quarta-feira, 15 de abril de 2020

ELA NÃO ACREDITAVA EM BRUXAS, MAS…


ELA NÃO ACREDITAVA EM BRUXAS, MAS…


A
 sociedade portuguesa é muito crédula. Alcobaça fora dos grandes circuitos não tem fugido a esta regra e recentemente ainda tinha dois conceituados bruxos.
Com cerca de 25 anos e casada há mais de quatro, Maria Helena empregada de balcão, ainda não tinha filhos, para seu grande desgosto, do marido, pais, sogros e mais família. O médico da Caixa disse-lhe que não encontrava nada que o impedisse. Mas Maria Helena andava desgostosíssima, com receio de perder o marido que adorava crianças, pelo se abriu com uma vizinha, referindo o angustioso problema que se interpunha na sua vida, e na sua felicidade.
-Dª. Rosa eu não acredito em bruxas, mas…
-Menina Helena eu compreendo, mas sabe uma coisa … Não leve a mal o que lhe vou dizer, eu conheço uma  pessoa que trata dessas coisas…
-Que coisas, Dª. Rosa?
-Bem …Ela não é bruxa, mas muito boa, já salvou muitos casamentos, menina Lena! Ela vai ver que no seu caso anda aí qualquer coisa estranha. Ela percebe dessas coisas, diz-lhe tudo e como resolver. Até já trabalhou com um médico. Eu fui lá uma vez…e gostei.
-Dª. Rosa, eu não quero…
-E não é careira. Ela vive em (…) e leva 20$00. A menina  se quiser diga-me, que eu falo com ela!
Antes de ir, falou com um motorista da praça que conhecia muita gente, inclusivamente um padre italiano velhote que vivia em Fátima. Mas ao que constava ao taxista aquele era especialista em exorcismos, e isso não interessava. No caso da conhecida da Dª. Rosa, o cliente dava 20$00, como primeiro passo para se estudar o caso e acabarem os problemas. Mas os resultados por vezes ou demoravam aparecer. As moças têm sempre muita pressa, há assuntos que não se resolvem de pé para a mão ou elas não cumprem as prescrições corretas.
Maria Helena tentou saber se havia queixas. Não, não constava ninguém que se tivesse queixado de burla, de extorsão, assegurou Dª. Rosa nada espantada com a vontade daquela em conhecer o futuro ou a razão de certos acontecimentos nefastos.
E avisou: em cada sessão o grupo não podia ser grande, mas convinha que fossem sempre mais do que duas pessoas. Havia que respeitar a mesa de três pés, nunca dizer graçolas ou rir, ainda que com nervoso. Uma vez com os dedos sobre o tampo de madeira, sem carregar, não se podiam cruzar as pernas, pois doutro modo não passava o fluido. Para a sessão utilizavam-se uns chinelos brancos com meias. Crucifixos e medalhinhas como a que Maria Helena utilizava, também era conveniente retirar, porque isso não era lá muito católico. As sessões faziam-se com pouca luz, normalmente da parte de tarde.
As sessões individuais eram apenas as de lançamento de cartas.
Quando Maria Helena chegou estavam duas pessoas na sala de espera, enquanto uma molhada de seis se curvava sobre a mesa a fazer perguntas.
Não havia Bola de Cristal, velas a fumegar ou cheiros esquisitos. A bruxa com uma touca e um colar com um cruxifixo dependurado explicava que era necessário fazer-se uma invocação prévia, chamar por alguém que tivesse morrido, etc., etc,, para depois se passar à exploração das potencialidades da mesa. Todos se sentavam em volta desta, acotovelando-se, e colocavam as pontas dos dedos das mãos, ou de uma só mão, levemente no tampo mas sem carregar, tendo o cuidado de permitir que um dedo do próximo tocasse no seu, para fechar o circuito. Maria Helena, fora avisada que, mal a mesa se começasse a mover, não se poderia romper o contacto com o tampo, e devia-se acompanhar o movimento, pois se se largasse a mesa, esta imobilizar-se-ia. E claro, não poderia haver gracinhas, nem risinhos nervosos, sob pena de a mesa parar de trabalhar.
-Ó mesa, diz-me lá isto, diz-me lá isto ou aquilo...
Ser interpelada com rudeza não era nada conveniente, outrossim deveria ser apaziguada com elogios.
Havia, um código para as respostas, por exemplo uma pancada dos pés da mesa significava sim, duas não. Isto às vezes obrigava a que alguém secretariasse a mesa (Maria Helena tinha experiência como balconista), e anotasse o que ela ia indicando, até formar palavras coerentes. Por vezes, nem se esperava que a palavra fosse completada e perguntava-se à mesa se ela não quereria dizer isto ou aquilo, ao que ela poderia responder com um simples sim ou um não. Era só ao participante que cabia, em última instância, reconhecer o espírito, e só ele é que o podia fazer com segurança. Os motivos pelos quais o espírito entrava em contacto podiam ser vários. O morto está inquieto. O morto não cumpriu uma promessa. O morto experimenta dificuldades no outro mundo. O morto está com saudades da vida na Terra. O morto tem um espírito mau que vem molestar os vivos e se possível levar alguém consigo.
Um dia enquanto aguardava na sala de espera foi contado a Maria Helena o caso de um defunto que voltou, por discordar da forma como as partilhas foram feitas e isso abriu os olhos aos herdeiros. Quando se trata de um espírito mau, a bruxa pode ter de deslocar-se a casa da vítima, para poder confrontá-lo. Ele vocifera, ameaça, não se quer convencer, tenta recusar qualquer compromisso. Mas bem trabalhado acaba por ceder. A bruxa já conhecera casos destes, que eram especialmente trabalhosos e de resultados ingratos, apesar de mais dispendiosos.
Não obstante a sua simplicidade e credulidade, Maria Helena extraiu algumas conclusões pragmáticas sobre o funcionamento da sessão. Não valia a pena perguntar coisas que nenhum dos presentes soubesse, pois, nesse caso, as respostas eram disparatadas ou erradas. Mas desde o momento que algum dos presentes conhecesse a resposta, embora mais ninguém a soubesse, a mesa respondia em geral corretamente. Ficou demonstrado que as previsões do futuro imediato raramente ou nunca eram corretas. Ninguém acertou na lotaria. Havia quem tivesse mais feeling que Maria Helena, conseguindo respostas mais rápidas e mais corretas, depois de um período de aquecimento, que passava por um minuto de concentração. Só ao fim da terceira sessão coletiva (a mesa não colaborava em sessões individuais, estas reservadas ao lançamento de cartas), é que Maria Helena percebeu que o seu mal-estar decorria de o espírito de seu falecido pai, pretender entrar em contacto consigo, para lhe dizer que devia refazer partilhas com o irmão, sob pena de enquanto o não fizesse, não conseguir engravidar. Para fazer o espírito ir-se embora e sossegado, Maria Helena, decidiu refazer as partilhas com o irmão e foi tratar do assunto ao escritório do Dr. A. Pereira de Magalhães.
Q
uerem saber o final?
Maria Helena, no ano seguinte, deu à luz um robusto menino, com quase três quilos, e de vez em quando aparecia no escritório do sogro do autor, para conversar e tomar conselhos.

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