quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A CENSURA ANTES DO 25 de ABRIL

Uma rolha na boca.
Mário Neves, faz crónicas dramáticas a partir de Badajoz.
As entrevistas a Salazar.
Os fatos de banho, vigiados pelos zelosos cabos-do mar.
O Catitinha.
O homem da língua da sogra e os barquilhos.
Como é bom namorar.
A Ala Liberal e a Lei da Imprensa.
Portugal combate os mendigos e miséria, por via administrativa e judicial.
O ortodoxo Lopes-Graça e o russo liberal Rostropovich.
Portugal derrota em futebol a Home Fleet por um rotundo 11-1.



FLEMING DE OLIVEIRA

(II)
Uma rolha na boca.
Uns óculos na ponta do nariz. O jornalista não pode falar, pois tem ainda uma faca à cabeça e uma tesoura aberta entalada no pescoço. Na lâmina da tesoura, lê-se Lei de Imprensa. Era a pena de Francisco Valença, que ocupou primeiras páginas, e desenhou uma curiosa caricatura alusiva à Censura Prévia, no semanário humorístico Sempre Fixe, em 8 de Julho de 1926, acompanhada de um pequeno texto, na impossibilidade de desenharmos e escrevermos no Diário do Governo, teremos de transformar o Sempre Fixe em jornal de modas. Já temos mesmo uma linda colecção de figurinos de dolmans, calças à Chantilly, capotes, etc., para a presente estação. Vamos desbancar o Depósito de Fardamentos!

A 15 de Fevereiro de 1931, iniciou-se a publicação mensal do Avante, tão clandestino quanto o era o PC, que viria a ser o mais duradouro periódico português do tempo do Estado Novo.
A 1932, Julho, foram publicadas as Instruções Gerais da Direcção Geral dos Serviços de Censura, aonde se lê que a Censura foi instituída pelo governo da Ditadura com o fim de evitar que seja utilizada como arma política, contra a realização do seu programa de reconstrução nacional, as instituições republicanas e o bem estar da Nação. A Censura Prévia foi instituída quer através da Constituição, quer do Dec-Lei n.º22469, de 11 de Abril, de 1933.
A Constituição de 1933, não obstante consignar a garantia da liberdade de expressão do pensamento, afirmava logo a seguir que leis especiais a irão regular, de forma a impedir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social, e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos.
O diploma atrás referido e publicado no mesmo dia do texto constitucional, 11 de Abril, diz no seu artº 2º que continuam sujeitas a Censura Prévia as publicações definidas na Lei de Imprensa e bem assim as folhas volantes, folhetos, cartazes e outras publicações, sempre que em qualquer delas se versem assuntos de carácter político ou social. Este Decreto foi, no âmbito da imprensa, o primeiro que apareceu assinado conjuntamente por Óscar Carmona e Salazar.
Em 29 de Junho, foi criada a Direcção Geral dos Serviços de Censura, na dependência do Ministério do Interior. A imprensa clandestina começava a surgir em força, como forma de contrariar o que a máquina censória cortava.
Os Serviços de Censura elaboraram, em Janeiro de 1934, uma lista de âmbito alargado, nacional, com os jornais que consideravam comunistas e ou com ligações maçónicas.
Por força do Dec-Lei nº26589, a fundação de qualquer jornal ficava sujeita a uma autorização prévia, mediante a análise da idoneidade moral e financeira dos responsáveis. A Direcção dos Serviços de Censura poderia recusar, o nome do director do jornal, de forma mais ou menos discricionária.

A Censura em 17 de Agosto suprimiu a última e dramática crónica de Mário Neves para o Diário de Lisboa, a propósito da Guerra Civil de Espanha. Enviada telefonicamente de Badajoz, após o massacre da Praça de Touros, ela só viria a ser divulgada em Portugal depois do 25 de Abril. Em 15 de Agosto de 1936, o Diário de Lisboa publicou um texto da autoria do seu enviado, testemunhando a tomada de Badajoz pelas tropas de Franco. Badajoz está entregue aos legionários e aos regulares marroquinos, que levavam a cabo cenas de desolação e horror.
Foi essa a derradeira oportunidade de Mário Neves contar aos portugueses o que se passava, pois que doravante a sua crónica seria totalmente censurada e não mais publicada.
De acordo com Mário Neves, vou partir. Quero deixar Badajoz, custe o que custar, o mais depressa possível e com a solene promessa à minha própria consciência de que não mais voltarei aqui, começava assim a crónica-reportagem, a última, que relatava os horrores provocados pela entrada das tropas nacionalistas naquela cidade.
O Dec.Lei nº33015, de 30 de Agosto de 1943, clarificou que a sujeição aos Serviços de Censura passaria a ser obrigatória também para as editoras de livros e de quaisquer outras publicações. Segundo o seu normativo, os transgressores poderiam ser penalizados com uma multa até 200.000$00, suspensão até 180 dias, ou mesmo supressão e encerramento da empresa.
O Dec.Lei nº33545, de 23 de Fevereiro de 1944, dispôs que sairiam da tutela do Ministério do Interior os Serviços de Censura, os quais passavam, de facto, para a dependência directa de Salazar.
O Dec.Lei nº34560, de 11 de Maio, de 1945, instituiu uma Comissão de Censura para teatro e cinema e em Janeiro do ano seguinte, Salazar, repreendeu por escrito os serviços centrais da Censura por terem sido brandos com o semanário Agora que, além de uma suspensão, ficou sujeito a provas de página. Salazar queria que tivesse havido mais firmeza, pois justificava-se ter alargado o tempo de suspensão do periódico...
Em Fevereiro, foi entregue ao Presidente da República, Óscar Carmona, um abaixo-assinado com mais de 230 assinaturas, pedindo que fosse imediatamente publicada e posta em vigor a prometida Lei de Imprensa, com as garantias indispensáveis à livre, responsável e digna expressão do pensamento, eliminando definitivamente o regime de censura a que estamos ainda submetidos. Os subscritores foram jornalistas e colaboradores da imprensa como Aquilino Ribeiro, José Régio, Mário Dionísio, Rodrigues Lapa, Adolfo Casais Monteiro, José Gomes Ferreira, Joaquim Manso, Artur Portela, Álvaro Salema, Raúl Rego, Fernando Lopes Graça ou Maria Lamas.

No mês de Julho, os Serviços de Censura proibiram a circulação em Portugal da revista americana Time, por dela constar um artigo pouco elogioso do Regime. O motivo directo foi capa da revista, onde Salazar era apresentado como o decano dos ditadores ao lado de uma maçã podre, bichada.

Em Novembro, Ferreira de Castro considerou, numa mensagem ao MUD, que a Censura é uma arma de dois gumes, pois, pode cobrir os erros dos que a estabelecem e mandam, iludir a opinião pública e criar falsos ídolos, sustentar no poder, durante dezenas de anos, homens ou ideias que, só por eles, talvez os países não sustentassem dezenas de dias. Mas, quase sempre, a Censura acaba por ser fatal também aos próprios que a instituem…
O Diário Popular, em Agosto de 1947, foi multado em 200$00, por ter publicado uma notícia sobre a ex-Rainha de Itália, em moldes considerados desrespeitosos. Que termos eram esses? A mulher de Humberto de Itália foi autorizada a viver na Suíça. O Ministério dos Negócios Estrangeiros anunciou que concedeu autorização a Maria José, da Itália, esposa do ex-rei Humberto, e a dois filhos para residirem na Suíça. Acrescentava que Humberto da Itália não pediu autorização para viver na Suíça, mas se o fizesse seria rejeitado. Pouco tempo depois, fins de Dezembro de 1947, morreria Vítor Manuel III, exilado em Portugal, que nunca chegara a abdicar, mas apenas tendo cedido ao filho Humberto o seu direito ao trono.
Em Janeiro seguinte, a Comissão de Censura proibiu que, no catálogo de 1949 da Terceira Exposição Geral do Grupo Surrealista de Lisboa, se escrevesse que o grupo Surrealista de Lisboa pergunta depois de vinte anos de medo, se ainda seremos capazes de Liberdade? É absolutamente indispensável votar contra o fascismo.
Decorria a campanha do Gen. Norton de Matos e o pintor António Pedro, líder do Movimento Surrealista, que chegou a colaborar com o regime tal como Carlos Botelho, pertencia à sua comissão de candidatura. Em Fevereiro, em carta aberta à Nação, o Gen. Norton de Matos voltou a exigir a abolição da Censura.

CONTINUA

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