segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ALCOBACENSES NA REVOLUÇÃO (PREC)-1975

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-Arsenal de armas em Bouças-Alpedriz
-Um Franco nada exagerado
-Incidentes em Amor, Batalha, Sever do Vouga, Águeda,
Évora, Póvoa do Lanhoso, Ponte de Lima, Braga, Lamego,
Viseu, Ponta Delgada, Angra do Heroismo e outros mais
-Bancários do BPA (Lisboa) manifestam-se muito
democraticamente
Para apoiar a luta dos batalhenses organizou-se, no dia 17, um grupo nos Montes-ALcobaça, composto, entre outros, pelos primos e companheiros Américo e António Malhó, José Firmino Franco, bem como Jorge Mateus, em cujo carro se deslocaram.
Ao chegarem à Batalha, e antes da entrada na vila ouviram dizer que os comunas da Marinha Grande já vinham a caminho, pelo que decidiram voltar a casa, para buscar as caçadeiras ou o material que houvesse. No regresso à Batalha, ao passarem no Juncal, já se dizia que à entrada da Batalha havia brigadas populares a revistar os carros. Por isso, o António Malhó disse que ia fazer uma mija, vou ali e já venho e, resolveu enterrar num pomar junto à estrada, a pistola, aliás ilegal, que possuía e tinha ido buscar.
Chegara pelo lado de S. Jorge, e antes mesmo de entrarem na vila começaram a ouvir tiros, pelo que o Jorge Mateus parou o carro, querendo estacionar, para fazer o resto a pé, já que estrada estava barricada por populares armados de caçadeiras. O José Firmino Franco disse para o Jorge Mateus segue até lá para ver se nos deixam passar. Ao aproximarem-se, reconheceram um dos populares que estava na barricada de caçadeira em punho com os canos virados para o solo. Olha quem está ali, disseram uns para os outros.
Ao chegarem junto desse popular, o Franco sacou da pistola que trazia e da janela do carro apontou-lha, tentando que o gesto não desse muito nas vistas e disse oh pá, deixa passar a malta e vê lá se tens juizinho na tola, não penses levantar a caçadeira senão já sabes o que acontece, e não queiras experimentar, digo-te eu que sei. Este defensor da revolução, que por acaso era dos Montes, mas pouco valente, gritou para os seus camaradas deixem passar estes, que é malta fixe.
Em seguida foram até ao Mosteiro sem problemas de maior com o carro e o Jorge que o conduzia, começou às voltas no adro, onde apenas se encontravam alguns militares armados e uns poucos civis dispersos. O Américo enervou-se, pelo que disse ao Jorge Mateus para parar imediatamente, pois tal movimentação podia entender-se como provocação e criar-se ali um incidente estúpido e desnecessário. Quando saírem do carro, depararam um grupo de militares, mais uma vez e como ia sendo corrente nos demais sítios onde tinham estado com ar jovem, indeciso e desmotivado, pelo que o José Firmino se dirigiu a um e perguntou como ar meio sério, meio zangado, se sabia de eram são as armas que traziam.
Sem receber resposta, acrescentou já mais à vontade e confiante, meu grande cabrão, quando saíres daqui vais bater com os cornos numa lage, quando fores à procura de emprego.
Américo Malhó, mais tarde disse que José Franco tinha dito (…) daqui vais bater com os cornos num chaparro (…).
Seja como for, sem ninguém saber bem o que isto significava, se é que significava alguma coisa, a verdade é que os militares nada fizeram e as coisas permaneceram calmas.
Para Américo Malhó, José Firmino revelou coragem pois se algo corresse mal não tínhamos ninguém que nos defendesse. Nem o meu rico Stº. António ou Santa Marta
Para quem o conhece de perto, José Firmino Franco parece um inato contestatário, sem receio de dizer verdades, apreciador de uma boa discussão e incapaz de guardar rancores. O próprio admite que tem noção do ridículo, que por vezes se admira de atitudes que tomou, mas, como seu pai, raramente delas se arrepende.
Em seguida, encaminharam-se para a saída de Fátima e estacionaram num pequeno largo junto da Adega Cooperativa. Estava a anoitecer e, de tempos a tempos, ouviam-se algumas rajadas de metralhadora, disparadas para o ar. O Jorge Mateus deu uma segunda chave do carro ao Franco, nunca fosse o diabo tece-las. Separaram-se em dois grupos, o Jorge Mateus e o Américo Malhó, para um lado o Franco e o António Malhó para outro, por que corria que a Estalagem tinha sido ocupada e o dono, Engº Monteiro, atirado pela janela. Quando se aproximaram, encontraram um furriel de fartas barba e cabeleira, que exprimia a sua alegria disparando a sua FBP, como se se tratasse de uma festa de casamento talibã. Franco aproximou-se dele e perguntou-lhe quando acaba a festa e o barulho que estás a fazer. O furriel, em euforia incontida, acabou de despejar o carregador e respondeu olha, acabaram! Foi o que Franco gostou de ouvir, pelo que encostou-lhe a sua pistola à barriga e com ar muito meigo e voz suave, ordenou que lhe entregasse tudo, a Walter incluída, e não pias, senão limpo-te o sebo, estás a ouvir? Ficas aqui quietinho encostado à esquina, não sais daqui, senão arrefeço-te e entrego-te esticado ao padre.
O militar, perdeu a genica e a confiança, passou-lhe as duas armas para as mãos e nem piou.
Esconderam as armas debaixo da roupa, embora fizessem um certo e indisfarçável volume e avançaram, até avistarem dois soldados perto dum prédio em construção. A noite já tinha caído. Depois de verificarem que ninguém os estava a ver, abordaram os dois soldados, o José Firmino Franco encostou a pistola às costas de um e sacou a ambos as metralhadoras. De seguida, para que estes não criassem problemas, obrigou-os a despir a farda, fazendo-lhes adequadas recomendações, para que não fizessem barulho. Como quem tem cu tem medo, estes militares, ali ficaram, sem reagir. Perante a situação, o António Malhó mal conseguiu conter o riso, pois nem queria acreditar no que estava a acontecer. Dirigiram-se rapidamente para o automóvel para guardar as armas e esconderam-se, para não abusarem da sorte. Entretanto, começaram a ouvir gritos, vindos do centro da vila, de que andava alguém a roubar armas. Quem piara? Nessa altura, o Jorge Mateus e o Américo Malhó, apercebendo-se que as coisas podiam aquecer, regressaram rapidamente ao automóvel. Sem mais, saíram todos da Batalha, na direcção de Fátima e voltaram para Montes, via Porto de Mós. Chegados a Montes, param junto ao antigo café do Firmino Franco (Pai), onde esconderam as armas. O Jorge Mateus e o Américo Malhó não sabiam que traziam armas no carro e só, muito mais tarde, o José Franco lhes contou a história, que não acaba aqui.
Após os incidentes relacionados com o assalto à sede do PC em Alcobaça, foram presos vários alcobacenses, levados para Leiria, os quais depois foram transferidos para Caxias, como oportunamente contaremos. Quando chegaram a Lisboa, apurou-se que não havia nenhum documento que formalizasse a detenção (não havia mandados ou estes eram em branco) ou mesmo a libertação. Para tentar resolver a situação, organizou-se um grupo de pessoas de vários pontos do Concelho de Alcobaça, a fim de se deslocarem a Leiria. Foram várias pessoas, entre as quais, os Franco (pai e filho), pelos Montes, o Joaquim Zeferino Lucas, por Alcobaça e o António Barbosa Ribeiro, por Cós. O José Franco foi, com o pai Firmino e Joaquim Zeferino Lucas com o António Barbosa no Ford Escort branco deste, ainda de matrícula francesa, pois regressara há pouco de França, onde estivera a trabalhar. Chegados ao quartel pediram para falar com o responsável, pelo que veio falar com eles um tal Tenente O (…), que tinha metido o chico, e que o José Firmino conhecia do tempo da recruta, a quem disse sei onde estão as armas que foram roubadas na Batalha, que serão entregues, quando os documentos dos alcobacenses forem para Lisboa. De acordo? Trocas?
O Ten. O (…), que era tido por um grande fascista antes do 25 de Abril, virara para o outro lado da barricada e agora o próprio comandante da unidade até o receava. O Barbosa batia as palmas, boa Franco, dá-lhe. Mais tarde António Barbosa, que nunca se meteu em políticas, mas dizia não pactuar com comunas que lhe fazem nervoso, confessava que tinha gostado tanto daquele momento, que era capaz de estar ali o dia todo a gozar e a bater palmas.
O Ten. O (…) prometeu-lhes que os papéis seriam enviados ainda nesse dia para Lisboa (mas ao que consta não havia nenhuns), pelo que o José Firmino Franco foi na Ford aos Montes para levar a Leiria, as armas apreendidas na Batalha, embrulhadas num saco de serapilheira. Ao chegar à porta de armas, chamou o soldado, atirou com o saco para o chão e com as armas espalhadas, disse-lhe que ali estava uma prenda para que Ten. O (…) e o Comandante gozassem bem.

Na Batalha, centenas de pessoas que se juntaram na EN 1, obrigaram a parar a carrinha de distribuição do jornal República, não deixando a mesma prosseguir, enquanto não lermos o jornal.
Como o jornal noticiava que os incidentes tinham sido provocados por forças reaccionárias, foram destruídos, deitados à rua e queimados todos os exemplares, pelo que o carro depois seguiu, sem nenhum aproveitável.
Com carrinha de A Capital também houve problemas. Embora tendo seguido um percurso diferente do habitual, o Manuel Antunes, seu condutor, foi localizado e interceptado por populares no Alqueidão, conduzido até à Batalha, onde os jornais foram destruídos. Só de manhã foi restabelecida a ordem. Ao mesmo tempo, umas centenas de pessoas, assaltaram e destruíram, em Porto de Mós, a sede da contestada Associação 1º de Maio.
A 29 de Julho, foi atacada e destruída a sede do MDP/CDE, em Sever do Vouga, houve um assalto às instalações dos Sindicatos dos Metalúrgicos, em Águeda, bem como à Associação Recreativa Cultural de Amor, nos arredores de Leiria.
A 30 de Julho, durante a madrugada, tropas das Regiões Militares do Norte e Centro tentaram, sem sucesso, que uma multidão de cerca de 3.000 pessoas, incendiada com palavras de ordem como vamos dar cabo dos comunas, destruísse sucessivamente as sedes do OCMLP, PC e MES.
No mesmo dia, em Évora, a casa do teorizador e promotor da Reforma Agrária, o Deputado Constituinte Dinis Miranda, do PC, foi destruída numa explosão que causou vários feridos, seus familiares. Este alegadamente nunca percebeu a razão do evento, que não merecia, nem se justificava…Ai não!
Nos assaltos as sedes do PCP e MDP/CDE, em Póvoa do Lanhoso, a 1 de Agosto, encontravam-se dois conhecidos militantes do PS, o que este partido negou sem convicção, pois era verdade e estava documentado por fotografias. Esses socialistas, ideologicamente pouco ou nada tinham de comum com o PS, antes eram pessoas perfeitamente identificados com o anterior Regime. Um deles até tinha sido Presidente da uma Junta de Freguesia e o outro membro da União Nacional.
No lugar de Bouças, Alpedriz, em meados de Agosto de 1975, correu a notícia que, numa casa abandonada, encontrava-se escondido um arsenal de armas desviadas, pelo que pessoal do Andam, decidiu confirmar in loco se era mesmo verdade, escondendo-se por perto e esperando para ver. A certa altura da tarde, chegou uma camioneta, que começou a carregar bidões, que iam sendo retirados da casa. Quando terminou o serviço, deixaram-na partir, mas avisaram o pessoal amigo de Rio Maior, que ia a caminho um carregamento de talvez de armas, pelo que a camioneta deveria ser interceptada, o que aliás aconteceu. Não constou, porém, que levasse armas. Mas os bidões eram de quê? interroga-se Américo Malhó, que até hoje nunca soube a resposta, pelo que continua intrigado.
A 11 de Agosto, em Lamego e Braga realizaram-se manifestações, muito participadas, de apoio à Igreja Católica.
Em Braga, ocorreram alguns dos mais graves incidentes do Verão Quente, de que resultaram cerca de 30 feridos, 3 dos quais com gravidade, entre eles dois jornalistas estrangeiros, na sequência de uma manifestação com cerca de 2.000 de pessoas, de apoio ao Episcopado, na pessoa de D. Francisco Maria da Silva.
Depois de terminada a manifestação, começaram os confrontos, quando um grupo de manifestantes passou em frente à sede do PC. Após uma troca exaltada de palavras com militantes do PC, que se encontravam à janela, um dos manifestantes subiu à varanda, arriou a bandeira do partido, que no chão foi rasgada, pisada e queimada, no meio de palmas, urras e vivas a Portugal, Abaixo o PC e Álvaro Cunhal para a Sibéria. Quando a porta de entrada foi rebentada, do interior foi feito fogo de caçadeira sobre os manifestantes. Os incidentes só terminaram com a intervenção de uma força militar, que lançou gases lacrimogéneos e fez disparos de metralhadora para o ar. Foram ainda destruídas nesse dia, em Braga, as sedes do MDP/CDE, da Intersindical e o Mercado do Povo.
O Bispo de Braga, horas antes, dissera aos fiéis que o problema português é este: Do lado uma minoria, contra a vontade do povo, está a impor à nação o comunismo, onde não tem lugar a Pátria independente, nem a religião. Do outro, uma esmagadora maioria a dizer não a tal comunismo.
No assalto à sede do PC, em Viseu, cujo recheio foi como habitualmente atirado pelas janelas para a rua, queimado em fogueiras, no meio de grande e histérica algazarra, registou-se um morto, doze feridos, quatro dois quais em estado grave e levados para o hospital, na sequência de disparos, cuja origem nunca foi apurada. Foram também assaltadas as sedes do MDP, FSP, MES, UDP e PRP, sindicatos e dois estabelecimentos comerciais, propriedade de elementos afectos ao PC, tidos por provocadores.
A 17 de Agosto, a sede do PC foi atacada em Ponte de Lima, onde ocorreu a morte de um militante do Partido e ficaram feridos vários populares. Os primeiros disparos de caçadeira, partiram de militantes comunistas, cercados por mais de 5.000 pessoas, em fúria incontida.
A 20 de Agosto foram assaltadas as sedes do PC, MDP/CDE e MES em Ponta Delgada, por um grupo avaliado em mais de mil facínoras e energúmenos, numa expressão da comunicação social do continente. Durante a evacuação da sede do PC, as outras tinham entretanto sido rapidamente auto-abandonadas, ficaram feridos alguns militantes, bem como soldados, que as tentaram proteger.
Nesse dia, no Porto, foi assaltada a sede do MDP/CDE e a da União dos Sindicatos tendo o mobiliário e documentos sido atirados à rua e destruídos perante a satisfação dos presentes.
No dia anterior, em Angra do Heroísmo, foram destruídas as sedes do PC, MDP/CDE e MES, bem como as instalações do jornal O Trabalhador, de que resultaram inúmeros feridos de gravidade diversa. Ao mesmo tempo, lavradores de Ilha Terceira, aprovaram na cooperativa leiteira moções em plenário, exigindo a deportação para o continente de vários militantes do PC e seus satélites, incluindo um padre progressista e alguns militares, entre os quais seis oficiais do MFA, cuja identificação não nos foi possível confirmar.
A 26, ocorreram assaltos às sedes do PC e MDP/CDE, em Leiria, de que resultou um morto a tiro e muitos feridos, como melhor se verá a diante. Os militantes que lá se encontravam sitiados/refugiados, foram evacuados pelas Forças Armadas. As sedes da LCI, MES E FEC foram saqueadas e destruídas. Rico mobiliário, quadros incluídos, documentos e livros dos escritórios dos advogados José Henriques Vareda e Guarda Ribeiro, ligados ao MDP/CDE, foram queimados e lançados à rua, com vivas e palmas dos populares, que também cantaram o Hino Nacional.

Por essa altura, um grupo de bancários do Banco Português do Atlântico, de Lisboa, num proclamado plenário representativo (embora pouco) da instituição, aprovou uma declaração de solidariedade com os bancários progressistas de Rio Maior, Ponta Delgada, Lourinhã e Minde, no sentido da sua imediata reintegração, na instituição. Em Alcobaça foi-lhe dado apoio, superiormente orientado por um macambúzio Amílcar Salgueiro (MCP/CDE e Presidente da CA da Junta de Freguesia de Alcobaça).

FLEMING DE OLIVEIRA


1 comentário:

Rasputine disse...

Boa Tarde, sou formado em História e estou a fazer um trabalho sobre os incidentes que aconteceram em Amor no PREC. Vi que no seu blog tem uma referência a isso, onde a encontrou? Tem mais informações sobre o assunto?
Antecipadamente Grato

pedroalmeida1978@hotmail.com