Alberto Silva era, há
16 anos, porteiro no Liceu (…). Usava a respetiva farda com tranquila
satisfação, pois com o boné era um símbolo das funções que exercia, e sem ela quando
ia para casa, sentia a impressão de não estar suficientemente vestido. Era
alto, seco, grave e digno. Se não se confundia com o Reitor, assemelhava-se
pelo menos a um ator da velha escola, especializado em papéis de “época”, do género representado, no
Teatro D. Maria. Tinha tato, firmeza e segurança. O seu caráter era inatacável.
Um
dia, foi-lhe solicitado assinar um documento e, perante espanto de todos, fê-lo
sem ler, de cruz. Afinal, o porteiro do
Liceu não sabia ler nem escrever. O padre da sua paróquia sabia disso e dizia-lhe
mesmo que “não fazia mal, pois que havia
demasiada instrução no mundo”.
Mas
um porteiro analfabeto do Liceu (…), era coisa inadmissível, pelo que foi
despedido. A escola ficava numa ótima zona residencial e os alunos eram filhos
de gente importante e de bom tom. Foi-lhe assegurado ter cumprido o trabalho de
modo absolutamente satisfatório, era tido no mais alto conceito, tanto pelo
caráter como pela capacidade. “Mas não
podemos nem devemos de modo algum arriscar-nos a algum acidente que poderia
acontecer em consequência da sua ignorância, o que é lamentável. Trata-se de
uma questão de prudência, assim como de princípio”.
Sem
saber o que fazer, com mulher e filhos em casa, não conteve um suspiro. Pôs
tudo em ordem, vestiu o sobretudo, e, chapéu na mão, percorreu o hall do
edifício. Saiu, fechou a porta, e encontrou-se a vaguear pelas imediações, absorto
em pensamentos, quando lhe apeteceu, desesperadamente, beber um café e um bagacinho.
Procurou, perguntou, mas não viu lugar onde pudesse abancar.
O
Liceu (…) situava-se numa rua comprida, com toda a espécie de comércio, mas não
havia uma casa onde se pudesse beber um café ou tomar um bagaço.
O
Sr. Alberto começou a trabalhar com doze anos, num pequeno restaurante lá da
terra. O cozinheiro tentou ensinar-lhe a ler, mas viu-se que não tinha muito
jeito para as letras. Nunca achou falta disso e entendia que muitos moços
desperdiçavam o tempo a ler, quando podiam perfeitamente estar “a fazer alguma coisa de útil”. Nunca teve
vontade de ler as notícias dos jornais. Nunca sentiu vontade de escrever uma
carta e vivia bem assim. A esposa era muito instruída e, quando precisava de
escrever uma carta, ela fazia-o por ele. Pensava “sou um
animal muito velho para aprender coisas novas. Há anos vivi sem aprender a ler
e a escrever, e, sem querer me elogiar, posso dizer que cumpri o meu dever
nesse estado da vida em que a Providência misericordiosa julgou de bem me
colocar, e, mesmo que pudesse aprender agora, acho que não me resolveria”.
Poupara
algum dinheiro. Não era suficiente para viver sem trabalhar. E a vida em
Portugal estava mais cara de ano para ano, embora Salazar e o ministro Ulisses
Cortez assegurassem o contrário. Nunca pensara que algum dia teria de preocupar-se
com tais problemas. Os
porteiros deste Liceu, como os Papas, eram vitalícios.
Com
o dinheirinho que tinha guardado para uma contrariedade e outro que pediu
emprestado, abriu um pequeno restaurante na terra, aonde regressou. A mulher
cozinhava muito bem e ele não era desajeitado de todo na “arte”.
Saiu-se
tão bem que, aproximadamente dentro de um ano, ocorreu-lhe que poderia fazer
obras e aumentar o espaço e a ementa muito portuguesa do restaurante.
Esta
decisão revelou-se um sucesso. A filha passou a colaborar no dia a dia, e foi
contratada uma mulher para servir à mesa e lavar a louça. Algum tempo depois
tinha-se transformado no dono de um dos mais afreguesados restaurantes da
região. Aos sábados e domingos constituíam-se filas de espera na ânsia de
arranjar mesa. Havia mesmo pessoas que vinham de longe. À segunda feira fechava
o estabelecimento e ia depositar a receita no banco.
Certa
manhã, quando estava a depositar um maço de notas e uma pesada bolsa de moedas,
o caixa do banco disse-lhe que o gerente desejava falar-lhe. A conversa ia no
bom caminho quando ao ver o Sr. Alberto assinar de cruz os documentos, o bancário
não queria acreditar que estava diante de um analfabeto. "O senhor não sabe ler nem escrever?
Espantoso! O senhor é hoje o que é, sem saber ler nem escrever! Já pensou no
que seria, se tivesse estudado?"
"Já", respondeu calmamente o Sr.
Alberto, "seria ainda porteiro no
Liceu (…) ".
Esta é uma história não
propriamente muito original e o tema tenho-o lido ou ouvido de várias maneiras.
Foi-me, porém, contada pelo neto do Sr. Alberto (este entretanto falecido), que
mantém o restaurante aberto, a cerca de 30km de Alcobaça.
Depois
de ter escolhido o título para este apontamento fiquei a pensar... Um título sem
criatividade, tão evidente, tão lugar comum e senso comuns, tão cliché. Depois
pensei. Mas afinal tão necessário, tão
urgente, tão essencial...
Uma
das melhores características do ser humano é a capacidade de planear. Traçar os
rumos do destino, fazer planos e sonhar com dias melhores, fixar metas,
idealizar como vai estar daqui a alguns anos, o que pretende fazer.
Sonhamos
com uma atividade profissional que dê uma vida confortável, possibilite manter
a família com dignidade, traga a estabilidade financeira e, se possível, o
reconhecimento social.
O
adolescente pode ver a escola como um celeiro de opções para escolhas
vocacionais, e mesmo não chegando a amar o ambiente escolar, consegue, todavia,
tirar dali algum proveito. Outrossim, vê a escola como um obstáculo para a vida
adulta e nesse caso vai achar que está a perder tempo e detestar a situação
compulsiva de ter que estudar.
Em
Portugal, alegadamente, tenta-se motivar o jovem para saber mais, criar e
produzir. É o seu dever. É o que seus pais e o país esperam dele.
A
leitura é um instrumento importante para desenvolver o pensamento, a linguagem,
o raciocínio e a personalidade. Foi essa mensagem que em menino colhi em casa de
meus Pais, “quem lê mais terá mais
facilidade para interpretar textos, coordenar e expressar ideias e desenvolver habilidades
em qualquer momento da vida”.
Bem
sei que as expectativas se frustram facilmente. Mas o caso do Sr. Alberto Silva
não passa de uma mera história, por cujo conteúdo não me responsabilizo de
todo.
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