segunda-feira, 17 de outubro de 2011

JURISTAS, HOMENS DE CULTURA E DE HISTÓRIA.


Fleming de Oliveira

A minha experiência profissional de quarenta anos, ajudou-me a entender que o conceito de cultura, vai muito para além da do agricultor (cultivo e amanho da terra), sem desprimor para este.
O conhecimento da História, foi assunto particularmente exigente na formação dos estudantes do meu tempo e, depois, dos profissionais do foro.
Os românticos e a nova burguesia esclarecida, juristas incluídos, viveram ativamente, nestes últimos dois séculos, os movimentos revolucionários, nos quais deram vazão ao espírito militante e aventureiro.
Em França, as revoluções do século XIX, contaram com o apoio de escritores e juristas.
Em Portugal, o movimento iniciado em 1820 e prosseguido pelas lutas liberais, opôs a burguesia progressista, com muitos juristas da Escola de Coimbra, à aristocracia conservadora, imobilista e passadista.
Foi neste terreno que germinou o espírito do romantismo, sendo Garrett e Herculano, como outros exilados, pioneiros e expoentes combatentes da liberdade. O romantismo foi, no gosto pela aventura e novidade, uma época de exageros que cultivou o lado sombrio da vida, ao qual os seus intérpretes deram corpo a muita obra. O romantismo medrou com o desenvolvimento económico e político e terminou com a grande revolução industrial, que após meados do século XIX transformou, a Europa.
O optimismo das convicções revolucionárias dos românticos, não acompanhou o progresso das ciências e das mudanças sociais, mais preocupados com o conhecimento real da natureza e o esclarecimento da verdade.
O lirismo que inspirara e dera forma ao romantismo na sua concepção melancólico-sombria da vida, desvaneceu-se por lhe faltar um suporte e um objetivo, embora admita que, no conjunto, a obra seja formalmente correcta e bela.
Já me tenho interrogado, o que me leva a escrever, ainda que em privado, nalguns casos, de alma nua e exposta. Quantas vezes me fogem as palavras por entre os dedos no teclado, não tenho mão nelas, precipitadas, sem sentido. Bem gostava de saber desta ofício de escrita, mas quando muito cumpro o ritual de as alinhar, na busca de um sentido para o pensamento. Ser escritor, não é, nem pode ser isto. Tem de ser alguma coisa de maior, que permita ao leitor entender a realidade para além da simples aparência, um acertar de coordenadas que permitam levar cabo a vida de um modo escorreito ou pelo menos sem escolhos de maior, navegar sem percalços apesar de não saber o porto do destino. No frio de uma audácia tímida, envergonhada aceito, vou escrevendo, os dedos no computador não param, como o pensamento. Apago, ao que suponho, serem preconceitos e receios, os que a sociedade, a família?, nos martela dia a dia, na sala de estar, no café ou na televisão. O tempo passa fluído, como se fosse um momento só. Sem que se espere, ou o espere, o momento seguinte surge e com ele formas, nem sempre perceptíveis. Vou escrevendo como sei, devagar, tentando saborear os impulsos de conseguir obter, um dia, uma conclusão definitiva, qual alquimia !!!, elaborando-os mais, profusa e insaciadamente.
Não sou obviamente um Camões, nem um psicanalista, mas apelo intimamente a umas musas que gostaria de conhecer que me permitiam abordar de forma mais interessante figuras, quadros, emoções, esboços, imagens mais ou menos definidas. Li uma vez que as pessoas mais insuportáveis são os homens que se acham geniais e as mulheres que se acham irresistíveis.
Assim, vou-me vestindo de usado, tendo deste modo uma forma de prazer interminável e imprescindível. Afugento o frio e a fome. Acalmo a dor. Canto, como posso, a alegria se a há, de viver e ser avô, e da forma possível.
Mas acima de tudo, ouso neste meu momento de escrever, sonhar um pouco. Por isso, é que a escrita é, para mim, uma tentação.
Utilizo a ficção?
Claro, porque em parte tem a ver com a minha escrita, quando se prolonga na procura de um contorno, a metáfora e como forma de aceitar o silêncio. E ao aceitar tacitamente algumas regras de convivência e/ou de exclusão. Por isso, nesta escrita, como tenho dito, não se pode procurar, encontrar uma linguagem puramente literal, transparente por ou para si própria, embora se remeta e aproxime de si mesma, onde o mundo e a vida nascem com e para a palavra, numa indeterminação entre ambas. Para aliviar essa carga, sou até capaz de alguns delírios para abrir mundos, iluminar coisas (que exageros meus…!!!), reacender potencialidad
Atravesso, neste momento, um deserto? Admito que sim, mas não totalmente estéril.
Não estou, nem quero estar imune à influência dos outros próximos. Se isso fosse possível, extinguiam-se a História e as Heranças, que tanto prezamos. Em casa de meus Pais, falava-se por vezes no Senhor de La Palisse, quando se pretendia salientar uma evidência ou uma redundância. Na verdade, correndo esse risco, atrevo-me a concluir definitivamente que somos influenciados pelo que nos rodeia. André Malraux, que hoje parece um pouco esquecido, escreveu na Condição Humana que são precisos sessenta anos para fazer um homem e quando está pronto para começar a viver, morre.
Falando de pessoas notáveis, e eu aprecio especialmente os das letras, não posso esquecer Sócrates, o filósofo e sábio grego da douta ignorância que considerava que sem esta, o espírito nunca poderia dar à luz. Daí que a dúvida e a disponibilidade para ela, fossem já uma forma superior de sabedoria.
Só sei que nada sei !!! Que maior lição de humildade inteletual se pode ainda hoje achar?
Gosto de abordar o tema da Cultura, na medida em que o situo no que, na minha perspectiva, é a Alma de um Povo, o nosso Povo, o seu sentir ao longo dos séculos, o que o distingue dos demais pelas suas expressões materiais e espirituais. Os tempos parece que rolam cada vez mais rapidamente, e esta mudança que assume características diferentes, é a que constrói um povo, um País, Portugal. Os Lusíadas mostram-nos o modo de ser português e quinhentista, o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém, a nossa gesta marítima, colonizadora e civilizacional que parece estar em descrença, a Baixa Pombalina lisboeta, uma nova face da arquitetura moderna e de um estilo da cidade, a Ordem de Cister, o poder de um Estado/Igreja, dentro de outro Estado. E assim por diante.
Isto é a nossa cultura, isto é ser Portugal. Destruir ou abandonar este nosso património cultural, é destruir aos poucos o sentido de unidade ou os alicerces de um Povo. Atravessa o nosso País, tal como a Europa, uma crise que não é só económico-financeira, mas onde são pedidos sacrifícios e contenção. Lastimo reconhecer, nem que seja como a clamar no deserto, que esses sacrifícios incidem muito especialmente no parente pobre do Orçamento. Esquecer ou desprezar a cultura é o equivalente a menosprezar a nossa identidade individual ou colectiva.
Todos sabemos como o turismo, que é uma das atividades que assume cada vez maior peso económico e social em países como Portugal, tem vindo a alterar a vida e os costumes de certas comunidades. Os agricultores e pescadores portugueses foram das classes sociais que mais alterações sofreram, por força do turismo. A política de betão relativamente à qual se manifesta forte ambiguidade, a dificuldade entre decidir se se deve construir muito ou pouco e aonde, no litoral ou no interior, e a dos campos de golf, eliminou rápida e definitivamente muitas terras agrícolas e comunidades piscatórias, sem que daí se possa concluir definitivamente que foi vantajoso.
As regras das economias de mercado são inexoráveis e não se compadecem com saudosismos, salvo se daí advieram proveitos sustentados.

Fleming de Oliveira

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