UM LUGAR LÁ NO CÉU
FLeming de OLiveira
-Possivelmente os meus leitores já não se recordem do
episódio que ocorreu em inícios de 2016, a propósito do trabalho voluntário.
Lembrei-me
dele e daí escrever o apontamento que segue.
Entre
outras considerações, Catarina Martins afirmou, bombasticamente, que “trabalho voluntário é uma treta. Se é
trabalho, tem de ter contrato. Voluntariado é o que as pessoas podem fazer
depois de terem um contrato de 35 horas semanais, quando se querem dedicar a
outra atividade”.
Este
comentário fez com que o Professor Marcelo (ainda não P.R.) respondesse, que, “de quando em vez, ouve-se uma ou outra voz
na sociedade portuguesa, um pouco estranha, quase aberrante, a dizer: Não é bom
haver trabalho voluntário, deve haver prioridade ao trabalho pago. o trabalho
voluntário de que falamos vai para além da atividade profissional de muitos; e
noutros casos representa uma forma própria, autónoma, de realização pessoal,
que não tem a ver com atividades profissionais desenvolvidas no passado”.
O
Professor Marcelo asseverou o que a maioria dos Portugueses já sabia
intuitivamente, que independentemente dos problemas da vida, das desconfianças,
das tristezas, das expectativas não concretizadas, a disponibilidade para o
trabalho voluntário é inata em cada um.
Recordo
ter lido em fonte autorizada (I.N.E.) que se calcula que em Portugal quatro em
cada cem horas de trabalho, consiste em trabalho voluntário de mais de um
milhão de portugueses, quase 12% da população.
Para
uma certa esquerda (digo eu), a caridade e o voluntariado continuam a ser
encarados, fundamentalmente, como uma forma de as pessoas aliviarem a
consciência, sem encararem o problema estrutural da pobreza. Ao darem umas
moeditas a um sem abrigo ou arrumador de carros ou ao encherem uns sacos de
compras, essas pessoas limitam-se a dar uma parte insignificante do seu
rendimento ou do seu tempo, para viverem melhor consigo. Estas práticas, longe
de resolverem o problema, perpetuam-no, porque os mais pobres enquanto viverem
da “caridadezinha”, resignar-se-ão à
sua irremediável condição, e o Estado aproveita estes apoios pontuais para se
eximir das suas responsabilidades.
Os
que apelidam a caridade da “caridadezinha”,
depositam uma esperança (utópica) no serviço e capacidade do Estado, seja num
S.N.S. ou na S.S., que não temos. Colocam-se na teorização de um sistema
abstrato e idílico que a todos chega e socorre, desdenhando da ajuda presente e
pontual, concretizada através de pequenos gestos.
Há
várias sugestões sobre o que deve ser o combate contra a pobreza. Algumas
delas, pressupõem que a caridade, a esmola à qual se torce o nariz, é uma
antítese da transformação social. Errado (digo eu), pois deve/pode fazer-se uma
e outra coisa, investir no combate à desigualdade (seguramente o objetivo mais
difícil que existe), ao mesmo tempo que se partilha o que se tem.
Não
tenho, porém, a certeza se a caridade e o voluntariado em muitos casos
preocupam-se menos resolver problemas de quem precisa e mais no sacrifício do
caridoso em detrimento das carências do necessitado. Refiro-me ao caridoso ao “profissional”, ainda que não retire
proventos materiais…
A
Madre Teresa é louvada pela sua dedicação aos pobres, por ter segurado a mão de
quem se finava e amado quem era miserável. Mas se tivesse promovido a educação,
saneamento básico, campanhas de vacinação ou de medicina preventiva, salvando
gente em vez de a amar até à morte, as pessoas concediam-lhe outra distinção?
-Fui com minha Mulher às
compras, num dia em que se recolham donativos para o “Banco Alimentar Contra a Fome”. Quando ia a entrar no supermercado
ouvi uma senhora, que distribuía os sacos de plástico, falar com um homem dos
seus 50 anos, de calças de ganga, sapatilhas e uma estafada t-shirt
publicitária de uma empresa, que se desculpava por não aceitar o saco que ela
lhe estendia para colocar ofertas.
Querem
saber o que a senhora lhe respondeu?
- “Sim, estou a ver,
também é pobrezinho, não é?”
Há
anos que não ouvia este "pobrezinho",
como antigamente era mais ou menos usual dizer-se, mas que tem vindo a ser
substituído por "carenciado".
Confesso que o "pobrezinho"
me incomodou, não por o preferir a "carenciado",
mas por o "pobrezinho" me
cheirar a “caridadezinha” vindo
daquela senhora, que poderia qualificar de “profissional”
já que está em todas.
Pode
parecer que não tem importância de maior utilizar uma ou outra expressão. Mas
como sou cada vez mais desconfiado, se não incrédulo (talvez injustamente),
parece-me que faz toda a diferença. Vejo a "caridade(zinha)”
daquela senhora como uma atitude egoísta e de desprezo, na medida em que quando
a pratica está mais centrada em si própria, preocupada em garantir um lugar no
Céu.
O
Povo Português, tem dado, sobejas e exemplares provas de solidariedade em favor
de povos estranhos ou concidadãos, sempre que a necessidade a isso tem dado
azo. As situações de enorme dificuldade por que o País passou no último verão,
acarretaram demonstrações de grande e preocupada solidariedade, por parte dos
que têm pouco, perante os que perderam muito.
Não
estou, obviamente, contra as pessoas que, livremente, de forma organizada ou
individual e para lá de quaisquer direitos ou deveres (legais), dão
gratuitamente coisas e/ou o tempo e/ou dedicação. Por isso não levem a mal as
minhas observações, tanto mais que não sou, nem teria autoridade para ser
moralista.
Numa
comunidade evoluída, as pessoas têm direito, desde logo, a uma vida digna, não
oferecida pela boa vontade de alguém, não dependente de quem apareça com
disponibilidade para a concretizar, mas assumida pela comunidade. O "Estado Social", é necessário para
que ninguém precise da caridade. A caridade é, por natureza, discricionária,
ninguém pode ser obrigado a ser caridoso, pois caridoso é quem quer, quando
quer, como quer, com quem quer.
-Os governantes que
implementam “medidas impopulares”,
ainda que benéficas para o futuro, encontram uma resistência feroz e o apoio
tíbio de uns poucos. Vão além do seu tempo e forçam passagem através de uma
maioria reivindicativa. “Ainda não
descobri a maneira infalível de governar. Mas aprendi a fórmula certa de
fracassar: querer agradar a todos, ao mesmo tempo”, afirmava o Presidente
John Kennedy.
Sabia
a relação entre o dever cumprido e o julgamento do tempo. Sim, a história, esse
“juiz imparcial”, repara injustiças,
mas tem o péssimo hábito de andar devagar. É sabido o intervalo entre o aplauso
do “Tempo Que Passa” e o aplauso da “História”.
Se
o governante se deixou fascinar pelo aplauso do seu tempo, bem sabendo que
implementar as necessárias reformas seria enfrentar insatisfações dos
instalados, se cumpre apenas o que é expectável, faltou-lhe a perceção de
Abraham Lincoln (Presidente do E.U.A.), que no meio das dificuldades e
vicissitudes do cargo, dizia que, “se
fosse responder a todas as críticas e ofensas que lhe eram direcionadas, não
faria mais nada”. E deixou como legado uma frase lapidar e por isso muito
conhecida: “Pode-se enganar o povo
durante algum tempo e parte do povo durante todo o tempo, mas não pode enganar
todo o povo todo o tempo”.
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