OS MAIAS NA ESCOLA
FLeming de OLiveira
Tenho que começar por fazer uma declaração de interesses.
Eça de Queiroz é, para mim, o grande
romancista, e OS MAIAS a sua obra-prima. Ainda nos meus tempos de estudante
pré-universitário, “devorei” OS
MAIAS, não apenas por obrigação, mas por devoção. Admito que, para isso, tenham
contribuído os meus Pais, que dispunham em casa de uma boa biblioteca (que
felizmente herdei em parte), e que fomentavam nos filhos a necessidade de
conhecer o que de bom e fundamental, existe na nossa cultura. Quando tive
lições de literatura com o Professor Óscar Lopes, recordo como me salientava a
qualidade dos textos queirosianos e a sua relevância para se saber escrever um
bom português.
Como já tenho dito e escrito, pertenço a
uma geração hoje considerada “inabilitada”,
do tempo em que se aprendiam as linhas de caminho-de-ferro (apeadeiros e
ramais), a ter boa caligrafia, as serras e rios (e afluentes), os Reis de
Portugal, não havia vergonha da nossa História Trágico-Marítima, se lia Camões,
tinha 2 anos de latim (para quem pretendesse seguir o ramo das Humanidades),
não havia máquinas de calcular, muito menos computadores, e que escrever bem
era um atributo muitíssimo importante para entrar e prosseguir no ensino
superior, no meu caso a Faculdade de Direito.
Mas hoje tenho visto Colegas e
Magistrados, sem dúvida juridicamente sabedores, cujo português escrito, não
será (muito) melhor do que o do meu neto de 16 anos, sem ofensa para este.
A obra OS MAIAS não vai,
afinal, desaparecer da lista de leitura para o ensino secundário, como o Ministério da Educação/ME chegou a propor!!!
As chamadas aprendizagens essenciais vão ser aplicadas
a partir do próximo ano letivo, num processo que começará, no caso do
secundário, pelo 10.º ano. Para o ME, se bem percebi, a definição destas aprendizagens,
que esteve principalmente a cargo das Associações de Professores (conheço mesmo
uma professora que ainda dará aulas por mais uns cinco anos e que diz que não
ensina Camilo, pois já não estamos em tempo de “amores de perdição ou salvação”), é necessária para resolver o
problema da “extensão” dos atuais
programas e permitir que seja fixado um “conjunto
essencial de conteúdos” que os alunos devem saber em cada disciplina.
Na anterior versão do ME, os documentos
propostos para a disciplina de Português, omitiam as obras de Eça de Queirós
que deveriam ser lidas no secundário, “referindo
apenas que os alunos teriam de ler um livro deste autor”.
O programa da disciplina, que ainda se
encontra em vigor, determina que a abordagem a Eça de Queirós, incluída na
matéria do 11.º ano, passa pela leitura de OS MAIAS ou A ILUSTRE CASA DE RAMIRES.
A
supressão de OS MAIAS na versão inicial apresentada do ME, deu origem a um coro
de protestos de académicos, pessoas cultas (onde não se encontravam
necessariamente políticos…), e professores talvez todos eles “inabilitados”.
Não foi apenas em relação a Eça que o ME
recuou. Nas listas de leitura apresentadas para o 10.º, 11.º e 12.º ano, voltam
a ser inscritas as obras de Almeida Garrett (o “teatral” FREI LUÍS DE SOUSA, Alexandre Herculano (O MONGE DE
CISTER) e Camilo Castelo Branco (os démodé amores de salvação e perdição), que
tinham desaparecido da versão inicial das aprendizagens essenciais, onde foram
substituídas por “escolher um romance”
de um destes três autores. Interrogo-me que romance camiliano aquela Senhora
Professora vai escolher…
A Presidente da Associação de Professores
de Português, justificou esta opção, com “a
necessidade de diminuir o número de obras propostas para leitura”, se permitir
“o alargamento das opções que podem ser
tomadas pelos docentes”, a quem ficaria entregue a escolha dos livros que
os alunos deveriam ler.
Também no 12.º ano, o ME desistiu de
retirar a abordagem ao conto, enquanto género literário. Na lista de leitura
para este ano de escolaridade voltam a estar incluídos contos de Manuel da
Fonseca, Maria Judite de Carvalho e Mário de Carvalho, que muito aprecio.
Nunca me assumi como uma pessoa
especialmente preparada para emitir opiniões nesta matéria, por isso subscrevo
ser "uma opção desejável, até por se
tratar de um género breve que os jovens nas sociedades de hoje privilegiam como
é possível constatar na blogosfera onde narrativas breves e micronarrativas
ocupam lugar de relevo”.
O ensino da literatura no nosso ensino secundário morreu
há muito tempo!
O medo, o comodismo, a
falta de cultura literária (mesmo de alguns “docentes” como referi), os exames nacionais, o ensino “sebenteiro” deram cabo do gosto pela
leitura. O ME assiste impávido e sereno a este enterro, piscando à direita e à
esquerda, sorrindo de soslaio para uma corte de acríticos que seguem atrás do “defunto”.
Se o facto
permitir/impor que Os Maias sejam lidos na Escola, tudo bem, embora haja coisas
que quando se tornam oficializadas ou obrigatórias desenvolvem um efeito
perverso ..., pelo que se a minha opinião ou vontade valessem alguma coisa,
gostaria muito mais que a leitura decorresse de um gosto cultivado.
É bom salientar quando
o bom senso prevalece. Mas ainda bem que houve toda esta dinâmica.
Claro que o português
terá liberdade para ao longo da vida ir escolhendo as suas leituras (10% dos
alunos do ensino secundário nunca leram um livro do princípio ao fim, e os pais,
como é usual dizerem, não têm tempo para essas futilidades…) mas, para base do
ensino secundário, aconselharia que a escolha não fosse volátil.
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