quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Não precisava de ter ido a Coimbra

NÃO PRECISAVA DE TER IDO A COIMBRA…

FLeming de OLiveira


-Sempre que vou a Lisboa em trabalho ou sozinho, e tenho que ficar para a noite, vou jantar a esse snack-bar, pelo que sou, de certo modo, já conhecido. Fui lá, no dia do recente jogo Portugal-Irão, a contar para o Mundial de Futebol.
De dentro do balcão, vinha uma voz forte, num rosto congestionado pela comoção. A conversa, com um ajudante que ia empratando, era ouvida com indiferença ou sorrisos pelos circunstantes. Tratava-se do alegado "roubo " a Portugal de um penalti, aliás reclamado insistentemente por um Português (onde já se viu isto?), Carlos Queirós. 
Sentei-me ao balcão, e encomendei mecanicamente o jantar, sem olhar para a lista. De trás do balcão, sorridente e solícito, o empregado, furibundo, cumprimentou:
 Boa noite, senhor doutor ”.
Terminado o jantar, virou-se para mim com um
Senhor doutor, o costume? "
E para o lado para o ajudante:
"Tira aí uma bica curta em chávena aquecida, para o senhor doutor e uma nata ".
E acrescentou, acolhedor:
Estava tudo bem? "
O “senhor doutor”, que sou eu como perceberam os Leitores, estava com pressa de vir para Alcobaça, mas não resistiu à conversa cruzada que atravessava o balcão. Enquanto escorropichava a bica, saiu-me (imprudentemente):
"Aquilo, talvez tenha sido penalti ".
Ainda não tinha acabado a frase, já estava arrependido.
“Para que te metes aonde não és chamado? diz-me por vezes a minha Mulher, que sabe muito da vida, pois também foi professora durante muitos anos e lidou com meninos muito “sabidos”.
De dentro do balcão, feita súbita trincheira, o empregado empolgou-se nada discretamente 
"Penalti? Essa agora! Foi um roubo, uma vigarice, uma descarada! Queriam dar o jogo àqueles morcões? A FIFA é uma cambada de gatunos! E o Queirós não é menos, devia ter vergonha nas trombas".
Já sacudia as migalhas da nata no casaco, quando adiantei de forma supostamente salomónica:
"Cada um olha as coisas como lhe parece. Boa noite ".
Moedas deixadas sobre o balcão, fui embora. Gosto de ver um bom jogo de futebol na TV, mas não sou, nem de perto ou de longe, um entendido ou “doente”.
Foi então que ouvi, de trás da trincheira, fruto de uma comoção não contida:
"Ó senhor doutor! Para ver o que se passou, não precisava de ter ido a Coimbra! Vá mas é “multiópticas”".
-Admito, pelos olhares, de outros clientes e demais pessoal do restaurante, que terão pensado que o “senhor doutor”, é muito capaz de na próxima vez ir jantar a outro sítio.
“Afinal, não tem cada um direito a ter a sua opinião? Estamos num país livre…”, pensei para mim.
Já no carro e na autoestrada de regresso, ouvi pela rádio que para Queiroz só devia ter havido um vencedor claro: o Irão.
Resultado de imagem para universidade de coimbraSó um vencedor deveria ter surgido deste jogo e devia ter sido o Irão. Merecíamos ganhar. Sou um mau perdedor, orgulhoso, mas frustrado. Não estou de bom humor, como podem ver. Devia ter existido pelo menos mais um penálti contra Portugal, pelo menos um”.
Estamos num país livre sem dúvida, mas na dúvida vou à “multiópticas”, e não a Coimbra.
E, afinal, parece que o empregado do restaurante tinha razão, não foi mesmo penalti, e assim vou continuar a ir a este restaurante.







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