AINDA HÁ HOMENS DE
BARBA RIJA
Fleming de Oliveira
Gosto de colaborar com
o “Região de Cister”, o que acontece
quase a partir do momento em que saiu a público pela primeira vez. Nessa
altura, a apresentação gráfica era muito incipiente e os textos vinham com
inúmeras e desesperantes gralhas. Mas era um desafio estimulante.
Ao
tempo a sede, era perto do Centro de Emprego.
Bem
sei caro Senhor Diretor e pacientes Leitores, que este tipo de crónicas/
apontamentos periódicos a que aqui me dedico, são tão frágeis, como a pena que
esvoaça ao sabor da brisa do momento. São mesmo voláteis e salvo nas mãos de
persistentes guardadores de cacos, essas palavras fugidias, vadias mesmo,
assumem-se como restos ou ossos de um mundo em extensão, esfumam-se sem deixar
rasto e nem passam à história. São fogos-fátuos, calendarizados e temporais.
Por
isso, talvez a melhor maneira de lhes dar sentido de os não ver amarrados ao
passado e ao esquecimento onde amanhã jazem, é compilá-las e publicá-las em
livro.
Pode
ser que um dia me dedica a essa “tarefa
por coisa nenhuma”, se a minha Mulher não entender que é uma forma tola de
gastar dinheiro.
Naquela tarde encontrava-me
no supermercado junto às prateleiras que vendem artigos de barbear, enquanto a
minha Mulher andava na faina das compras.
Ele
aproximou-se devagarinho e de forma discreta, pondo-se de lado a olhar para mim,
como que estivesse na dúvida “se era eu
ou não”. Era um individuo com cerca de oitenta anos, de estatura mediana,
usando um casaco escuro de corte tradicional, usado, mas bem escovado e calçando
botas rurais. Depois de perceber que era mesmo eu, perguntou cautelosamente se
eu me recordava dele.
Na
verdade, embora a cara fosse vagamente conhecida, não fazia nenhuma ideia quem
era ele, mas todavia por uma questão de cortesia, retorqui que “sim, obviamente sabia muito bem quem era”.
Foi meu cliente, há anos, num assunto que não me deixou qualquer impressão
relevante.
Estabelecidos
estes laços de confiança, perguntou-me sempre delicada e cautelosamente se eu
lhe indicava um “creme” adequado a
sua barba e idade. Explicou que não estava habituado a fazer este tipo de
compras (é o filho que normalmente se encarrega disso) e até me adiantou a
marca muito conhecida que usa, “com um
preço muito em conta”, mas que embora já a tivesse procurado nas
prateleiras não encontrava.
Expliquei-lhe,
“doutoralmente”, que as espumas de
barbear estão divididas para peles sensíveis e para peles normais e não sabendo
o seu caso perguntei-lhe se me permitia que eu escolhesse.
Pensando
bem e tendo conta a sua aparência fisionómica, cara enrugada e algo
envelhecida, sugeri-lhe uma marca muito conhecida (que aliás não é a sua usual)
que anunciava uma hidratação de peles sensíveis.
Quando
lhe expliquei a minha opção e a característica do produto, o homem pareceu
ligeiramente aborrecido, retorquindo que “não
queria creme para mulher que não quer perder sinais de juventude, mas sim um produto para um homem de barba
rígida e de saúde”.
Engoli
em seco, disse que tinha razão balbuciei qualquer coisa de circunstância, mas
ele acabou por aceitar a minha sugestão.
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