ELA NÃO ACREDITAVA
EM BRUXAS, MAS…
A
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sociedade portuguesa é muito crédula. Alcobaça
fora dos grandes circuitos não tem fugido a esta regra e recentemente ainda tinha
dois conceituados bruxos.
Com
cerca de 25 anos e casada há mais de quatro, Maria Helena empregada de balcão,
ainda não tinha filhos, para seu grande desgosto, do marido, pais, sogros e
mais família. O médico da Caixa disse-lhe que não encontrava nada que o
impedisse. Mas Maria Helena andava desgostosíssima, com receio de perder o
marido que adorava crianças, pelo se abriu com uma vizinha, referindo o
angustioso problema que se interpunha na sua vida, e na sua felicidade.
-Dª.
Rosa eu não acredito em bruxas, mas…
-Menina
Helena eu compreendo, mas sabe uma coisa … Não leve a mal o que lhe vou
dizer, eu conheço uma pessoa que trata dessas coisas…
-Que
coisas, Dª. Rosa?
-Bem
…Ela não é bruxa, mas muito boa, já salvou muitos casamentos, menina Lena! Ela
vai ver que no seu caso anda aí qualquer coisa estranha. Ela percebe dessas
coisas, diz-lhe tudo e como resolver. Até já trabalhou com um médico. Eu fui lá
uma vez…e gostei.
-Dª.
Rosa, eu não quero…
-E
não é careira. Ela vive em (…) e leva 20$00. A menina se quiser
diga-me, que eu falo com ela!
Antes de ir, falou
com um motorista da praça que conhecia muita gente, inclusivamente um padre
italiano velhote que vivia em Fátima. Mas ao que constava ao taxista aquele era
especialista em exorcismos, e isso não interessava. No caso da conhecida da Dª.
Rosa, o cliente dava 20$00, como
primeiro passo para se estudar o caso e acabarem os problemas. Mas os
resultados por vezes ou demoravam aparecer. As
moças têm sempre muita pressa, há assuntos que não se resolvem de pé para a mão
ou elas não cumprem as prescrições corretas.
Maria
Helena tentou saber se havia queixas. Não, não constava ninguém que se tivesse
queixado de burla, de extorsão, assegurou Dª. Rosa nada espantada com a vontade
daquela em conhecer o futuro ou a razão de certos acontecimentos nefastos.
E
avisou: em cada sessão o grupo não podia ser grande, mas convinha que fossem
sempre mais do que duas pessoas. Havia que respeitar a mesa de três pés, nunca
dizer graçolas ou rir, ainda que com nervoso. Uma vez com os dedos sobre o
tampo de madeira, sem carregar, não se podiam cruzar as pernas, pois doutro
modo não passava o fluido. Para a sessão utilizavam-se uns chinelos brancos com
meias. Crucifixos e medalhinhas como a que Maria Helena utilizava, também era
conveniente retirar, porque isso não era
lá muito católico. As sessões faziam-se com pouca luz, normalmente da parte
de tarde.
As
sessões individuais eram apenas as de lançamento de cartas.
Quando
Maria Helena chegou estavam duas pessoas na sala de espera, enquanto uma
molhada de seis se curvava sobre a mesa a fazer perguntas.
Não havia Bola de
Cristal, velas a fumegar ou cheiros esquisitos. A bruxa com uma touca e um colar com um cruxifixo dependurado explicava
que era necessário fazer-se uma invocação prévia, chamar por alguém que tivesse
morrido, etc., etc,, para depois se passar à exploração das potencialidades da
mesa. Todos se sentavam em volta desta, acotovelando-se, e colocavam as pontas
dos dedos das mãos, ou de uma só mão, levemente no tampo mas sem carregar,
tendo o cuidado de permitir que um dedo do próximo tocasse no seu, para fechar
o circuito. Maria Helena, fora avisada que, mal a mesa se começasse a mover,
não se poderia romper o contacto com o tampo, e devia-se acompanhar o
movimento, pois se se largasse a mesa, esta imobilizar-se-ia. E claro, não
poderia haver gracinhas, nem risinhos nervosos, sob pena de a mesa parar de
trabalhar.
-Ó
mesa, diz-me lá isto, diz-me lá isto ou aquilo...
Ser
interpelada com rudeza não era nada conveniente, outrossim deveria ser
apaziguada com elogios.
Havia,
um código para as respostas, por exemplo uma pancada dos pés da mesa
significava sim, duas não. Isto às vezes obrigava a que alguém secretariasse a
mesa (Maria Helena tinha experiência como balconista), e anotasse o que ela ia
indicando, até formar palavras coerentes. Por vezes, nem se esperava que a
palavra fosse completada e perguntava-se à mesa se ela não quereria dizer isto
ou aquilo, ao que ela poderia responder com um simples sim ou um não. Era só ao
participante que cabia, em última instância, reconhecer o espírito, e só ele é
que o podia fazer com segurança. Os motivos pelos quais o espírito entrava em
contacto podiam ser vários. O morto está inquieto. O morto não cumpriu uma promessa.
O morto experimenta dificuldades no outro mundo. O morto está com saudades da
vida na Terra. O morto tem um espírito mau que vem molestar os vivos e se
possível levar alguém consigo.
Um
dia enquanto aguardava na sala de espera foi contado a Maria Helena o caso de
um defunto que voltou, por discordar da forma como as partilhas foram feitas e
isso abriu os olhos aos herdeiros. Quando se trata de um espírito mau, a bruxa pode ter de deslocar-se a casa da
vítima, para poder confrontá-lo. Ele vocifera, ameaça, não se quer convencer,
tenta recusar qualquer compromisso. Mas bem trabalhado acaba por ceder. A bruxa já conhecera casos destes, que
eram especialmente trabalhosos e de resultados ingratos, apesar de mais
dispendiosos.
Não
obstante a sua simplicidade e credulidade, Maria Helena extraiu algumas
conclusões pragmáticas sobre o funcionamento da sessão. Não valia a pena
perguntar coisas que nenhum dos presentes soubesse, pois, nesse caso, as
respostas eram disparatadas ou erradas. Mas desde o momento que algum dos
presentes conhecesse a resposta, embora mais ninguém a soubesse, a mesa
respondia em geral corretamente. Ficou demonstrado que as previsões do futuro
imediato raramente ou nunca eram corretas. Ninguém acertou na lotaria. Havia
quem tivesse mais feeling que Maria
Helena, conseguindo respostas mais rápidas e mais corretas, depois de um período
de aquecimento, que passava por um minuto de concentração. Só ao fim da
terceira sessão coletiva (a mesa não colaborava em sessões individuais, estas
reservadas ao lançamento de cartas), é que Maria Helena percebeu que o seu
mal-estar decorria de o espírito de seu falecido pai, pretender entrar em
contacto consigo, para lhe dizer que devia refazer partilhas com o irmão, sob
pena de enquanto o não fizesse, não conseguir engravidar. Para fazer o espírito
ir-se embora e sossegado, Maria Helena, decidiu refazer as partilhas com o
irmão e foi tratar do assunto ao escritório do Dr. A. Pereira de Magalhães.
Q
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uerem
saber o final?
Maria
Helena, no ano seguinte, deu à luz um robusto menino, com quase três quilos, e de
vez em quando aparecia no escritório do sogro do autor, para conversar e tomar
conselhos.
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