Rei D. Afonso III se começou a chamar Villa um lugar grande ou cabeça de concelho, na qual se decidiam as causas em primeira instância, e isto é o que hoje, em Portugal, dizemos Villa”. Assim e a título de exemplo, conforme o mesmo Viterbo citado por Garcia, “consta da sentença de 1496 que a Villa de Vale de Prados, em terras de Bragança, devia ter forca, picota e tronco, por ser Villa sobre si…
  Ora, ainda segundo Borges Garcia, o conceito de Villa para as catorze vilas dos Coutos, era o que teve início nos tempos de D. Afonso III.
  Durante a Idade Média o Pelourinho, popularmente designado também como Picota, era um dos principais símbolos da autonomia municipal, o privilégio municipal mais importante, a administração da justiça local.
  Consistia numa coluna de pedra colocada num lugar público da cidade ou vila em frente ao edifício da Câmara, para punição e exposição dos delinquentes. Muitos tinham, no topo, uma pequena “casa” em forma de guarita, feita de grades de ferro, onde os delinquentes eram expostos para a vergonha pública. Os presos ficavam amarrados às argolas e açoutados ou mutilados, consoante a gravidade do delito e os costumes da época. O pelourinho destinava-se em geral aos crimes menos graves, como o dos padeiros ou carniceiros que pela terceira vez fossem apanhados a cortarem no peso.
  Tinham também direito a pelourinho os grandes donatários, os bispos, os cabidos e os mosteiros, como prova e instrumento da sua jurisdição.
  Era um símbolo do poderio (absoluto) dos Abades do Mosteiro de Alcobaça, que as gentes humildes dos Coutos detestava, pois tratadas desumanamente e espoliadas, o que por algumas vezes implicou revoltas que ficaram famosas.
  Ao longo do País, depois de 1834, muitos pelourinhos foram destruídos pelos liberais que os tomavam como símbolos da opressão e tirania. Entre esses liberais não se encontravam apenas as incontroladas massas populares, mas também as vereações municipais.
  Admite-se que cada uma das vilas dos Coutos tivesse um Pelourinho, mas pelas referidas razões, poucos sobreviveram. Gustavo de Matos Sequeira no   Inventário Artístico de Portugal”, contabilizou como existentes e completos os de Santa Catarina, Aljubarrota, Cela, Maiorga, Turquel e Pederneira.
José Diogo Ribeiro, diz que viu algumas vezes o de Évora de Alcobaça. “Uma noite, porém, despedaçaram-no” [7].
  Manuel Vieira Natividade, escreveu que “Da construção do pelourinho que ficava fronteiro aos aposentos do D. Abade, nada pudemos averiguar, apesar de muitas pesquizas” [8] . O último pelourinho de Alcobaça, foi mandado destruir em 1866, conforme informa Bernardo Villa-Nova [9] . Parece, todavia, que antes do século XV terá havido algumas execuções nos pelourinhos. Mas a partir daí, não há provas que tal sucedesse, pelo menos em relação às execuções capitais, que se faziam na forca, depois de o sentenciado ter sido exposto no pelourinho, para conhecimento do povo.
  Para alguns como Alexandre Herculano, o termo Pelourinho só começou a aparecer no século XVII, em vez do termo Picota, de origem popular. A partir dessa altura passou a ser fundamentalmente marco concelhio.
  Mas enquanto o Pelourinho representava o poder político e era local de exposição pública dos condenados, o Cruzeiro era símbolo cristão terminado em cruz e normalmente localizado no adro das igrejas e o Obelisco tem função comemorativa de um acontecimento histórico.
  Entende-se enfim, que nenhum monumento histórico pertence propriamente ao município em cujo âmbito jaz, mas sim à nação toda. Por via de regra, nem a mão poderosa que o ergueu regia só esse município, nem as somas que aí despenderam saíram dele só, nem a historia que transforma o monumento em documento é a historia de uma vila ou cidade, mas sim a de um povo inteiro[10]
-ESCOLA DE FORMAÇÃO CÍVICA-
O poder local tem permitido a participação das massas populares no exercício da administração local, aproximou homens e mulheres interessados no progresso da sua terra.
  Esse processo transformou o exercício do poder local num fator importante de formação cívica das populações, contribuiu para alargar a ideia de que os assuntos coletivos dizem respeito a todo o povo, que tem direito de participar, lhe sejam prestadas contas e decidir.
Resultado de imagem para escola  Assim foi a Revolução de Abril, com a constituição de movimentos populares especialmente no PREC, nem sempre ingénuos e frequentemente só voluntaristas, que compreenderam a destituição dos representantes locais do regime deposto, o desmantelamento do aparelho administrativo, a eleição e designação das CA/Comissões Administrativas para as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, a criação de Comissões de Moradores e outras entidades de participação popular, o trabalho voluntário e entusiasta, que viabilizou ou pelo menos tentou, a realização de necessidades básicas. Esta pulsão acarretou que os Governos e os partidos do Arco do Poder pensassem, depois, que o poder local era obstáculo ao propósito de criação de um Estado centralizado.
  Bem poderiam/poderão as autarquias locais, na sua expressão mais genuína, constituírem-se no eixo fundamental da recuperação do País, neste século XXI. Mais do que isso, erguerem-se, como espaço privilegiado de afirmação, compreensão e de estímulo ao aprofundamento da democracia, em que os direitos políticos, sociais e culturais são golpeados. Nas aldeias mais recônditas surgiu a ambicionada eletricidade e com ela o contacto com o Mundo. Captaram-se águas que começaram a ser distribuídas domiciliariamente, onde nem fontanários existiam. Multiplicaram-se redes de saneamento e rasgaram-se estradas e caminhos. Os lugares aproximaram-se e os portugueses deram-se as mãos para preparar a “Grande Festa” do desenvolvimento e da conquista da dignidade.
  Poderia/poderá o poder local constituir-se como instância de construção de novas afirmações, valores e identidades, nos diversos contextos donde emana, promovendo os fundamentos de transformação social e viabilizando uma outra perceção do mundo e das coisas, libertos do determinismo das inevitabilidades proclamadas?
-UM CASO QUE SALAZAR “NÃO PERDOOU” -
A Revolução de Abril devolveu a democracia a Portugal, depois de quarenta e oito anos de regime autoritário.
  Antes de 1974, o país vivia sob a supervisão da União Nacional/UN, pelo que os dirigentes políticos, desde o Governo aos deputados, aos presidentes e vice-presidentes das Câmaras Municipais, aos presidentes e vogais das Juntas de Freguesia, eram “nomeados”, dentro do partido único ou pelo menos com a sua anuência.
  No ano de 1946, em Alcobaça aconteceu um caso que contrariou esta prática.
Nascido em Alcobaça, o Dr. José Nascimento e Sousa dedicou grande parte da sua vida à medicina, em que se licenciara em Coimbra. Nacionalista e de pendor monárquico, a sua afinidade com o Estado Novo, levou-o, em 1942, a assumir a Presidência da Comissão Concelhia de Alcobaça da UN e, quatro anos mais tarde, a Presidência da Câmara Municipal. Cumpriu um curto mandato, de forma pouco relevante.
  Quando o Eng. José Carlos Costa e Sousa, que alguns alcobacenses ainda recordarão e que era um excelente contador de histórias, foi colocado depois da II Guerra nos Serviços Técnicos da Câmara de Alcobaça, houve quem o avisasse que vinha para uma “terra muito difícil”, onde Manuel da Silva Carolino, o Presidente da Câmara se “matava” e a “oposição ganhava eleições municipais” [11] .
  Em 2 de Janeiro de 1946 [12] tomaram posse, “no meio de grande expectativa quanto ao desempenho do seu múnus”, os membros da Câmara Municipal de Alcobaça, constituída por Dr. José Nascimento e Sousa/Presidente, João d’Oliva Monteiro, Dr. João Lameiras de Figueiredo, Joaquim Ferreira Gomes e Carlos de Oliveira, estes últimos reconhecidos republicanos e reviralhista,
  Como surgiu este acontecimento “inadmissível”, em que a oposição entrou maioritariamente na vereação, que deveria ser composta apenas por personalidades de confiança, aprovadas pela UN/União Nacional? Para o perceber, é necessário remontar à organização político-administrativa anterior ao 25 de Abril. A Câmara Municipal era, como hoje, o órgão colegial de gestão permanente dos assuntos municipais, composta por um Presidente e Vice-Presidente livremente nomeados pelo governo, e por vereadores, eleitos quadrienalmente pelo Conselho Municipal. O Presidente e Vice-Presidente nomeados pelo Governo, deveriam ser escolhidos, salvo circunstâncias excecionais, entre os munícipes do Concelho e de preferência entre os vogais do Conselho Municipal, antigos vereadores, antigos membros de comissões administrativas ou diplomados com curso superior. O Presidente da Câmara tinha como funções chefiar a administração municipal (órgão do concelho) e representar o Governo, de que era uma extensão, como Magistrado Administrativo. Isto é, o Presidente da Câmara, era simultaneamente, órgão do Município e órgão do Estado.
    A razão desta organização político-administrativa, segundo Marcelo Caetano, insere-se “na tradição da nossa administração municipalista, os juízes de fora, bem como na prática seguida com sucesso em países de regime democrático, como o Maire, em França, o Podestà, em Itália, o Bürgermeister na Alemanha, na Espanha o Alcalde”. O Presidente da Câmara era autoridade policial em Alcobaça, visto o comando local não estar cometido a oficial do Exército.
  O regime português, alegadamente, pretendia aliar a conveniência de uma ação rápida, desenvolvida por uma entidade responsável e de confiança, dentro de um conjunto coordenado e harmónico. Ora não foi o que então aconteceu em Alcobaça. Para grande surpresa do País, e da terra, o Conselho Municipal, escolheu vereadores da oposição. Para obviar este percalço, de péssimo exemplo, o Governo de Salazar ao fim de um ano demitiu os Presidente e Vice-presidente da Câmara, forçando uma nova escolha, desta vez a coberto de surpresas.
  O Dr. José Nascimento e Sousa, em Maio de 1946, imperturbável e inquebrantável corporativista, na qualidade de Presidente da Câmara, e em nome da Comissão Concelhia da União Nacional, ainda assim evocava em discurso a “(…) nossa inquebrantável fé nas doutrinas da Pátria, conduzida pelo Governo que tem à frente esse grande português cujo prestígio há muito ultrapassou as fronteiras do País e o impõe ao respeito e consideração do mundo: o Dr. Oliveira Salazar (…), e (…) o meu indefetível nacionalismo se enraíza e fortalece no muito amor que tenho à minha terra. (…) O povo do meu Concelho que hoje e sempre, com o entusiasmo que lhe dá a sua inquebrantável Fé, levanta-se e diz: Viva Portugal! Viva Carmona! Viva Salazar!” [13]
  Mas isso não evitou ser substituído pelo Dr. Júlio Frederico de Guimarães Biel.
-AS “FANTÁSTICAS” COMISSÕES ADMINISTRATIVAS DO P.R.E.C.-ALCOBAÇA-
O período pós 25 de abril (P.R.E.C.) foi marcante em Alcobaça, mas não deixou mazelas.
  Cumpre destacar a I Comissão Administrativa, presidida por Jorge Silvestre, assumidamente de esquerda, sem implantação popular, com uma postura, deliberações e tomadas de posição “fantásticas”, uma outra presidida por José Pinto, militante comunista sem carisma ou preparação, mas que gostava do lugar, que veio a ser destituída pelos movimentos populares que assaltaram a Câmara e a sede do PCP local, em julho de 1975. Estas C.A., foram muito bem apadrinhadas por Rocha e Silva, Governador Civil de Leiria. E sem esquecer a noite em que Cunhal ia sendo “apanhado à mão”, aquando do dramático comício de “desagravo” realizado no Pavilhão Gimnodesportivo de Alcobaça, no sábado dia 16 de agosto de 1975.
Resultado de imagem para a capital 30 de abril 1974  Este período foi, por mim, registado em “NO TEMPO DE SOARES, CUNHAL E OUTROS. O PREC TAMBÉM PASSOU POR ALCOBAÇA”, pelo que não vou voltar a referi-lo aqui. Pode ser consultado, todavia, na edição em papel ou flemingdeoliveira.blogspot.com
  Com altos e baixos, avanços e recuos, peripécia muita, algumas pícaras outras dramáticas, o 25 de Abril no seu período revolucionário (o mais exaltante), estendeu-se por mais de dois anos, o tempo que decorreu entre o golpe militar e a institucionalização do regime democrático e constitucional corporizado na CRP de 1976. Dada a complexidade da evolução do processo revolucionário político-militar, a Revolução de Abril, especialmente nos dois anos que vão do golpe militar à C.R.P. -Abril de 1976, funcionou a duas velocidades: pé no travão e acelerador a fundo. Não houve medidas revolucionárias planeadas por qualquer poder, antes foram impostas pelas circunstâncias e o seu balanço aproveitado pelo movimento revolucionário do povo e dos militares, em avanços reativos, de golpe e contragolpes. A natureza e característica colegial, plural e participada do Poder Local vertida nas leis originárias de atribuições e financiamento, no enquadramento jurídico do regime eleitoral, no princípio da autonomia são inseparáveis da dinâmica popular e transformadora inerente aos primeiros anos de vida das autarquias locais.
  Não se conclua que o empobrecimento democrático a que o Poder Local tem estado submetido ao longo de cerca de 40 anos, seja sinónimo de bloqueio a uma gestão participada.
  Mas também não se deve concluir, que a componente participativa está por si assegurada e realizada a partir das características e natureza do Poder Local. A participação, as expressões e objetivos que assume, decorrem de opções políticas, de conceções de exercício de poder.
  O que suponho se poder afirmar, com alguma segurança, é que o Poder Local e o seu enquadramento constitucional, favorece, promove e incentiva uma gestão participada.
-O “TEMPO” DE GONÇALVES SAPINHO-
Natural do Sabugal, fixou-se na Benedita na década de 1960, para dar aulas no Externato Cooperativo, depois de cumprir o serviço militar nos Açores.
  Em 1997, regressado ao PSD, de quem se havia desligado e com quem nem sempre teve fácil relacionamento, G. Sapinho foi eleito Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, vencendo naturalmente Miguel Guerra, embora enfraquecido e doente. Foi reeleito em 2005 com maioria absoluta (e pela 3ª e última vez).
  No ano de 2009, o PSD anunciou que G. Sapinho não se iria recandidatar por motivos de saúde. As eleições confirmaram Paulo Inácio, do PSD, ao tempo Presidente da Assembleia Municipal, como seu sucessor, o qual ainda se encontra no exercício de funções (3º e último mandato, iniciado com as eleições de 1 de outubro de 2017).
  Desde que abandonou a CMA, Gonçalves Sapinho passou grande parte dos dias em São Martinho do Porto, onde residia há alguns anos, mantendo como cargos as Presidências da Mesa da Assembleia Distrital de Leiria do PSD e o Conselho Fiscal do Instituto Nossa Senhora da Encarnação, que integra o Externato Cooperativo da Benedita/ECB.
  Nasceu em 28 de agosto de 1938 no Sabugal e faleceu em 9 de setembro de 2011.
  JERO escreveu que Sapinho [14] “(…) não teve unanimidade nas decisões que tomou ao longo dos seus três mandatos e foi alvo de críticas. Muitos alcobacenses continuam a não apreciar as alterações feitas pela requalificação urbana de 2005 e não esquecem o antigo jardim frente ao Mosteiro, que foi suprimido e substituído por um terreiro tido como próprio de uma abadia cisterciense. (…). Guardo de José Gonçalves Sapinho a memória de um presidente de Câmara de grande visão estratégica, de alguém que defendia Alcobaça até às últimas consequências e de uma pessoa que, não reunindo sempre consensos, fazia questão de deixar a sua marca na gestão do município. Porém, a imagem mais marcante que guardo é a de um homem da cultura e do ensino, que se transfigurava quando falava da sua experiência na escola. Na verdade, ele nunca deixou de se sentir um professor”.
  Nos 3 mandatos de Gonçalves Sapinho, em termos de património construído, fez-se mais no Concelho de Alcobaça que nos cem anos anteriores, passe o eventual exagero. Aliás, teve o cuidado de deixar uma lápide alusiva descerrada em cada momento das inaugurações.
  Entendo a requalificação urbana como trave mestra nas intervenções urbanas, permitindo (re)criar uma estética em função do desenho existente da “Cidade”.     A requalificação permite a revitalização das áreas mais antigas da “Cidade”, que correspondem normalmente aos centros históricos, e que se encontram em risco de decadência, de abandono e/ou de degradação.
  A requalificação urbana não se pode limitar a intervenções no centro histórico, mas também às áreas envolventes que se encontram sujeitas à ação do Homem. Os processos de reabilitação urbana dão resposta a um crescente número de objetivos, que vão para além da preservação do edificado e do espaço público, nomeadamente a integração de princípios sociais, culturais e de sustentabilidade.
  Através de um competente processo de planeamento, torna-se possível (re)qualificar a “Cidade”, tendo em conta as suas características físicas e os elementos simbólicos (humanos e naturais) que estabelecem sem ruturas a ligação cronológica com o passado e suscitam sentimentos de pertença, tornando-o mais atrativo, mas não o descaracterizando, com o objetivo de melhorar as suas condições de uso e fruição. Desse modo, ela sairá mais valorizada e competitiva, com vista à consolidação da identidade individual ou coletiva.
  O património entrou (definitivamente) nas preocupações políticas, culturais e sociais, visto o país e autarquias sentiram necessidade de preservar as suas identidades, contando alegadamente com a participação da população e das diversas entidades (públicas ou privadas).
  Tais preocupações contribuíram para que se elaborassem e adotassem procedimentos normativos que regulamentam o uso, proteção, defesa, conservação e promoção dos bens, costumes e tradições (património cultural) que caracterizam uma sociedade, ou seja, que identificam um território. Recorrer ao planeamento para reestruturar o traço urbano do centro histórico, sem privilegiar a participação da população nas tomadas de decisão, de modo a estruturar solução inovadora, coerente, sustentável, saudável e funcional, não evitou o desequilíbrio ou rutura entre o existente e o desejável. Ou seja, rompeu-se com o existente e não se encontrou o devido contraponto.
  No que respeita ao desenvolvimento da área urbana (central/histórica) de Alcobaça, como em breve se comprovou, não houve planeamento e ordenamento adequado tornando-a mais competitiva e invertendo a tendência de crescimento irracional e desajustado ao espaço disponível.
  A reabilitação urbana tem atualmente um papel central na revitalização da “Cidade” (conforme Hélder Pacheco, ilustre escritos portuense) contribuindo para o reforço da sua coesão e competitividade. A “Cidade” tem que se ajustar às condições relacionadas com a melhoria na qualidade de vida da sua população, bem como dos que aí se deslocam para trabalhar e, eventualmente, com os meros turistas. A dispendiosa e profunda intervenção levada a cabo em Alcobaça, nos mandatos de Sapinho, não foi aproveitada para a reorganização dos agentes locais e que os projetos de transformação constituíssem elementos de política urbana com indicações estratégicas para o desenvolvimento local. A intervenção se teve também como objetivo o desenvolvimento turístico, não trouxe melhorias económicas da área, e acarretou repercussões sociais negativas, como a expulsão da população.
  Se houve preocupação central com a recuperação do património físico urbano, tal não foi acompanhado com o entendimento de que o aspeto social e cultural era indissociável dessa preocupação.
  Não sou natural de Alcobaça, mas vivo e trabalho ali como Advogado há mais de 40 anos. Tenho amigos que vivem a “Cidade” com profundo sentimento, pelo que para eles (porque não para mim?) a “Cidade”, passe o lirismo que se segue (mas não a ingenuidade!), é um alerta pelo que muda e não devia mudar (nesse caso significaria destruição, esquecimento e quando não, desprezo) ou um brado de insatisfação pela inexistência, lentidão ou apagamento da mudança longamente ansiada. É a contradição entre o passado de onde partimos na aventura do percurso para onde habitam os nossos laços e o presente onde nos movemos na direção do apenas pressentido. A “Cidade “, abriga os segredos dos ontens, guarda as desilusões das perdas e as surpresas dos “imponderáveis”.
  Gonçalo Byrne, defende (pelo menos em tese) que “a reabilitação é uma resposta à “desabilitação” da cidade, uma perda de vida, sendo que a habilitação é definida como a ligação entre o corpo construído e a vida.”
Resultado de imagem para frases de aristóteles é o sinal  Podemos então concluir que para o Arquiteto (e em tese), a reabilitação surgiria, principalmente, como resposta a esta ausência de relação entre o espaço físico e a vida e deverá ter em conta o corpo da cidade, mas acima de tudo a sua base e os pressupostos inerentes, como fixar população, qualificar o espaço público, fomentando a sua partilha e convergência, uma vez que a cidade é feita pelas pessoas, sendo que a falta de interação destas com a arquitetura, retira-lhe a vida. Mas… mas não estou, de todo, identificado com J. Pedro Tavares [15] :
  (…) “Podem-se discutir as soluções. Todos os projetos, todas as opções, conceções, modelos e criações são sempre criticáveis e melhoráveis. É o caso do recente Projeto de Requalificação Urbana de Alcobaça Gonçalo Byrne/Falcão de Campos. Com mais ou menos pedra, com árvores e bosque ou sem eles (uma árvore cresce numa geração e corta-se numa noite), com cotas mais altas ou lançamentos mais baixos, com parque subterrâneo ou sem ele. E ainda bem que se discute, isso também é fruto dos tempos modernos. Que outro Arquiteto ou que outra Câmara foi tão aberta em relação a Alcobaça e a convocou tantas vezes para expor, explicar e recolher opiniões?! Pode ouvir a todos que se queiram expressar? Pode. Pode atender a todos? Claro que não, muitos até são contraditórios. Pode tentar a melhor convergência e a melhor integração, espacial e temporal? Pode e deve e é isso que ambos tentam, arquiteto e edilidade, em cenário complexo e em planos de execução, de aceitação e de implementação certamente difíceis. Detetar-se-ão erros? Possibilidades de melhoramento? Claro que sim, isso está sempre presente em qualquer trabalho, quanto mais em Projeto de tamanha sensibilidade e alcance. Podiam os caminhos ter sido outros, a solução gizada diferente, os custos mais contidos? Claro que sim, mas não necessariamente de muito maior valia” (…)
  Tavares invoca (à cautela suponho), o premonitório e lúcido comentário do alcobacense Arq. Gil Moreira: (...) “se esse espaço público (o Rossio) for esquadrinhado em função de interesses, que poderão até ser nacionais, mas não forçosamente locais; se não se lhe defende a dignidade, que se deverá expressar pelo convívio e pela coexistência entre as duas realidades culturais; então o Rossio corre o risco de voltar a ser uma "terra de ninguém". Virá a ser um novo terreiro, de luxo, onde os raros foragidos ou homiziados, que vinham procurar refúgio na sombra do marco do couto, serão substituídos por vagas de consumidores de cultura, atraídos pela valorização do monumento como objeto cultural, agora Mundial, e turístico, portanto altamente vendível. E o pior é que por este caminho, a agora Cidade, que tem vindo a delapidar o seu escasso património arquitetónico, nada mais terá a vender (culturalmente falando), que não seja o Mosteiro” (…) [16].
  Para reabilitar a cidade, seria preciso conquistar os jovens. E sinto falta de um comércio interessante nesses sítios que foram desabitados. Noutro dia, quando um Colega me perguntava (conhecendo mal Alcobaça) se havia excesso de turismo e eu responde: “O que há é falta de Alcobaça, não excesso de turismo.
  Porque vou ao Rossio e não vejo turistas (e poucos alcobacenses…), vou a uma esplanada e não vejo turistas (e ainda menos alcobacenses). O que falta é mais “Cidade” [17] .
  A paisagem é uma construção coletiva. Num momento de transformação acelerada sociedade, conhecer e gerir a paisagem, é respeitar uma identidade de enorme importância cultural e social e, como tal imperativo ético de perpetuação para as gerações futuras de um legado que nos define e nos une como seus habitantes.
-MAIS COMPETÊNCIAS, MAS…-
O Governo tem pretendido atribuir novas competências às autarquias, sem curar de apurar, devidamente, se elas permitem encontrar soluções que possam prestar melhor serviço público.
  Parece evidente que tal matéria deverá ser negociada por uma “grande coligação”.
  As autarquias não recusam, liminarmente, novas atribuições, mas terão de ser cautelosas, para que a um aumento de atribuições corresponda o respetivo financiamento. Os municípios (como os portugueses em geral) não estão interessados em que isto seja feito de forma aligeirada, atabalhoada.
  Os recursos humanos e financeiros constituem algumas das grandes preocupações dos municípios, pelo que a questão não é apenas financeira, e a ordem dos fatores é arbitrária.
  “O processo de descentralização fracassará se o Estado transferir atribuições e competências sem conferir aos municípios os meios necessários, humanos, equipamentos, financeiros para que eles possam exercer essas competências, mas fracassará também se desse processo de transferência de competências e de atribuições não resultar maior eficiência e eficácia na gestão dos nossos recursos e, pelo contrário, o Estado acabar por ficar com encargos que não tem depois condições de lhes dar continuidade”, defendeu António Costa.
  No caso da Educação, propõe-se que as autarquias, à semelhança do que já acontece na pré-primária e no ensino básico, construam edifícios, os mantenham e limpem, sirvam refeições e forneçam transporte. Sendo que uma autarquia poderá fazer melhor estes serviços, isso não resolve qualquer problema estrutural, outrossim pode criar novos entraves ao desenvolvimento local e regional, se não forem concomitantemente transferidos os recursos financeiros e humanos correspondentes.
  Não é pelo simples facto de as verbas para as escolas passarem a ser canalizadas através das autarquias, em vez de diretamente do ME, que as escolas passam a ter melhores resultados.
  E as competências políticas? Sem capacidade para intervir na programação curricular e na colocação de professores, a descentralização não será mais do que um transferir de responsabilidades, abdicação de competências administrativas. A definição curricular e o mapa docente, não podendo ser da competência exclusiva das autarquias, devem contar com a sua contribuição e estarem descentralizadas.
  Não entrevejo uma ideia consequente sobre um sentido para a educação, com exceção da constituição de agrupamentos de escola e a redução do número das chamadas unidades orgânicas.
  As ideias quando boas são, normalmente, metidas na gaveta ou ignoradas. Não se esqueça a contradição entre o que se diz e o que se faz e que o país está inundado de centralistas não assumidos que, quando confrontados com situações que podiam dar inícios ou passos de descentralização, imediatamente recuam.
  A descentralização tem sido prometida e discutida há décadas, sem resultados ou consequências. A sua ausência é profundamente negativa, tendo em conta os recentes incêndios de que resultou a prova (provada) que o Estado não é capaz de defender as populações. É desprezível que nos digam que todos somos culpados, porque isso é desculpabilizar todos, uma clara manobra para que tudo fique na mesma.
  Em meados de abril de 2018, entre o Governo e o PSD foi fechado um grande acordo sobre o dossier descentralização, no que reputo ser uma pedra angular da reforma do Estado. O Governo comprometeu-se a apresentar os cálculos específicos e parciais, concelho a concelho, no que diz respeito às verbas que passarão a ser transferidas do orçamento da administração local para as câmaras, acompanhando as novas competências. É assunto referente à estratégia de Portugal até 2030, período que atravessa três legislaturas. Este acordo vai servir (assim se espera), sobretudo, para fechar as verbas que vão acompanhar a passagem de novos poderes para as autarquias. Em causa está a entrega de 1,2 mil milhões de euros anuais às câmaras e a sua distribuição tem de pôr de acordo os 308 municípios, o Governo e o PSD.
  Além deste envelope financeiro, as câmaras vão passar a receber parte do IVA cobrado no seu território e mais receitas em sede de IMI, decorrentes do fim das várias isenções em vigor. Os dois partidos chegaram a um pacto, o que não acontecia desde 2006, quando assinaram conjuntamente um pacto para a justiça, o Governo liderado por José Sócrates e o PSD por Marques Mendes. O fechar deste acordo surgiu em simultâneo com a articulação, entre as duas forças políticas, da posição portuguesa para as negociações na União Europeia do quadro plurianual de fundos estruturais para a próxima década.
  Este ano de 2018 na sessão de abertura da 1.ª Cimeira das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto [18], Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu um processo de descentralização consensual e irreversível, um entendimento alargado sobre o quadro financeiro plurianual da União Europeia para o período 2021-2027 “uma descentralização que não só seja consensual como seja irreversível”. (…) “O passo que for dado tem de ser irreversível. Não pode depois depender de vicissitudes conjunturais, dos governos que mudam, da situação económico-financeira”. (…) “Quanto à governação, é bom que existam divergências e que existam alternativas. Sistemas sem alternativa são sistemas mortos ou risco de crise e conhecemos vários à nossa volta”, ressalvou, acrescentando que, “quanto a matérias essenciais de regime como estas, é bom que se vá o mais longe possível em matéria de entendimento e de decisão”.
  Admito que haja “algum” impulso descentralizador neste Governo, mas também que, como outros, venha a esmorecer perante os obstáculos. Entendo que há estruturas afetas ao poder central que não contribuem para a descentralização, como o Tribunal de Contas que ultrapassando o seu papel de revisor (oficial) de contas, arvora-se em avaliador das propostas que lhe chegam dos municípios.
  Se António Costa e Rui Rio estão de acordo, então executem-no, para que não seja só “mandar bocas” para os respetivos eleitores. A não ser que estejam só em tacticismos.
  Veremos onde nos levam o governo e a oposição.
  Bom, esperemos que não se fiquem pelas palavras, pois o que interessa como diziam os romanos é “res non verba”.
-EM FIM…-
Como trabalhei q.b., tenho os impostos em dia, não dependo de subsídios e até já tenho um bisneto (nasci, ainda o século passado não tinha chegado a metade), a posição sobre o Governo da República ou da minha Autarquia é, fundamentalmente, “façam o favor de governar bem, para sairmos da cepa torta”.
  Sei que não sou “expert” no tema Poder Local, mas suponho não ter teias de aranha na cabeça, nem palas nos olhos. Creio que o País precisa de uma Democracia repensada. Mas para evitar equívocos ou interpretações malévolas, acrescento, que se uma Democracia falhou, a solução não é voltar à “outra senhora”, outrossim aprofundá-la. Assim, façam o “favor de governar na medida do que é justo e de direito”, tendo como matriz o património cívico fundamental ao (re)lançamento do Estado Democrático.
Resultado de imagem para alcobaça centro histórico  Sou republicano que talvez com o envelhecimento, me tenho tornado mais rebelde e dificilmente compaginável com as estruturas políticas. Não tenho nada contra elas, exceto quando se sobrepõem táticas e estratégias ao interesse do país. Voto sempre. Nunca esquecerei essa grande (enorme) conquista. Sou defensor do Estado Social. A política sem dimensão social não vale nada. Gosto de elogiar, tenho muita pena de não poder elogiar mais. Sempre acreditei na pedagogia do elogio. Mas também é preciso censurar aquilo que está mal e, em Alcobaça, há razões para isso. A grande tragédia de Alcobaça foi esvaziar-se e, em muitos aspetos, cair na inação e na auto-implosão. Garanto não ser saudosista, e que sei que muito do que foi não voltará a ser mais. Abraço o progresso e o turismo. Mas temo a falta de memória. Sou pai e bisavô homem de hábitos, leitor compulsivo, amante de música e arte, de lembranças pueris, política, religião e futebol. Recordo os amigos e familiares que já não voltam e me levaram parte da alegria. Por uma única vez, pensei (re)trocar Alcobaça pelo Porto. Lisboa não, nada tenho contra a capital, entenda-se, mas sim contra o centralismo. Tenho amigos em Lisboa. Uma coisa é o povo de Lisboa, outra é o Terreiro do Paço O povo de Lisboa merece-me o maior respeito, ainda que seja demasiado benfiquista….
  Rejeito a ideia, que “pessoas importantes como nós” (que não precisam de forjar currículos académicos) não tenham capacidade para se pronunciarem sobre a sua terra ou o país. Uma República sem cidadãos na “res publica”, iça a bandeira ao contrário e ignora o que eles pensam. Não é preciso ser académico, deputado, antigo “jota” ou assessor, para pensar clara e correctamente.
  Basta haver consenso, bom senso e querer o bem comum.








 NOTAS AO TEXTO


















[1] Alexandre Herculano in História de Portugal-Lisboa.

[2]  O Tratado de Alcanizes cimentou a paz entre os reinos de Portugal e Leão e Castela. D. Dinis e Fernando IV assinaram, a 12 de setembro de 1297, o tratado que pôs fim a anos de conflito e definiu as fronteiras portuguesas. O Tratado de Alcanizes, estabeleceu Olivença como parte de Portugal. Em 1801, através do Tratado de Badajoz, denunciado em 1808 por Portugal, o território foi anexado a Espanha. Em 1817 a Espanha reconheceu a soberania portuguesa, subscrevendo o Congresso de Viena de 1815, comprometendo-se à retrocessão do território, o mais prontamente possível. Porém, até aos dias de hoje, tal não aconteceu, sendo ao que parece assunto encerrado.
[3] Alexandre Herculano in História de Portugal-Lisboa.
[4] António Pedro Lopes de Mendonça (Lisboa, 14 de nov. de 1826-Lisboa, 8 de out. de 1865), personalidade multifacetada, foi jornalista, romancista, dramaturgo e folhetinista português, que também se destacou como político/ativista social, defendendo um socialismo utópico e “romântico”, como forma de melhorar as condições de vida do proletariado. Escritor eclético e de causas, foi sobretudo como crítico literário que ficou na história da nossa literatura.

[5] -“Vintismo”, é a designação genérica dada à situação política que dominou Portugal entre agosto de 1820 e abril de 1823, caracterizada pelo radicalismo das soluções liberais e pelo predomínio político das Cortes Constituintes. O “vintismo”  iniciou-se com o pronunciamento militar do Porto em 24 de agosto de 1820, que conduziu à formação da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino e terminou quando a 27 de maio de 1823 D. Miguel encabeçou, em Vila Franca de Xira, a “vilafrancada” uma sublevação militar que levou à abolição da Constituição de 1822 e ao restabelecimento, ainda que mitigado, do absolutismo. As políticas vintistas eram avançadas para a época, sendo durante boa parte do século XIX português um elemento mobilizador e congregador da esquerda liberal que tentou, depois do termo da Guerra Civil, o restauro das soluções constitucionais de 1822.
[6] Eduíno Borges Garcia in Acerca dos Pelourinhos de Alcobaça.
Sobre Borges Garcia, cfr. Fleming de Oliveira in No Tempo de Gente “Importante” Como Nós e António Maduro.
[7] José Diogo Ribeiro in Aditamento às Memórias de Turquel.

[8] Manuel Vieira Natividade in Mosteiro de Alcobaça.
[9] Bernardo Villa Nova in Alcobaça Através do Arquivo da sua Câmara Municipal.
[10] Alexandre Herculano in Opúsculos -II, 51-52

[11] -Fleming de Oliveira in No Tempo de Salazar, Caetano e Outros.
Sobre José Carlos Costa e Sousa, cfr. Fleming de Oliveira in No Tempo de Gente “Importante” Como Nós” e No Tempo de Salazar, Caetano e Outros.
-flemingdeoliveira. blogspot.com.

[12] Jornal O ALCOA.

[13]Fleming de Oliveira in No Tempo de Salazar, Caetano e Outros.
-flemingdeoliveira.blogspot.com.

[14] Jornal Região de Cister.
Sobre JERO/José Eduardo Reis Oliveira, cfr. Fleming de Oliveira in No Tempo de Gente “Importante” Como Nós.

[15] J. Pedro Tavares, in Jornal Digital Tinta Fresca.
Sobre J. P. Tavares, cfr. Fleming de Oliveira in No Tempo de Gente “importante” Como Nós.

[16]J. Pedro Tavares, in Jornal Digital Tinta Fresca.


[17]  Conversa com um Amigo e Colega de Lisboa.

[18] -Discurso de Marcelo Rebelo de Sousa, registado em jornais.







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