segunda-feira, 10 de outubro de 2011

ELECTRICIDADE EM ALFEIZERÃO




-A ELECTRICIDADE EM ALFEIZERÃO E
ALCOBAÇA
-O CAMEFEGO
-O PADRE, O BURRO E O CIGANO

FLEMING DE OLIVEIRA

Nesse tempo, ainda não havia luz eléctrica em Alfeizerão, como em geral no concelho de Alcobaça.
A iluminação pública era feita com candeeiros a petróleo, grandes e bonitos, colocados nas esquinas. Nesse aspecto, o País estava muito atrasado e o Concelho não era uma excepção gritante, não obstante na sede do concelho a luz eléctrica ter sido inaugurada em 1905, aliás, no mesmo ano que Barcelos, como nos recordou um nosso parente de Nine.
No último quartel do século XIX, dera-se o início à produção e distribuição industrial de electricidade, com o aparecimento de instituições públicas e privadas, agências estatais, municipais, empresas, grupos profissionais, associações de classe (desde as associações industriais e comerciais aos sindicatos) e também de consumidores que, em conjunto, deram forma a uma indústria, estabeleceram fronteiras, construiram os seus standards organizacionais, tecnológicos, culturais. Logo nessa altura, uma das mais importantes aplicações industrializadas, foi a iluminação eléctrica. As primeiras redes de distribuição e antes destas, os primeiros sistemas de produção isolada da época, destinavam-se a gerar electricidade para iluminação. As redes estiveram mais associadas à iluminação de ruas e vias públicas e as produções isoladas, à iluminação de fábricas, hotéis, teatros. Mas isso era noutros locais do País, as grandes urbes, que não Alcobaça.

O Camafego (talvez corruptela de camafeu) que José Tempero chegou a conhecer, avô de Manuel Vizoso, que foi Presidente da Junta há alguns anos, era quem todos os dias ia junto de cada candeeiro, com uma escada e com uma medida, deitar a quantidade necessária de petróleo para satisfazer as necessidades de uma noite. Aceso um candeeiro, o Camafego passava ao seguinte. A determinada altura, por pura malandrice, alguém arranjou um molho de papel enrolado com uns cordões, e com uma ponta a fingir ser um fio de detonador, que dependurou num candeeiro. Quando o Camafego subiu ao candeeiro e ao ver aquilo que tinha todo o aspecto de uma bomba, desceu prontamente e comentou em voz alta quem te pôs aí que te acenda. Nessa noite não houve iluminação pública em Alfeizerão.

O fornecimento generalizado de luz eléctrica no concelho de Alcobaça começou tardiamente, mais propriamente na segunda metade séc. XX. Até aí, os alcobacenses de Évora, Turquel, Maiorga, Alpedriz, Alfeizerão ou os serranos, usavam para sua iluminação, candeias de azeite, candeeiros de petróleo, lanternas e petromaxes. As candeias de azeite eram muito simples, feitas de lata e possuiam um bico, que suportava uma torcida, feita dum pouco de pano. Produziam uma fraca luz, eram leves e penduravam-se num prego ou num local à mão. Nos lagares e adegas, usava-se preferencialmente uma candeia de azeite de maior volume, com quatro bicos e torcidas.
Os alunos estudavam em casa à luz de candeeiros a petróleo, tal como as senhoras faziam malha, costura ou a lide da casa.
Quando se fala de petróleo relativamente a candeeiros, para sermos mais precisos deveríamos dizer mais querosene, petróleo de iluminação. Hoje obviamente não se usa. É um líquido avermelhado, de cheiro característico, que se vendia nas mercearias, como recorda o T´Zé das Tojeiras.
As candeias e os candeeiros funcionavam com uma torcida embebida em parte no combustível, que subia ao longo desta. Quando se acendia a ponta da torcida, a chama produzida ia consumindo o combustível e a torcida e emitia algum fumo, como refere Tempero.
Os candeeiros a petróleo eram, geral, de vidro. Alguns tinham um pé alto, como vemos com alguns utilizados com finalidade meramente decorativa. As torcidas vendiam-se nas mercearias, drogarias e estabelecimentos semelhantes. Podiam fazer-se subir ou descer por meio duma roda exterior ligada a outra que tinha dentes e estava em contacto com as torcidas. Estes candeeiros tinham chaminés de vidro que protegiam as chamas.
Para acender um candeeiro a petróleo, retirava-se a chaminé e chegava-se à torcida um fósforo. Para apagar o candeeiro, levantava-se a chaminé e apagava-se a chama com um sopro.
Nas casas havia, em geral, suportes para os candeeiros a petróleo, aliás, colocados estrategicamente onde era mais cómodo e útil, como por exemplo, a mesa de cabeceira do quarto de dormir, a mesa de refeição ou ao pé do lume.
Havia candeeiros a petróleo apropriados para usar na rua ou em palheiros munidos de uma pega para transporte. Podia-se levantar e baixar a chaminé por meio duma mola. Com a mesma finalidade se podiam usar as lanternas, em que quatro vidros laterais protegiam a chama. As charretes tinham lanternas redondas Um lampião era uma grande lanterna fixa no tecto ou numa parede.
Para obter uma luz forte usava-se um petromax que tinha que ser manejado com cuidado, porque a camisa se desfazia com facilidade.

A electricidade não estava de todo ausente do Concelho de Alcobaça até à Guerra e alguns anos seguintes. Havia lanternas eléctricas, chamadas comumente foxes qjue eram usadas para iluminar o caminho. Em noites sem lua, os caminhos especialmente os rurais eram percorridos, antes da chegada da luz eléctrica, em completa escuridão. No entanto, as pessoas como que tinham uma espécie de instinto inato que lhes permitiam pôr sempre o pé, no sítio certo e seguir os percursos correctos.

O Pe. João Matos Vieira, que esteve em Alfeizerão durante várias décadas, natural do Alentejo, foi interveniente numa estória, que José Ferreira Tempero recorda como uma, onde se pode aplicar o rifão com a verdade me enganas.
O Padre tinha uma mula quase cega, e que também sofria de pulmoeira. O Padre decidiu então, desfazer-se no animal e vendê-lo. Aproveitando um dia de feira, em Alfeizerão, disse ao criado para levar a mula à feira e tentar vende-la pelo melhor preço possível. A mula não obstante aqueles defeitos, estava bem apresentada, com uma pelagem bonita. O Padre estava dividido entre dizer ou não a verdade acerca do estado do animal, o que desvalorizava quase totalmente o negócio. Em breve, começaram a aparecer eventuais interessados, mas o criado dizia logo que não era ele quem mandava, mas o Padre que estava ali perto, que fossem falar com ele. Até que uns ciganos foram ter com o Padre, que lhes disse que não lhes vendia a mula, pois era quase cega, e tinha pulmoeira. Se eu vos vendesse a mula, sem dizer nada, amanhã vinham-me dizer que os tinha enganado, e não quero ser disso acusado.
Quanto mais o Padre dizia que a mula tinha defeito, que não os queria nem podia enganar, e que portanto não pretendia vende-la, mais eles insistiam, subindo a parada. Os ciganos estavam a supor que o Padre não lhes queria vender o animal, que era muito bom, por serem ciganos. Depois de muita insistência, acordado o preço, acabou por ser fechado negócio. No dia seguinte, pela manhã, os ciganos apareceram com a mula pela arreata, pedindo para falar com o Senhor Prior, então Senhor Prior a mula é cega e tem pulmoeira. O Senhor Prior tem que ficar com a mula a dar-nos o dinheiro de volta.
-O dinheiro? Então eu falei-vos verdade sobre o estado do animal e nunca vos quis enganar.
-Mas nós pensávamos que o Senhor Prior não nos queria era vende-la.
Perante tanta insistência e começo de uma menos interessante pressão, o Padre disse para a irmã oh Adília! chama aí a .GN.R. de S. Martinho, que estes senhores estão-me a incomodar. Nesta altura, a G.N.R. tinha efectivamente alguns meios persuasórios, que os ciganos, na dúvida, não queriam experimentar.



FLEMING DE OLIVEIRA

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