Fleming de Oliveira
1995 foi o ano em que a luta pela preservação das gravuras
do Vale do Côa levou a melhor sobre a construção de uma barragem da EDP, pese
embora há muito conhecidas pelas pessoas da região, sobretudo os
pastores ou os moleiros que trabalhavam nas margens do rio. As gravuras do Vale do Côa, foram
identificadas pela primeira vez em 1991, pelo arqueólogo Nelson Rebanda, que
acompanhava a construção da barragem do Côa. Tornada pública em 1994, a
descoberta provocou forte discussão académica e popular pois, a construção da
barragem, provocaria a submersão da área.
Foz Côa fez manchetes do “Expresso”, exemplares que fui reencontrar no meu arquivo, agora em profunda
reestruturação. A primeira, ocorrida em fevereiro, assinalava que o “Último relatório da UNESCO admite afundar
Foz Côa”.
Nas ruas e não só, crescia um movimento contra a
barragem, a favor das gravuras. Gritava-se que “as gravuras não sabem nadar”, num slogan a partir do grupo
português “Black Company”, criador
do que é considerado o primeiro êxito do hip-hop português,
o tema “Nadar”.
Em abril escreveu-se “Foz Côa adiada sine die”. E duas semanas depois, Mário Soares,
Presidente da República, declarou ao “Expresso”
que “As obras devem parar”. Tendo
em conta a opinião dos especialistas sobre a importância artística e científica
das gravuras, o governo português decidiu abandonar a construção da barragem em
1996.
O assunto voltou à primeira página do
“Expresso”, em junho, quando noticiou
que EDP secará o Côa para os técnicos do IPPAR poderem estudar as gravuras, em
agosto, quando se soube da descoberta de utensílios paleolíticos na zona, e em
novembro, quando o novo Governo, encabeçado por António Guterres, realizou um
mini Conselho de Ministros em Foz Côa de modo a justificar a decisão de trocar
a construção da barragem pela criação do parque arqueológico.
Os sítios do Vale do Côa, constituem uma bastante rara
concentração de arte rupestre, datadas
do Paleolítico Superior (22.000 –10. 000 a.C.),
situada ao longo das margens do rio Côa. O Vale do Côa apresenta mais de 1.200 rochas,
distribuídas por 20.000ha. com manifestações, em que predominam as gravuras
paleolíticas.
Entre 2010 e finais de 2017, cerca de
19.000 pessoas visitaram o Parque
Arqueológico do Vale do Côa e tendo em conta que, desde 2018, a Arte do
Côa (que inclui o Museu e Parque Arqueológico do Vale do Côa) passou a integrar
o “Itinerário Cultural do Conselho da
Europa”, onde estão representados sítios tão relevantes como Lascaux,
Chauvet, Niaux (França), Altamira (Espanha) ou Valcamónica (Itália), foi
determinante para eu lá fazer uma visita, aliás não muito cómoda, por razões
óbvias. Eu, que tenho acompanhado, doravante apenas à distância mas com
interesse alguns desenvolvimentos do Vale do Côa, sugiro aos leitores uma
visita na primavera ou verão.
No ano
passado, arqueólogos puseram a descoberto a gravura de uma cabra montesa numa
placa de xisto com cerca de “apenas”
12.000 anos, A placa encontra-se
queimada e, segundo um amigo amante destes assuntos que já lá se deslocou
estudou o assunto e consultei, apresenta a representação dos quartos dianteiros
do que parece ser uma pequena cabra montesa, que segue um animal de maiores
dimensões, cuja cauda, curta e encurvada, sugere tratar-se de um veado ou de
uma cerva, mas ao qual falta a cabeça, graças à fratura do suporte. Estas
figuras exibem corpos muito geometrizados, são gravadas por incisão, e o seu interior
encontra-se preenchido por linhas igualmente incisas, a que os arqueólogos e
especialistas como o meu amigo chamam “preenchimento
estriado”.
O Vale do Côa é o único local no mundo a apresentar manifestações artísticas de diversos momentos da Pré-História, Proto-história e da História, sendo o mais importante conjunto de arte paleolítica ao ar livre até hoje conhecido.
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