quarta-feira, 22 de agosto de 2018

NO TENHO VERGONHA DA NOSSA HISTÓRIA


NO TENHO VERGONHA DA NOSSA HISTÓRIA

FLeming de OLiveira
-Na revista Sábado, de 16 de maio de 2018, João Pedro George, escreveu com empolgado estilo, extenso artigo sobre “coisas que nos incomodam e nos envergonham, coisas que provocam náuseas - pelo menos a mim - e envenenam a nossa vida coletiva”.
A que é que se estava a referir?
Ao debate que se estabeleceu em torno da proposta de um Museu das Descobertas ou dos Descobrimentos e à persistente Toponímia Colonial das nossas cidades.
-No recente 10 de Junho, Catarina Martins/ BE, havia criticado os discursos oficiais por continuarem a não reconhecer "a enorme violência da expansão portuguesa ", bem como a "história esclavagista, a responsabilidade no tráfico transatlântico de escravos" de Portugal, que esse reconhecimento "até podia ser num 10 de Junho ", concluindo, "mas ainda não foi hoje ".
-Existe, segundo o articulista de Sábado (que não conheço), uma controvérsia sobre o nome a dar ao eventual museu (não passa ainda de uma intenção no papel) que se pretende fazer em Lisboa sobre as viagens marítimas portuguesas.
Resultado de imagem para historia de portugalPerante a sugestão de que se chamasse “Museu das Descobertas” ou “Museu dos Descobrimentos”, de pronto surgiu, segundo assegura, “um berreiro exaltado” e vozes a clamar por um nome menos “comprometido”.
Sem querer, ao que assegura, desvalorizar a questão terminológica, George defende que a ideia do museu “salta por cima de coisas que estando inexoravelmente ligadas deverão ser resolvidas antes de mais nada. Refiro-me à toponímia colonial das nossas cidades”.
”Não faz sentido que o espaço público continue a ostentar nomes que pertencem ao imaginário do Império Colonial”.
Creio que as afirmações destas personalidades (seguramente haverá outras com idênticos sentimentos) permitem-me concluir, salvo o devido respeito, estar perante pessoas “complexadas” (embora suponha que George, não descende de alguém com a “profissão inaceitável de colonizador”) relutantes da própria identidade/origem, obcecadas pela prestação do politicamente correto que recria uma história exclusivamente negativa.
Os portugueses com exceção das ilhas atlânticas, aliás desérticas, não desdenharam a violência que à época implicava. Sabe-se que Afonso de Albuquerque foi um guerreiro arrojado, intrépido, não muito tolerante e os outros capitães de frotas e naus como Vasco da Gama ou Cabral, não devem ter sido mais tolerantes com o pessoal que comandavam e especialmente com o inimigo. Desde sempre e por natureza as operações de conquista são feitas pelo uso da força, normalmente impiedosa, não obstante o alibi da expansão de Fé. Eliminar os inimigos e a captura e uso de escravos, fez parte da nossa empresa ultramarina, como era usual e defendido ao tempo pela Cristandade e pelos países alegadamente mais civilizados.
Mas que dizer de D. Afonso Henriques, do Infante D. Henrique, do Santo Condestável, Serpa Pinto e tantos outros da nossa gesta continental ou ultramarina, que não se limitou ao sec. XIX?
O culto e mitificação dos heróis nacionais fez, faz e fará parte da cultura e da identidade da Nação. Portugal tem heróis, nas ações de conquista ou na resistência, fator de coesão, sobretudo quando são figuras importantes para a nossa identificação como Povo.
Reduzir a expansão portuguesa ao sec. XIX, a uma lista negra e a uma sucessão de abusos não é correto, nem sério. Creio que qualquer uma das personalidades suprarreferidas (concretamente George), tem conhecimentos que vão para além deste período.
A ideia de que a memória contemporânea dos povos, acerca da passagem dos portugueses, é totalmente negativa, só pode ser argumentada por quem nunca andou por essas paragens ultramarinas. Creio não ser o caso de George, se é que tem ido a Moçambique.
Bem sei que há memórias negativas, mas também as há positivas, bem como as mais ou menos neutras, se é possível referir assim. Note-se que não estou a dizer que os portugueses são aclamados por todo o mundo, mas tão-pouco são vilipendiados por todo esse mesmo mundo, concretamente nas antigas possessões de África, Índia e Ásia.
-Em 15 de Dezembro de 1897, Mouzinho de Albuquerque aportou em Lisboa recebido em apoteose, tendo direito a uma espécie de desfile triunfal pelas ruas da Capital.
No Porto, em janeiro de 1897 este militar foi entusiasticamente recebido, pois entendia-se que defendia o império dos “insaciáveis apetites estrangeiros”. A Estação de Campanhã encheu-se de gente para vitoriar o herói, agitando lenços brancos e bandeiras nacionais e o cortejo que se formou foi saudado com flores lançadas sobre Mouzinho. Na sequência de algumas receções solenes, na Associação Comercial do Porto recebeu uma Espada de Honra, desenhada por Teixeira Lopes.
Depois, iniciou um périplo pelas capitais da Europa, Londres, Paris, Berlim, onde, com grande divulgação mediática, fez palestras e colóquios bem saudados nas respetivas Sociedades de Geografia.
O nosso povo se era “estúpido, inculto e facilmente manipulado pelos padres e caciques”, nele incluíam-se muitos pro-república. Reconhecimento público não deixou também de ter Alves Roçadas, pelas suas campanhas em Angola.
George louva-se, ao que creio, de ser republicano, democrata e apto a interpretar a História, pelo que eu apreciaria saber o que pensa das afirmações de Afonso Costa, também republicano e democrata, sobre o direito do povo português a expressar a sua vontade, que não teve reservas em mobilizar para África e Europa, com o objetivo de assegurar a defesa do Império.
Se querem fazer eleições com analfabetos, façam-nas os senhores (Evolucionistas) porque eu quero faze-las com votos conscientes. (…) Indivíduos que não conhecem os confins da sua paróquia, que não têm ideias nítidas e exatas de coisa nenhuma, nem de nenhuma pessoa, não vem ir à urna, param não se dizer que foi com esses carneiros que confirmamos a República”.
Esses indivíduos eram quatro milhões e meios de portugueses, quatro quintos do País, como saberá George.
-Quando já quase toda a Europa tinha descolonizado, neste retângulo ainda se falava, como verdade indiscutida, do “Ultramar” e do “Portugal do Minho a Timor”.
O Estado Novo, prosseguindo o enquadramento colonialista e republicano (recorde-se mais uma vez a participação de Portugal na I Guerra), pretendeu dar a essa expansão a característica de “santidade” civilizacional, e usou Os Lusíadas, como bíblia escolar. A minha geração deve ter sido, mesmo, a última que foi inundada por uma historiografia apologética/romântica, de que muita da estatuária construída é expressão, tal como a Toponímia.
Mas quanto à colagem das Descobertas, exclusivamente ao Estado Novo, considero-a um exagero fácil de desmontar, mas que aqui não posso (por falta de espaço) ir mais longe.
O mundo nunca mais seria igual depois de as caravelas portuguesas sulcarem o Atlântico e derrubarem velhos mitos. No início do século XV, o mundo estava compartimentado e muitas civilizações viviam fechadas sobre si próprias. A conquista de Ceuta, e a passagem do Cabo Bojador, fizeram de Portugal, com lágrimas e dor, o pioneiro da Expansão Europeia, movimento que se tornou imparável e irreversível. Outras civilizações tinham galgado os seus limites originais e alargado muito a sua influência ou mesmo o seu domínio, adquirindo até configurações intercontinentais, como sucedera na Antiguidade com o Império de Alexandre e depois com o dos romanos, e mais tarde com o Califado e o Império Mongol.
Nenhum destes movimentos, que chegaram a parecer imparáveis e avassaladores, conseguiu persistir. 
Resultado de imagem para paineis de nuno gonçalves-Desde então pelo menos, Portugal apresentou-se ao Mundo como País dos Descobrimentos. A nossa aventura foi fantástica tendo em conta o esforço feito por um pequeno povo, e de poucos recursos. Constitui uma arrogância histórica, se não mesmo atavismo, fazer juízos de valor sobre atos cometidos à luz de conceitos e princípios bem distantes dos de hoje.
Uma coisa é reagir a crimes cometidos, quando já vigoravam padrões de valores civilizacionais muito próximos dos atuais (p.e. o Holocausto ou o Estado Novo, salvaguardadas as devidas proporções), outra é procurar episódios de um passado, assumindo culpas (à luz dos princípios de hoje). Por essa ordem de ideias, estariam Catarina Martins ou João George, um destes dias, a pedir contas ao Estado Português pela brutalidade das Invasões dos Vândalos, a Reconquista, ou a Inquisição.
Para Portugal, as Descobertas foram mesmo descobertas, de terras e de gentes que dominou, por muito que, aqui ou ali, pudesse ter havido práticas compulsivas.
Reconhecendo isso, não prescindo de relevar o caráter fantástico e pioneiro da empresa das navegações e da gesta ultramarina, no que tiveram de avanço para o conhecimento e abertura do mundo. O mundo mudou, irreversivelmente, sob o impulso de Portugal, o que gerou progressos científicos, enriquecimentos culturais.
Somos, enquanto povo, o somatório dos vários segmentos sucessivos da nossa História. No terreno colonial, Portugal não obstante alguns matizes próprios, seguiu um padrão comum aos “evoluídos e civilizados” conquistadores europeus, não só no sec. XIX. Foi o que foi e assim deve ser estudada, entendida e exposta, com transparência histórica. 
-Eduardo Lourenço escreveu não compreender a necessidade de "crucificar " o País por causa do seu passado colonizador, sublinhando que não houve maldade na génese e que o mal feito já não pode ser reparado.
-Num trabalho sério em torno do passado, importa não esconder nenhum aspeto da verdade, devendo, contudo, haver preparação para que essa leitura esteja de acordo com as diversas perspetivas temporais, também elas decorrentes da experiência temporal de cada um. Não é o caso do artigo de George.
-Há gente que renega a História (não faço a injúria de dizer que é o caso de George), na impossibilidade de a apagar como ocorre no livro “1984”, romance de George Orwell, que ficciona o quotidiano de um regime político totalitário e repressivo, que mudava fatos históricos capazes de incomodar o sistema, a literatura histórica era reescrita, enfim, os factos manipulados.
Citando João Pedro George. "Nada me dá mais prazer do que irritar aqueles que se acham mais cultos que a maioria".












Sem comentários: