-Existe, segundo o articulista de
Sábado (que não conheço), uma controvérsia sobre o nome a dar ao eventual museu
(não passa ainda de uma intenção no papel) que se pretende fazer em Lisboa
sobre as viagens marítimas portuguesas.
Perante a
sugestão de que se chamasse “Museu das Descobertas”
ou “Museu dos Descobrimentos”, de pronto surgiu, segundo assegura, “um berreiro exaltado” e vozes a
clamar por um nome menos “comprometido”.
Sem querer,
ao que assegura, desvalorizar a questão terminológica, George defende que a ideia
do museu “salta por cima de coisas que estando
inexoravelmente ligadas deverão ser resolvidas antes de mais nada. Refiro-me
à toponímia colonial das nossas cidades”.
”Não faz sentido que o espaço
público continue a ostentar nomes que pertencem ao imaginário do Império
Colonial”.
Creio que as afirmações destas personalidades (seguramente
haverá outras com idênticos sentimentos) permitem-me concluir, salvo o devido
respeito, estar perante pessoas “complexadas”
(embora suponha que George, não descende de alguém com a “profissão inaceitável de colonizador”)
relutantes da própria identidade/origem, obcecadas pela prestação do
politicamente correto que recria uma história exclusivamente negativa.
Os portugueses
com exceção das ilhas atlânticas, aliás desérticas, não desdenharam a
violência que à época implicava. Sabe-se que Afonso de Albuquerque foi um guerreiro
arrojado, intrépido, não muito tolerante e os outros capitães de frotas e
naus como Vasco da Gama ou Cabral, não devem ter sido mais tolerantes com o
pessoal que comandavam e especialmente com o inimigo. Desde sempre e por
natureza as operações de conquista são feitas pelo uso da força, normalmente
impiedosa, não obstante o alibi da expansão de Fé. Eliminar os inimigos e a
captura e uso de escravos, fez parte da nossa empresa ultramarina, como era
usual e defendido ao tempo pela Cristandade e pelos países alegadamente mais
civilizados.
Mas que
dizer de D. Afonso Henriques, do Infante D. Henrique, do Santo Condestável,
Serpa Pinto e tantos outros da nossa gesta continental ou ultramarina, que
não se limitou ao sec. XIX?
O culto e mitificação dos heróis nacionais fez, faz e fará
parte da cultura e da identidade da Nação. Portugal tem heróis, nas ações de
conquista ou na resistência, fator de coesão, sobretudo quando são figuras
importantes para a nossa identificação como Povo.
Reduzir a expansão portuguesa ao sec. XIX, a uma lista
negra e a uma sucessão de abusos não é correto, nem sério. Creio que qualquer
uma das personalidades suprarreferidas (concretamente George), tem
conhecimentos que vão para além deste período.
A ideia de que a memória contemporânea dos povos, acerca da
passagem dos portugueses, é totalmente negativa, só pode ser argumentada por
quem nunca andou por essas paragens ultramarinas. Creio não ser o caso de George,
se é que tem ido a Moçambique.
Bem sei que há memórias negativas, mas também as há
positivas, bem como as mais ou menos neutras, se é possível referir assim.
Note-se que não estou a dizer que os portugueses são aclamados por todo o
mundo, mas tão-pouco são vilipendiados por todo esse mesmo mundo,
concretamente nas antigas possessões de África, Índia e Ásia.
-Em
15 de Dezembro de 1897, Mouzinho de Albuquerque aportou em Lisboa recebido em
apoteose, tendo direito a uma espécie de desfile triunfal pelas ruas da
Capital.
No Porto, em janeiro de 1897 este militar foi
entusiasticamente recebido, pois entendia-se que defendia o império dos “insaciáveis apetites estrangeiros”. A
Estação de Campanhã encheu-se de gente para vitoriar o herói, agitando lenços
brancos e bandeiras nacionais e o cortejo que se formou foi saudado com
flores lançadas sobre Mouzinho. Na sequência de algumas receções solenes, na
Associação Comercial do Porto recebeu uma Espada de Honra, desenhada por
Teixeira Lopes.
Depois, iniciou um périplo pelas capitais da Europa,
Londres, Paris, Berlim, onde, com grande divulgação mediática, fez palestras
e colóquios bem saudados nas respetivas Sociedades de Geografia.
O nosso povo se era “estúpido,
inculto e facilmente manipulado pelos padres e caciques”, nele incluíam-se
muitos pro-república. Reconhecimento público não deixou também de ter Alves
Roçadas, pelas suas campanhas em Angola.
George louva-se, ao que creio, de ser republicano,
democrata e apto a interpretar a História, pelo que eu apreciaria saber o que
pensa das afirmações de Afonso Costa, também republicano e democrata, sobre o
direito do povo português a expressar a sua vontade, que não teve reservas em
mobilizar para África e Europa, com o objetivo de assegurar a defesa do
Império.
“Se querem fazer
eleições com analfabetos, façam-nas os senhores (Evolucionistas) porque eu quero faze-las com votos
conscientes. (…) Indivíduos que não
conhecem os confins da sua paróquia, que não têm ideias nítidas e exatas de
coisa nenhuma, nem de nenhuma pessoa, não vem ir à urna, param não se dizer
que foi com esses carneiros que confirmamos a República”.
Esses indivíduos eram quatro milhões e meios de portugueses,
quatro quintos do País, como saberá George.
-Quando já quase toda a Europa
tinha descolonizado, neste retângulo ainda se falava, como verdade
indiscutida, do “Ultramar” e do “Portugal do Minho a Timor”.
O Estado
Novo, prosseguindo o enquadramento colonialista e republicano (recorde-se mais
uma vez a participação de Portugal na I Guerra), pretendeu dar a essa
expansão a característica de “santidade”
civilizacional, e usou Os Lusíadas, como bíblia escolar. A minha geração deve
ter sido, mesmo, a última que foi inundada por uma historiografia
apologética/romântica, de que muita da estatuária construída é expressão, tal
como a Toponímia.
Mas quanto à colagem das Descobertas, exclusivamente
ao Estado Novo, considero-a um exagero fácil de desmontar, mas que aqui não
posso (por falta de espaço) ir mais longe.
O mundo nunca mais seria igual depois de as caravelas
portuguesas sulcarem o Atlântico e derrubarem velhos mitos. No início do século
XV, o mundo estava compartimentado e muitas civilizações viviam fechadas
sobre si próprias. A conquista de Ceuta, e a passagem do Cabo Bojador,
fizeram de Portugal, com lágrimas e dor, o pioneiro da Expansão Europeia, movimento
que se tornou imparável e irreversível. Outras civilizações tinham galgado os
seus limites originais e alargado muito a sua influência ou mesmo o seu
domínio, adquirindo até configurações intercontinentais, como sucedera
na Antiguidade com o Império de Alexandre e depois com o dos romanos, e mais
tarde com o Califado e o Império Mongol.
Nenhum
destes movimentos, que chegaram a parecer imparáveis e avassaladores,
conseguiu persistir.
-Desde
então pelo menos, Portugal apresentou-se ao Mundo como País dos
Descobrimentos. A
nossa aventura foi fantástica tendo em conta o esforço feito por um pequeno
povo, e de poucos recursos. Constitui uma arrogância histórica, se não
mesmo atavismo, fazer juízos de valor sobre atos cometidos à luz de conceitos
e princípios bem distantes dos de hoje.
Uma coisa
é reagir a crimes cometidos, quando já vigoravam padrões de valores
civilizacionais muito próximos dos atuais (p.e. o Holocausto ou o Estado
Novo, salvaguardadas as devidas proporções), outra é procurar episódios de um
passado, assumindo culpas (à luz dos princípios de hoje). Por essa ordem de
ideias, estariam Catarina Martins ou João George, um destes dias, a pedir
contas ao Estado Português pela brutalidade das Invasões dos Vândalos, a Reconquista,
ou a Inquisição.
Para
Portugal, as Descobertas foram mesmo descobertas, de terras e de gentes que dominou,
por muito que, aqui ou ali, pudesse ter havido práticas compulsivas.
Reconhecendo
isso, não prescindo de relevar o caráter fantástico e pioneiro da empresa das
navegações e da gesta ultramarina, no que tiveram de avanço para o
conhecimento e abertura do mundo. O mundo mudou, irreversivelmente, sob o impulso de
Portugal, o que gerou progressos científicos, enriquecimentos culturais.
Somos, enquanto
povo, o somatório dos vários segmentos sucessivos da nossa História. No
terreno colonial, Portugal não obstante alguns matizes próprios, seguiu um
padrão comum aos “evoluídos e
civilizados” conquistadores europeus, não só no sec. XIX. Foi o que foi e
assim deve ser estudada, entendida e exposta, com transparência
histórica.
-Eduardo
Lourenço escreveu não compreender a necessidade de "crucificar " o País por causa do seu passado colonizador,
sublinhando que não houve maldade na génese e que o mal feito já não pode ser
reparado.
-Num trabalho sério em torno do
passado, importa não esconder nenhum aspeto da verdade, devendo, contudo, haver
preparação para que essa leitura esteja de acordo com as diversas perspetivas
temporais, também elas decorrentes da experiência temporal de cada um. Não é
o caso do artigo de George.
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