VALEU A PENA
LEONEL FADIGAS
Há
uns tempos atrás um amigo meu perguntou-me se o 25 de abril tinha valido a
pena. Respondi-lhe, então, que, para mim, que já tenho idade para ter memória,
tinha valido a pena. E não apenas para mim e a minha geração, mas
essencialmente, para as gerações mais novas, para os que já tendo nascido
depois da revolução, podem hoje viver numa sociedade, aberta, com melhores
condições de vida, mais educação, mais saúde, mais esperança de vida, mais
oportunidades de realização pessoal. Sem terem de suportar um regime
autocrático, castrador, bafiento e que oferecia, à maior parte dos jovens, a
certeza de um serviço militar que os conduzia à guerra em África. As mulheres
essas, viviam com menos direitos que os homens, menos oportunidades de
trabalho, carregando sacrifícios que a moral e os costumes lhes impunham. As
professoras e as enfermeiras, por exemplo, necessitavam da autorização do
governo para se casarem e da autorização dos maridos para ter passaporte e sair
do país. Muitas delas, no entanto, saíram do país, clandestinamente, com os
maridos, ou para se lhes juntarem, para conseguir ter, com muito sacrifício e
trabalho, para lá dos Pirenéus, a vida digna que Portugal lhes negava.
Quase
50 anos depois do 25 de abril de 1974 muitos dos sonhos ainda estão por cumprir,
muito falta fazer para Portugal seja melhor para os portugueses. Mas poder
dizer isto que acabo de escrever sem correr o risco de ter a polícia política à
porta e a ameaça da prisão como castigo, já é uma razão para o 25 de abril ter
valido a pena.
Mas
o 25 de abril foi mais do que isto. Foi um mudar de tempo, um abrir de página
para uma realidade nova e o fecho de um ciclo histórico de séculos. A guerra de
África, que marcou os últimos treze anos do Estado Novo, foi o culminar de um
processo de redução de Portugal à sua dimensão europeia. Um processo que se
tinha iniciado nos finais do século XVI, com a perda progressiva de terras e
possessões no Oriente. A independência das colónias, consequência direta e um
dos fatores que contribuíram para a eclosão da revolução de 25 de abril de
1974, representou um momento de rutura que teve consequências políticas e
sociais que se prolongaram por décadas. A descolonização pôs fim às guerras que
Portugal mantinha em África e obrigou Portugal a voltar-se para o espaço
europeu que sempre lhe fora estranho. País de beira-mar, de costas voltadas
para uma Espanha com quem as relações eram de desconfiança, Portugal viveu
séculos para um espaço que tinha o Atlântico como suporte e o Índico como
continuidade. Agora, era uma nova geografia a descobrir, novas rotas a
percorrer, novas relações a estabelecer e a reforçar. Sem o 25 de abril, isto
não teria acontecido; mas o processo histórico da descolonização, que os países
europeus assumiram e aceitaram como uma inevitabilidade decorrente da II Guerra
Mundial, não se estancaria nas fronteiras das colónias portuguesas. Era uma
questão de tempo, como foi. Também por isto, por ter feito com que Portugal se
reencontrasse com a contemporaneidade que a história trazia consigo, e a que o
Estado Novo fechava as portas, o 25 de abril valeu a pena. Com ele chegou uma
sopro nova de energia, que gerou convulsões, turbulência, desânimo e esperanças
desmedidas, mas também oportunidades.
A
acalmação que se seguiu aos tempos tumultuosos de agitação política e social
foi, aos poucos, mudando o país; nas pequenas aldeias e nas grandes cidades.
Com novas infraestruturas, água, saneamento, até eletricidade, nas terras aonde
o progresso ainda não tinha chegado. E, por isso, tanta gente delas emigrou.
Mas também onde aparentemente havia tudo, mas quase tudo faltava. Quase 50 anos
depois, quem, como eu, viveu este período com entusiasmo, alegria, mas também
com ansiedade, contenção e um saudável olhar crítico sobre as coisas que
poderiam ter corrido melhor, os erros cometidos e as promessas por cumprir,
pode, mesmo assim, dizer que valeu a pena.
O
25 de abril valeu a pena porque nos permitiu viver este quase meio século num
regime político aberto onde a diversidade da sociedade que somos se exprime e se
organiza numa separação de poderes que garante a liberdade, a democracia e a
convivência social dos grupos e dos interesses diversos existentes. Ou seja, um
governo resultante da expressão livre da vontade dos cidadãos, iguais no
direito de exprimir as suas opiniões e convicções políticas e de, através do
voto, dar-lhes um sentido prático de escolha das políticas que esse mesmo
governo concretizar. Mas, sob o controlo e a fiscalização de um parlamento
plural que a todos representa, da opinião pública que a comunicação social
livremente expressa e dos tribunais que, com independência, garantem a
legalidade dos atos praticados.
Poder-se-á dizer que isto é pouco. E é. A
liberdade que tudo isso representa é essencial e imprescindível numa sociedade
que se queira plural e diversa, mas socialmente coesa e solidária. Mas não
chega. A isto há que acrescentar os direitos sociais, sem os quais os direitos
cívicos perdem valor e substância. A habitação, a saúde, a educação, o emprego
e o envelhecer com dignidade são também direitos fundamentais que o 25 de abril
permitiu e impõe que se façam cumprir.
Lutar
por estes direitos é continuar o legado do 25 de abril. Mais uma razão para ter
valido a pena.
1 comentário:
Boa tarde Dr.
Li com atenção o 25 de abril com o qual concordo em parte porque tudo o que o Sr. Doutor aponta como "mais valia" do 25 de abril, tal só foi possível com o 25 de Novembro.
Se o 25 de abril fosse cumprido à risca, estávamos agora num gulac qualquer na sibéria, Cuba, Koreia e outros paraísos...
Também sou da colheita de 1945. Servi em Angola, de 4 de Janeiro de 68 a 15 de Maio de 70 como Furriel. É nesse posto que me perfilo em sentido ante o "meu Alferes" e lhe faço a devida continência! No meu (nosso) tempo quem ia para Guiné era "castigo". Tenho enorme respeito pelos nossos "camaradas" das guerras da Guiné!
O meu nome verdadeiro é; Jerónimo Mendes, nasci em Viseu a 500 metros da Cava de Viriato e, como gosto da nossa gloriosa história (que os esquerdas odeiam) ando na net com o nik de Viriato de Viseu, como homenagem ao valoroso Chefe dos Lusitanos.
Nas horas vagas faço genealogias. Ando a fazer agora a genealogia de um amigo cujos avoengos eram de Salir de Matos e Valado de Alfeizerão. Em fevereiro/Março/Abril de 1811 verifiquei que houve muitas mortes, por vezes famílias inteiras em Alfeizerão. O que aconteceu? Pode informar-me?
Cumprimentos
Jerónimo Almeida Mendes
Silves
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