segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Um Lugar lá no céu


UM LUGAR LÁ NO CÉU


FLeming de OLiveira


-Possivelmente os meus leitores já não se recordem do episódio que ocorreu em inícios de 2016, a propósito do trabalho voluntário.
Lembrei-me dele e daí escrever o apontamento que segue.
Entre outras considerações, Catarina Martins afirmou, bombasticamente, que “trabalho voluntário é uma treta. Se é trabalho, tem de ter contrato. Voluntariado é o que as pessoas podem fazer depois de terem um contrato de 35 horas semanais, quando se querem dedicar a outra atividade”.
Este comentário fez com que o Professor Marcelo (ainda não P.R.) respondesse, que, “de quando em vez, ouve-se uma ou outra voz na sociedade portuguesa, um pouco estranha, quase aberrante, a dizer: Não é bom haver trabalho voluntário, deve haver prioridade ao trabalho pago. o trabalho voluntário de que falamos vai para além da atividade profissional de muitos; e noutros casos representa uma forma própria, autónoma, de realização pessoal, que não tem a ver com atividades profissionais desenvolvidas no passado”.
O Professor Marcelo asseverou o que a maioria dos Portugueses já sabia intuitivamente, que independentemente dos problemas da vida, das desconfianças, das tristezas, das expectativas não concretizadas, a disponibilidade para o trabalho voluntário é inata em cada um.
Recordo ter lido em fonte autorizada (I.N.E.) que se calcula que em Portugal quatro em cada cem horas de trabalho, consiste em trabalho voluntário de mais de um milhão de portugueses, quase 12% da população.
Para uma certa esquerda (digo eu), a caridade e o voluntariado continuam a ser encarados, fundamentalmente, como uma forma de as pessoas aliviarem a consciência, sem encararem o problema estrutural da pobreza. Ao darem umas moeditas a um sem abrigo ou arrumador de carros ou ao encherem uns sacos de compras, essas pessoas limitam-se a dar uma parte insignificante do seu rendimento ou do seu tempo, para viverem melhor consigo. Estas práticas, longe de resolverem o problema, perpetuam-no, porque os mais pobres enquanto viverem da “caridadezinha”, resignar-se-ão à sua irremediável condição, e o Estado aproveita estes apoios pontuais para se eximir das suas responsabilidades.
Os que apelidam a caridade da “caridadezinha”, depositam uma esperança (utópica) no serviço e capacidade do Estado, seja num S.N.S. ou na S.S., que não temos. Colocam-se na teorização de um sistema abstrato e idílico que a todos chega e socorre, desdenhando da ajuda presente e pontual, concretizada através de pequenos gestos.
Há várias sugestões sobre o que deve ser o combate contra a pobreza. Algumas delas, pressupõem que a caridade, a esmola à qual se torce o nariz, é uma antítese da transformação social. Errado (digo eu), pois deve/pode fazer-se uma e outra coisa, investir no combate à desigualdade (seguramente o objetivo mais difícil que existe), ao mesmo tempo que se partilha o que se tem.
Não tenho, porém, a certeza se a caridade e o voluntariado em muitos casos preocupam-se menos resolver problemas de quem precisa e mais no sacrifício do caridoso em detrimento das carências do necessitado. Refiro-me ao caridoso ao “profissional”, ainda que não retire proventos materiais…
A Madre Teresa é louvada pela sua dedicação aos pobres, por ter segurado a mão de quem se finava e amado quem era miserável. Mas se tivesse promovido a educação, saneamento básico, campanhas de vacinação ou de medicina preventiva, salvando gente em vez de a amar até à morte, as pessoas concediam-lhe outra distinção?

-Fui com minha Mulher às compras, num dia em que se recolham donativos para o “Banco Alimentar Contra a Fome”. Quando ia a entrar no supermercado ouvi uma senhora, que distribuía os sacos de plástico, falar com um homem dos seus 50 anos, de calças de ganga, sapatilhas e uma estafada t-shirt publicitária de uma empresa, que se desculpava por não aceitar o saco que ela lhe estendia para colocar ofertas.
Querem saber o que a senhora lhe respondeu?
- “Sim, estou a ver, também é pobrezinho, não é?”
Há anos que não ouvia este "pobrezinho", como antigamente era mais ou menos usual dizer-se, mas que tem vindo a ser substituído por "carenciado". Confesso que o "pobrezinho" me incomodou, não por o preferir a "carenciado", mas por o "pobrezinho" me cheirar a “caridadezinha” vindo daquela senhora, que poderia qualificar de “profissional” já que está em todas.
Pode parecer que não tem importância de maior utilizar uma ou outra expressão. Mas como sou cada vez mais desconfiado, se não incrédulo (talvez injustamente), parece-me que faz toda a diferença. Vejo a "caridade(zinha)” daquela senhora como uma atitude egoísta e de desprezo, na medida em que quando a pratica está mais centrada em si própria, preocupada em garantir um lugar no Céu.
O Povo Português, tem dado, sobejas e exemplares provas de solidariedade em favor de povos estranhos ou concidadãos, sempre que a necessidade a isso tem dado azo. As situações de enorme dificuldade por que o País passou no último verão, acarretaram demonstrações de grande e preocupada solidariedade, por parte dos que têm pouco, perante os que perderam muito.
Não estou, obviamente, contra as pessoas que, livremente, de forma organizada ou individual e para lá de quaisquer direitos ou deveres (legais), dão gratuitamente coisas e/ou o tempo e/ou dedicação. Por isso não levem a mal as minhas observações, tanto mais que não sou, nem teria autoridade para ser moralista. 
Numa comunidade evoluída, as pessoas têm direito, desde logo, a uma vida digna, não oferecida pela boa vontade de alguém, não dependente de quem apareça com disponibilidade para a concretizar, mas assumida pela comunidade. O "Estado Social", é necessário para que ninguém precise da caridade. A caridade é, por natureza, discricionária, ninguém pode ser obrigado a ser caridoso, pois caridoso é quem quer, quando quer, como quer, com quem quer.

-Os governantes que implementam “medidas impopulares”, ainda que benéficas para o futuro, encontram uma resistência feroz e o apoio tíbio de uns poucos. Vão além do seu tempo e forçam passagem através de uma maioria reivindicativa. “Ainda não descobri a maneira infalível de governar. Mas aprendi a fórmula certa de fracassar: querer agradar a todos, ao mesmo tempo”, afirmava o Presidente John Kennedy.
Sabia a relação entre o dever cumprido e o julgamento do tempo. Sim, a história, esse “juiz imparcial”, repara injustiças, mas tem o péssimo hábito de andar devagar. É sabido o intervalo entre o aplauso do “Tempo Que Passa” e o aplauso da “História”.
Se o governante se deixou fascinar pelo aplauso do seu tempo, bem sabendo que implementar as necessárias reformas seria enfrentar insatisfações dos instalados, se cumpre apenas o que é expectável, faltou-lhe a perceção de Abraham Lincoln (Presidente do E.U.A.), que no meio das dificuldades e vicissitudes do cargo, dizia que, “se fosse responder a todas as críticas e ofensas que lhe eram direcionadas, não faria mais nada”. E deixou como legado uma frase lapidar e por isso muito conhecida: “Pode-se enganar o povo durante algum tempo e parte do povo durante todo o tempo, mas não pode enganar todo o povo todo o tempo”.


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