EVOCANDO O 16 de MARÇO de 1974
(Caldas da Rainha)
FLeming de OLiveira
Fala-se fundamentalmente, com toda a razão
e destaque, nos 50 anos do 25 de abril de 1974.
Embora
muitíssimo menos relevante, é de assinalar os 50 anos do “levantamento”
(abortado) de Caldas da Rainha, ocorrido a 16 de Março de 1974.
Por
essa altura, encontrava-me na Guiné quase a terminar a comissão de serviço,
este incidente teve ali forte impacto e deu esperanças para em breve mudanças
significativas no “regime” e no evoluir
da questão colonial.
Provavelmente
para alguns leitores, este incidente encontra-se esquecido, ofuscado, pois
cerca de um mês depois ocorreu e com sucesso s revolução de que nos louvamos.
Alguns
“ultra” do Estado Novo
consideraram-no como “insurreição de
opereta.” Marcelo Caetano, numa “Conversa em Família”(RTP 28mar1974),
qualificou-o como “um triste episódio
militar que a irreflexão e talvez a ingenuidade de alguns oficiais que
lamentavelmente produziu há dias”.
O “levantamento” de Caldas da Rainha é, todavia,
apontado por alguns autores como o catalisador que aglutinou o oficialato em
torno do MFA, o fio condutor para a
adesão de quase todas as unidades militares à Revolução de Abril.
Na madrugada
de 16 de março de 1974, uma coluna de cerca de duas centenas de militares
comandada pelo Major Armando Ramos saiu do Regimento de Infantaria 5, de Caldas
da Rainha, e tomou a estrada rumo a Lisboa. O objetivo era derrubar o governo de
Caetano, para o que esperava o apoio de outras forças militares, nomeadamente
de Lamego, Mafra e Vendas Novas.
A marcha prosseguiu até às portas da
capital, quando houve conhecimento que nenhuma daquelas unidades tinha iniciado
movimentação. Perante este cenário, foi decidido abortar o golpe e regressar ao
quartel. Perto do Rio Trancão, pelas 6h30, a
coluna foi mandada regressar. Em Lisboa, a PIDE tinha sabido da saída e havia
montado um forte dispositivo militar de resistência à entrada.
Depois de chegarem a Caldas, os
insurgentes/revoltosos foram cercados por forças fiéis ao “regime”, vindas de
Leiria e de Santarém. Pelas 17 horas, após várias horas de negociações, os
surgentes/revoltosos renderam-se. Detidos foram levados para a Trafaria, enquanto
alguns elementos do Regimento foram transferidos para outras unidades
militares. Chegava ao fim a insurreição que ficou conhecida como “levantamento”
ou “intentona das Caldas”.
O “Gazeta das Caldas” (edição de 20
de Março) na melhor ortodoxia, registou que “politicamente importa afirmar aos que, no ultramar e no estrangeiro
lerem estas linhas sendo portugueses, que nada, absolutamente nada aconteceu.
Não suponham os nossos filhos e irmãos que asseguram a perenidade de Portugal,
que afirmam a presença lusíada além-mar e que sustentam os combates de
supressão do terrorismo, haver algo mudado na retaguarda. Esta é uma rocha em
que podem sentir firme apoio”.
Gonçalves Sapinho contou-me, por
alturas de 2011, que havia de sua parte uma ligação especial a dois capitães e sobretudo
ao Maj. Serrano, 2º. Comandante da Unidade, de cuja casa era visita, o que lhe
permitiu perceber que este participava em reuniões do futuro MFA, em Óbidos,
embora isso nunca lhe tenha sido dito expressamente.
“Falávamos de muita coisa, com à vontade,
como reivindicações, greves, democracia e o 2º Comandante num jantar em sua
casa, com três convidados que não identifico, questionou-nos sobre a
possibilidade de ser desencadeada uma Greve de Zelo, o grau de adesão e a
utilidade. Convergimos sobre a “certeza” que tal greve não tinha hipóteses de
sucesso. Estas e outras situações, mostravam o “lirismo” de alguns oficiais”.
A
16mar1974, sexta-feira fria de nevoeiro, quando
Gonçalves Sapinho se levantou, tomou conhecimento do movimento da coluna de
militares do RI5 rumo a Lisboa que saíra “por
volta das 4horas, liguei para casa do
Major, 2º. Comandante, para saber o ponto da situação. Atendeu-me a esposa, que
me disse que o Major meteu baixa nesse dia, que não tinha participado, alegando
que era pai de três filhos”.
Isto
é, o Major Serrano “borregou”,
rematou Sapinho na sua típica terminologia beirã.
De acordo com comunicados e notas oficiosas, a 17mar1974 “Reina a Ordem em todo o País”.
Embora
não tivessem conversado com detalhe sobre a situação político-militar após o 16
de Março, Gonçalves Sapinho ainda lhe disse que era de opinião “que isto já tinha ido longe demais, e que
era inevitável que acontecesse alguma coisa ainda”.
No
dia 26 de abril, apareceram os primeiros militares saneados, e entre eles
encontrava-se o 2º Comandante do RI5.
Otelo Saraiva de Carvalho ao “Gazeta
de Caldas” (edição de 23mar2007), declarou que o “16 de março foi para mim um acontecimento de grande importância,
independentemente de ter nascido de uma ação militar desorganizada e
aventureira. A verdade é que essa ação acabou por constituir um ensaio de
grande utilidade para elaborar o plano de ações para o 25 de Abril. Como
“assisti” na rotunda da Encarnação, em Lisboa, à montagem do aparato bélico que
esperava a coluna que vinha das Caldas, pude ficar a saber com que unidades não
podíamos contar, quais as que havia necessidade de controlar e de que forma se
organizavam as unidades militares e os órgãos militarizados. A missão para o 25
de Abril era muito concreta ao contrário do 16 de Março, que apenas serviu como
balão de ensaio. O acontecimento em si foi uma derrota que não merece grande
comemoração, mas para os que participaram ativamente naquele dia é um marco
histórico”.
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