segunda-feira, 10 de outubro de 2011

ARISTIDES E JUDEUS

-ARISTIDES DE SOUSA MENDES
-REFUGIADOS JUDEUS E OUTROS NO
OESTE PORTUGÊS, FUGINDO AOS
NAZIS
-O INGLÊS PETER BAKER REGRESSA A
INGLATERRA
-MONSENHOR JOAQUIM CARREIRA,
LEIRIA

FLEMING DE OLIVEIRA

Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, nasceu a 18 de Julho de 1885, em Cabanas de Viriato-Carregal do Sal.
Licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra e seguiu a carreira diplomática, ocupando lugares em vários pontos do Mundo, desde África, Américas e Europa. Desempenhava as funções de Cônsul de Portugal, em Bordéus, com uma dependência em Baiona, no ano de 1940, quando constatou a desesperada fuga, através de França, de judeus e outros perseguidos pelos nazis. A meta destes fugitivos, era atingir o sul de França, atravessar a Espanha, chegar a Portugal e depois ir para além-mar. Muitos, talvez a maioria não conseguiram os seus objectivos. Segundo algumas versões, num dia de Junho de 1940, Sousa Mendes recebeu o Rabi, Chaim Krugger que lhe deu conta das perseguições dos nazis, muito especialmente aos judeus. Depois de ponderar a situação, Aristides Mendes anunciou que o seu consulado iria conceder vistos de entrada em Portugal a todos os que o requeressem. A notícia correu célere e, muito em breve, começaram a chegar, às portas do consulado português, inúmeros refugiados. O movimento foi tanto que deixaram de ser cobrados emolumentos pelo serviço, que também deixou de ser registado. Na dependência de Baiona, foi adoptado idêntico procedimento.

Recorde-se que em 1933, os nazis chegaram ao poder na Alemanha, e de imediato começaram as perseguições aos judeus e a outros grupos não arianos. Logo por essa altura, Portugal começou a receber refugiados, os que primeiro se aperceberam do perigo que corriam. Mas, foi com a invasão da Polónia, Checoslováquia, Bélgica, Holanda, Luxemburgo (a Guerra havia deflagrado em 1 de Setembro de 1939) e sobretudo com a ocupação da França, que vagas de milhares de pessoas em fuga começaram a chegar ao nosso país em comboios a abarrotar, e pela fonteira de Vilar Formoso. Destes milhares (só judeus terão passsado entre 12.000 a 15.000), poucos aqui permaneceram por muito tempo. Se isso ou quando aconteceu, foi fruto da carência de transportes marítimos. A política do Governo era a de permitir apenas a passagem e não a permanência ou a instalação definitiva.
Desobedecendo a instruções de Salazar (Presidente do Conselho de Ministros que acumulava as funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros), passou milhares de vistos, viabilizando a cerca de 30.000 refugiados, sem olhar a raças ou credos, o escape ao extermínio, via Portugal. Sabia, que ao proceder assim, colocava em risco o seu futuro e o da família. Salazar respeitou a contragosto os vistos outorgados por Sousa Mendes, mas processou-o por desobediência. Foi demitido de funções, marginalizado e morreu pobre, arruinado, em Lisboa corria o ano de 1954. Reformado compulsivamente aos 55 anos, sem direito a exercer a Advocacia, nem poder conduzir automóvel (a sua carta de condução fora obtida no estrangeiro e não era válida em Portugal), Sousa Mendes passou por graves dificuldades, e perante o espectro da fome, aceitou o apoio da Comunidade Israelita de Lisboa, que incluía a oferta de refeições. Foi esta comunidade, que facilitou a emigração de alguns de seus filhos para os Estados Unidos.

O que levou um diplomata, pai de 14 filhos e bem sucedido na vida e na carreira, a arriscar ambas?
Nas suas próprias palavras, perante o Conselho Disciplinar que mais tarde o julgou e condenou, foi um dever de elementar humanidade. Os refugiados, judeus, ciganos, polacos ou checos, espalharam-se por vários pontos do nosso país, alojando-se da forma como podiam, desde logo na Beira Alta (muitos não traziam dinheiro), em vagões de caminho de ferro ou em casas particulares. Outros foram para o Bairro Alto, que não era como hoje, um local turístico, mas um bairro pobre de operários e marinheiros, onde viveram a pagar rendas baixas e a conviver com uma vizinhança humilde, que garantia a descrição e o anonimato. Outros ainda foram para o Estoril ou para a Ericeira, ao tempo uma pacata povoação de pescadores, que só se animava no verão e em tempo de paz com a frequência da camada média lisboeta. Mas também houve refugiados que foram encaminhados para a zona de Caldas da Rainha. Os que se encontravam em Caldas da Rainha (numa forma sofisticada de residência fixa), só se podiam mover num raio de 5 km, como recordam Altino Ribeiro e Luís Santos Jorge. Óbidos, por exemplo, já estava fora desse raio de acção e para ir a Lisboa era preciso uma autorização, depois de apresentado um requerimento em papel selado de 25 linhas. As residências fixas, para além da conotação negativa que o termo continha, eram por vezes lugares relativamente agradáveis, que em tempos de paz, atraiam turistas em veraneio e de modo algum tinham características que se pudessem assemelhar a um regime de internamento, como houve em muitos países europeus, inclusivé entre os Aliados. Os refugiados levavam uma vida aparentemente normal, deslocando-se livremente pela rua, tinham liberdade de culto, e as crianças podiam até ir às escolas. Excepções, como Caldas da Rainha, em que era necessária autorização, constituíam casos raros. Mas a vida sem nada que fazer, com horas e horas de ociosidade, não favorecia o ânimo de ninguém como os refugiados. A partir de 1942, Portugal começou a esvaziar-se dos que tinham conseguido entrar e se dirigiam, principalmente para Além-mar.
Luís Amaral Paiva e Luís Santos Jorge (ambos comerciantes reformados), recordam que chegou ter dois colegas refugiados na Escola Primária, em Caldas da Rainha.
Altino da Cunha Ribeiro, ao longo de várias conversas contou-nos que no ano de 1941 conheceu em Caldas da Rainha, o inglês Peter Baker, que havia conseguido evadir-se do norte de França, aonde fora preso e sentenciado à pena capital pelos alemães, alegadamente por fazer espionagem. Conseguiu atravessar a França e chegar a pé a Madrid. Contactada a representação diplomática britânica, foi-lhe arranjado um bilhete de comboio para Lisboa. Baker trazia no bolso consigo um mapa com a localização das baterias de artilharia alemãs na costa francesa, o que possibilitou à aviação dos Aliados um bem sucedido bombardeamento. Baker, foi considerado tão importante para o esforço da guerra dos Aliados, que lhe foi disponibilizado um transporte em avião de volta a casa, o que seguramente lhe salvou a vida, como veremos adiante. Em Portugal havia outros refugiados, como os canadianos, que os britânicos estavam interessados em repatriar, para o que fretaram dois barcos que saíram praticamente juntos. Um deles foi torpedeado ao largo de Peniche, por um submarino alemão. Os náufragos foram salvos da água, pelo outro barco que conseguiu chegar a tempo. Porém, o mesmo submarino alemão, não desistiu da caçada e por alturas de Aveiro veio a afundar o barco, sem que desta vez tenha havido sobreviventes. Foi portanto esta a sorte de Peter Baker que regressou a Inglaterra de avião e não de barco.
Em princípios de 1942, ia a guerra muito avançada, o Jornal (católico) A Voz, publicou um artigo em que denunciava que, nos campos de concentração alemães, a percentagem de adolescentes sujeitos ao mesmo tratamento dos adultos era da ordem de 20%. Em Auschwitz, os menores de 12 anos eram gaseados. O extermínio de crianças judias era referido no jornal como só tendo paralelo nos maiores horrores de épocas de há séculos decorridos. A PVDE censurou estes parágrafos, pois são de tal modo horrorosas as crueldades contra crianças, que se quer crer que sejam fantasiosas ou pelo menos muitos exageradas, por isso se cortam.

Alguns dos filhos de Sousa Mendes vieram a ser perseguidos pelo Estado Novo, vendo-se obrigados ao exíio. Dois deles, combateram pelos Aliados, tendo participado no desembarque da Normandia, em Junho de 1944. A família Sousa Mendes, era assumidamente monárquica e católica, conservadora (Aristides de Sousa Mendes teve um irmão gémeo que foi ministro de Salazar), acolheu também em sua casa em Cabanas de Viriato, refugiados provenientes de territórios ocupados pela Alemanha Nazi. Por isso pagou a factura. A comunidade judaica internacional, nunca esqueceu o feito, recordando o seu exemplo e acções.
Portugal, durante a II Guerra, teve efectivamente dois tipos de atitude, ou seja, manteve-se alegadamente distante, neutro, do conflito e ao mesmo tempo colaborante. Tanto ajudou a Alemanha, como a Inglaterra. Salazar declarou em 1 de Setembro de 1939, a neutralidade portuguesa, o que possibilitou a entrada e estada de refugiados no nosso país. A neutralidade começou por ser formalmente equidistante, não obstante o contacto com a Inglaterra, no quadro da Aliança. Veja-se a nota oficiosa publicada a 2 de Setembro de 1939 na imprensa nacional:
Apesar dos incansáveis esforços de eminentes chefes de governo e da intervenção directa dos che¬fes de multas nações, eis que a paz não pôde ser mantida e a Europa mergulhada, de novo, em dolorosa catástrofe. Embora se trate de teatro de guerra longínquo, o facto de irem defrontar-se na luta algumas das maiores nações do nosso continente-nações amigas e uma delas aliada- é suficiente para o grande relevo do acontecimento e para que dele se esperem as mais grave consequên¬cias: não só se lhe não pode ficar estranho pelo sentir, como há-de ser impossível evitar as mais du¬ras repercussões na vida de todos os povos. Felizmente, os deveres da nossa aliança com a Inglaterra, que não queremos eximirmos a confirmar em momento tão grave, não nos obrigam a abandonar nesta emergência a situação de neutra¬lidade. O governo considerará como o mais alto serviço ou a maior graça da Providência poder manter a paz para o povo português, e espera que nem os interesses do país, nem a sua dignidade, nem as suas obrigações lhe imponham comprometê-la. Mas a paz não poderá ser para ninguém desinteresse e descuidada indiferença. Não está no po¬der de homem algum subtrair-se e à Nação às dolorosas consequências de guerra duradoura e ex¬tensa. Tendo a consciência de que aumentaram muito os seus trabalhos e responsabilidades, o Governo espera que a Nação com ele colabore na resolução das maiores dificuldades e aceite da me¬lhor forma os sacrifícios que se tornarem necessários e se procurará distribuir com equidade possí¬vel. A todos se impõe viver a sua vida, mas agora com mais calma, trabalho sério, a maior disciplina e união; nem recriminações estéreis nem vãs lamentações, porque em muito ou pouco fique prejudi¬cada a obra de renascimento a que metemos ombros. Diante de tão grandes males, faz-se mister ânimo forte para enfrentar as difïcuildades: e da prova que ora derem, sairá ainda maior a Na¬ção.

Até à segunda metade de 1942, as relações luso-britânicas mantiveram-se algo tensas, pois os britânicos não gostaram que o governo português desmantelasse a sua rede da Shell e ficaram desagradados com as trocas comerciais com o inimigo alemão. Por isso reforçaram o bloqueio marítimo ao Continente.
Quando em 1943, a Guerra começou a pender para os Aliados, Salazar temeu que à semelhança dos outros regimes, o seu não sobrevivesse. Portugal passou-se politicamente para o lado dos Aliados, acordou com os americanos a utilização estratégica de uma base nos Açores e em Janeiro de 1944, declarou o embargo de volfrâmio aos Alemães.
Durante a Guerra, Portugal havia ajudado de outras formas o Eixo. A partir de 1941, os vistos começaram a ser negados a jovens dos países ocupados, em idade militar, com vista impedir a sua integração nos exércitos Aliados, bem como prendeu elementos de redes de passagem clandestinas de soldados Aliados.
Se alguns politólogos engajados encontram semelhanças entre os regimes de Hitler e de Salazar, a verdade é que também existiram diferenças bem substanciais. Uma das diferenças mais patentes foi a ausência de anti-semitismo no regime português. Salazar enfatizou, ao contrário da Alemanha, que Portugal era um país de uma só Raça (a Raça Portuguesa), não havendo distinções entre os indivíduos. Os inimigos de Salazar eram os seus adversários políticos, enquanto que para Hitler também eram os de raça dita inferior, que não tendo lugar na sociedade, deviam ser exterminados, para que os Arianos (esbeltos, louros e de olhos azuis) sobrevivessem, procriassem e dominassem. Os adversários do Estado-Novo, ainda que desapossados da liberdade e dos direitos cívicos e políticos, não eram expulsos da nação (o Tarrafal, ainda assim, era Portugal…), não lhes era retirada a nacionalidade.
Os portugueses, não exprimiam ou praticavam, em geral, comportamentos anti semitas. Os judeus não eram tidos como uma raça inferior, mas tão só um grupo que seguia uma religião muito minoritária, num país de religião maioritariamente católica, a qual aliás era a religião (oficial) do Estado. Os portugueses não percebiam a razão de aos judeus alemães ser tirada a respectiva nacionalidade, só por serem judeus.
Outra importante diferença, decorria de os judeus nos territórios alemães ou por eles ocupados, serem obrigados a usar a Estrela de David e a viver em ghetos. Em Portugal, possivelmente devido ao facto de o número ser reduzido, os judeus não eram qualificados ou apontados como tal, mesmo tendo sido outrora perseguidos com ferocidade pelo Santo Ofício. Alguns judeus até ocupavam cargos próximos do Regime, como Moisés Amzalak, Reitor da Universidade Técnica de Lisboa.
As condições impostas pelo Governo Português para a obtenção de visto de entrada (e que Sousa Mendes rodeou), eram difíceis de obter. Os refugiados, antes de chegarem a Portugal precisavam de vistos, que na prática eram cinco. Um visto de saída da Alemanha ou dos países por ela ocupados, um de entrada na França Livre (expressão eufemística para a França de Vichy), um de trânsito pelo território espanhol e outro português. O visto de trânsito em Portugal, dependia da prévia concessão dos demais. Os vistos portugueses só começaram a ser passados e concedidos com alguma regularidade, após os interessados terem obtido um visto/autorização de entrada no país de destino e disporem de bilhete num navio, caso o país de destino se situasse além-mar. Só após a obtenção destes dois vistos, o governo português autorizava os seus embaixadores ou cônsules, a emitir vistos de entrada no País. O Ministério dos Negócios Estrangeiros enviou a vários consulados portugueses, espalhados pela Europa, uma circular, na qual, impunha a necessidade de os refugiados terem de obter um visto de turismo válido por trinta dias. Se o Regime não aceitava nem fomentava o anti-semitismo, dificultava todavia a entrada de refugiados judeus. A presença de judeus era tolerada por Salazar, e o seu fluxo foi significativo, em determinado momento. Salazar receava os efeitos de uma grande vaga de refugiados, estrangeiros e perniciosos, pois isso acarretaria, eventualmente, perturbações sociais e políticas. Hoje em dia reconhece-se que os refugiados não acarretaram problemas político-sociais, especialmente os que ocuparam hotéis do Estoril ou Cascais. A desgraça de uns redundou, como em regra, no benefício de outros. Pensões, casas de aluguer, restaurantes, comércio de alimentação e táxis, obtiveram alguns rendimentos, doutro modo inexistentes.
A PVDE demonstrou, porém, interesse nos refugiados conhecidos por militarem nos respectivos países, em causas liberais, pacifistas ou comunistas, levando-os para prisões como Caxias, Aljube e diz-se que até para o Tarrafal (o que neste último caso, não pudemos confirmar).

Aristides de Sousa Mendes, não foi o único diplomata a ser penalizado por conceder vistos aos judeus, embora o seu caso tenha sido o que teve maior repercussão internacional e nacional. Também foram penalizados Lencastre e Meneses, cônsul honorário de Portugal em Atenas, Agnore Magno, cônsul de Portugal em Milão ou Sampaio Garrido e Branquinho Teixeira, na Hungria.
Em Jerusalém, no Memorial Yad Vashen, às vítimas do Holocausto, há uma árvore com um nome de um português. Trata-se de Aristides de Sousa Mendes, a quem já chamaram o Schindler português, por comparação com o que se tornou famoso, graças ao filme A Lista de Schindler.

Monsenhor Joaquim Carreira, merece ser referido a este propósito. Joaquim Carreira nasceu no lugar do Souto de Cima, Caranguejeira-Leiria, a 8 de Setembro de 1908. Seus pais, Joaquim Carreira e Maria Inácia, embora pequenos lavradores, cedo se preocuparam com a educação do único rapaz entre 5 flhos, o qual seguiu a vida sacerdotal, ingressando no Seminário de Leiria, em 15 de Outubro de 1920, onde foi aluno aplicado, alegre e inteligente. Por decisão do Bispo, foi enviado para Roma, em 1926, para continuar os estudos eclesiásticos na Universidade Pontifícia Gregoriana. Aí concluiu a Licenciatura em Filosofia e Direito Canónico, bem como o Doutoramento em Teologia. A 19 de Setembro de 1931 foi ordenado sacerdote, em Roma. Nesse mesmo ano regressou a Portugal, cheio de entusiasmo e conhecimentos filosóficos, teológicos e científicos.
Em Maio de 1940, o Bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva enviou o Padre Joaquim Carreira novamente para Roma. A Itália estava em guerra. Não era nada agradável o ambiente que ia encontrar. Nomeado Vice-Reitor do Colégio Pontifício Português, de Roma, em breve passou a Reitor. Ali, correndo enorme risco de vida, acolheu muitos refugiados, políticos e não políticos, fascistas e antifascistas, judeus e não judeus. Nunca foi molestado, mesmo quando saía rumo às aldeias próximas, à procura de alimentos. Furtando-se à vigilância dos soldados nazis, ia no carro do Colégio, mendigando alguns alqueires de milho e outros alimentos, para os seus refugiados. Explicou um dia, depois do termo da Guerra que, se não conhecesse tantos moleiros nos arredores de Roma, os meus hóspedes teriam passado muita fome. O milho, cozido em grão, valia por bom bife.
Medo?
Muito, confessou.
Mesmo que os cabelos lhe tenham caído, confiava na missão, pois era imperioso e urgente fazer o bem, sem olhar a quem.

FLEMING DE OLIVEIRA



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