O MEU 25 de ABRIL
Rui Rasquilho
Prólogo
A oposição
portuguesa, em ebulição desde o início da década de 70, ganhou a 16 de Março de
1974 uma lufada de esperança e uma alegria incontida. Embora a coluna que saiu
nesse dia do quartel das Caldas da Rainha integrando o meu amigo e colega no
colégio de Porto de Mós, Vítor Carvalho, não tenha cumprido o seu objetivo, a
ocupação do aeroporto da Portela, bem se pode considerar um ensaio da
movimentação das tropas no dia 25 de Abril. Contou-me o tenente Vítor Carvalho,
conhecido nos meios castrenses por coronel Silva Carvalho, que retrocederam
para o RI.5 a 4km da portagem junto ao RA.LIS por indicação dos então majores
Monge e Casanova que os esperavam no terreno.
As saídas dos
quartéis também ocorreram, sobretudo em Lamego, Viseu e Mafra, sem
consequências, por prematuras. Os cabecilhas foram detidos na Trafaria sendo
depois libertados e conduzidos para o Cristo-Rei.
Todos os oficiais
participarão do 25 de Abril com funções definidas. Ao Vítor, o então tenente
Silva Carvalho, caberá a coordenação de forças no quartel general de São
Sebastião da Pedreira.
1º Capítulo
Às 6 da manhã de quinta-feira
dia 25 de Abril de 1974, eu e minha mulher fomos acordados pela casa a
estremecer e barulho intenso de motores diesel. Da janela contámos uma dúzia de
tanques e outros transportes de tropas.
Estava na rua a
materialização das canções código “E depois do adeus” e “Grândola vila morena”.
Soubemos logo depois que a coluna que descia para o rio era da Escola Prática
de Cavalaria de Santarém e o seu comandante era o jovem capitão Salgueiro Maia.
Só saímos para a rua,
proibida via rádio, à tarde e logo fomos para o Largo do Carmo, onde no
interior do quartel do comando geral da GNR estava Marcelo Caetano, que se
rendera ao general Spínola. Um mar de gente enchia o largo, mal se arredando
com a passagem da chaimite que conduzia o ex-presidente do Conselho de
Ministros. O veículo atravessou o imenso clamor da multidão.
2º Capítulo
Um PIDE a correr na
praça em frente à Santa Casa, agarrado e meio despido. Sempre o grito, o clamor
do povo lisboeta. Das janelas do escritório da censura voavam papéis, pedaços
de mobiliário. O autofalante de um rádio caiu sobre o nosso Mini. Fui mudá-lo
de sítio, operação difícil por via de tanta gente. Muito olhavam para ver quem
era o condutor. Eu já usava barba nesse tempo, era jovem e por isso, julgo eu,
lá retirei o carro.
Há uns anos o
Expresso trazia uma fotografia da Rua da República e lá estava o meu Mini
branco à mercê dos objetos voadores. Guardei este jornal tão bem guardado que
hoje lhe perdi o rasto.
3º Capítulo
Nós e vários amigos
fomos a Caxias para ver e saudar a saída dos presos políticos. Lá estava a
multidão que abanou, e não me lembro se virou, um Datsun conduzido por um PIDE
que tentou fugir deixando no carro a mulher e uma criança perfeitamente
aterradas. Valeram-lhe os militares.
De repente um
megafone berrou sobre a multidão: “Sr.
Rui Manuel Cordeiro de Vieira Rasquilho queira dirigir-se ao jeep junto à
entrada do edifício prisional.” Um susto! Mas fui saber o que me queriam.
Um alferes olhou para mim e comparou-me com a foto de um cartão que tinha na
mão. Era o meu BI. que nem dera conta de haver perdido.
Em Peniche os presos
também saíram, os políticos e os outros.
4º Capítulo
No dia 26 a PIDE é
desfeita na Rua António Maria Cardoso, não sem que fiel aos princípios causasse
quatro mortos e vários feridos. A liberdade tem sempre custos. O Estado Novo
perdia Portugal.
Recordo-me que no
dia 1 de Junho de 1973 há um contestado congresso dos combatentes no Porto.
Vagamente lembro-me de ter encontrado no Rossio o meu antigo capitão do tempo
da guerra no Uíge, que me mostrou um telegrama de oficiais de Moçambique
descontentes com a política. Talvez tenha sido uma reação do Dec.Lei 373/73 de
13 de Julho. Li eu e minha mulher o livro de Spínola – Portugal e o Futuro. O problema colonial agravava-se.
Lisboa foi então um
jardim de cravos vermelhos.
5º Capítulo
Na Faculdade de
Letras fui eleito para a Comissão Diretiva Paritária, tempos notáveis.
Conjuntamente com o Prof. Lindley Cintra segurámos o Curso de Português para
Estrangeiros a funcionar todo o tempo.
Estive sempre fora
de Alcobaça, a Lisboa só me chegavam ecos do processo local e das suas
contradições.
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