quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

EVOCANDO O 16 de MARÇO de 1974 (Caldas da Rainha)

 

EVOCANDO O 16 de MARÇO de 1974 

(Caldas da Rainha)

 

FLeming de OLiveira

 

 

 

 

Fala-se fundamentalmente, com toda a razão e destaque, nos 50 anos do 25 de abril de 1974.

Embora muitíssimo menos relevante, é de assinalar os 50 anos do “levantamento” (abortado) de Caldas da Rainha, ocorrido a 16 de Março de 1974.

Por essa altura, encontrava-me na Guiné quase a terminar a comissão de serviço, este incidente teve ali forte impacto e deu esperanças para em breve mudanças significativas no “regime”  e no evoluir da questão colonial.

Provavelmente para alguns leitores, este incidente encontra-se esquecido, ofuscado, pois cerca de um mês depois ocorreu e com sucesso s revolução de que nos louvamos.

Alguns “ultra” do Estado Novo consideraram-no como “insurreição de opereta.” Marcelo Caetano, numa “Conversa em Família”(RTP 28mar1974), qualificou-o como “um triste episódio militar que a irreflexão e talvez a ingenuidade de alguns oficiais que lamentavelmente produziu há dias”.

O “levantamento” de Caldas da Rainha é, todavia, apontado por alguns autores como o catalisador que aglutinou o oficialato em torno do MFA, o fio condutor para a adesão de quase todas as unidades militares à Revolução de Abril.

Na madrugada de 16 de março de 1974, uma coluna de cerca de duas centenas de militares comandada pelo Major Armando Ramos saiu do Regimento de Infantaria 5, de Caldas da Rainha, e tomou a estrada rumo a Lisboa. O objetivo era derrubar o governo de Caetano, para o que esperava o apoio de outras forças militares, nomeadamente de Lamego, Mafra e Vendas Novas.

A marcha prosseguiu até às portas da capital, quando houve conhecimento que nenhuma daquelas unidades tinha iniciado movimentação. Perante este cenário, foi decidido abortar o golpe e regressar ao quartel. Perto do Rio Trancão, pelas 6h30, a coluna foi mandada regressar. Em Lisboa, a PIDE tinha sabido da saída e havia montado um forte dispositivo militar de resistência à entrada.

Depois de chegarem a Caldas, os insurgentes/revoltosos foram cercados por forças fiéis ao “regime”, vindas de Leiria e de Santarém. Pelas 17 horas, após várias horas de negociações, os surgentes/revoltosos renderam-se. Detidos foram levados para a Trafaria, enquanto alguns elementos do Regimento foram transferidos para outras unidades militares. Chegava ao fim a insurreição que ficou conhecida como “levantamento” ou “intentona das Caldas”.

O “Gazeta das Caldas” (edição de 20 de Março) na melhor ortodoxia, registou que “politicamente importa afirmar aos que, no ultramar e no estrangeiro lerem estas linhas sendo portugueses, que nada, absolutamente nada aconteceu. Não suponham os nossos filhos e irmãos que asseguram a perenidade de Portugal, que afirmam a presença lusíada além-mar e que sustentam os combates de supressão do terrorismo, haver algo mudado na retaguarda. Esta é uma rocha em que podem sentir firme apoio”.

Gonçalves Sapinho contou-me, por alturas de 2011, que havia de sua parte uma ligação especial a dois capitães e sobretudo ao Maj. Serrano, 2º. Comandante da Unidade, de cuja casa era visita, o que lhe permitiu perceber que este participava em reuniões do futuro MFA, em Óbidos, embora isso nunca lhe tenha sido dito expressamente.

Falávamos de muita coisa, com à vontade, como reivindicações, greves, democracia e o 2º Comandante num jantar em sua casa, com três convidados que não identifico, questionou-nos sobre a possibilidade de ser desencadeada uma Greve de Zelo, o grau de adesão e a utilidade. Convergimos sobre a “certeza” que tal greve não tinha hipóteses de sucesso. Estas e outras situações, mostravam o “lirismo” de alguns oficiais”.

A 16mar1974, sexta-feira fria de nevoeiro, quando Gonçalves Sapinho se levantou, tomou conhecimento do movimento da coluna de militares do RI5 rumo a Lisboa que saíra “por volta das 4horas, liguei para casa do Major, 2º. Comandante, para saber o ponto da situação. Atendeu-me a esposa, que me disse que o Major meteu baixa nesse dia, que não tinha participado, alegando que era pai de três filhos”.

Isto é, o Major Serrano “borregou”, rematou Sapinho na sua típica terminologia beirã. De acordo com comunicados e notas oficiosas, a 17mar1974 “Reina a Ordem em todo o País”.

Embora não tivessem conversado com detalhe sobre a situação político-militar após o 16 de Março, Gonçalves Sapinho ainda lhe disse que era de opinião “que isto já tinha ido longe demais, e que era inevitável que acontecesse alguma coisa ainda”.

No dia 26 de abril, apareceram os primeiros militares saneados, e entre eles encontrava-se o 2º Comandante do RI5.

Otelo Saraiva de Carvalho ao “Gazeta de Caldas” (edição de 23mar2007), declarou que o “16 de março foi para mim um acontecimento de grande importância, independentemente de ter nascido de uma ação militar desorganizada e aventureira. A verdade é que essa ação acabou por constituir um ensaio de grande utilidade para elaborar o plano de ações para o 25 de Abril. Como “assisti” na rotunda da Encarnação, em Lisboa, à montagem do aparato bélico que esperava a coluna que vinha das Caldas, pude ficar a saber com que unidades não podíamos contar, quais as que havia necessidade de controlar e de que forma se organizavam as unidades militares e os órgãos militarizados. A missão para o 25 de Abril era muito concreta ao contrário do 16 de Março, que apenas serviu como balão de ensaio. O acontecimento em si foi uma derrota que não merece grande comemoração, mas para os que participaram ativamente naquele dia é um marco histórico”.

 

 

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