quinta-feira, 6 de outubro de 2011

-HUMBERTO DELGADO E AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 1958 -ALCOBAÇA E A SUA CASA DA CELA

Fleming de Oliveira

Ouvi contar a um antigo Presidente da Câmara de Alcobaça, que em uma ou duas mesas de voto no Concelho, chegaram a aparecer mais boletins, do que total dos inscritos nos respetivos cadernos eleitorais.
Talvez por isso, em certos meios ainda corre a tese, que Humberto Delgado ganhou nas urnas, as eleições de 1958. Os resultados fornecidos pelo Regime, deram a nível nacional 75,8% para Tomás e 23,6% para Delgado. Todavia, alguns analistas, entendem que esta tão grande diferença, não pode ser apenas o fruto de fraude stritu sensu, no momento do apuramento dos votos, mas principalmente o efeito de uma enorme máquina manipulatória, intimidatória e trituradora, que se iniciava com o recenseamento eleitoral. Na prática, só era facilitado o recenseamento aos que eram de confiança. A oposição não tinha acesso aos cadernos eleitorais, outrossim a obrigação de distribuir pelos eleitores os boletins de voto, bem como encontrava-se impedida de fiscalizar o acto. Como referi anteriormente, no próprio dia das eleições, havia operações fraudulentas, algumas bem elementares, como as alterações dos resultados, que estavam longe de concordar com os votos expressos, fazendo circular transportes que permitiam que se arregimentasse pessoas ou até que se votasse mais que uma vez. Tendo isto em conta pode-se, mesmo assim, afirmar que o resultado obtido por Delgado, foi expressivo, embora bastante distante do que, noutro contexto, seria a vontade nacional.

De acordo com antigo GNR de Alcobaça sold. Joaquim Meneses, que não gostava falar de política, embora ouvisse falar das chapeladas, isso era tema absolutamente tabú, na corporação.
Sobre as eleições presidenciais de 1958, a imprensa local de Alcobaça, O ALCOA foi bastante sóbria, referindo, sem agressividade, e de forma meramente circunstancial, os candidatos da oposição, o Advogado de Lisboa, Arlindo Vicente, afecto ao PC, bem como o Gen. Humberto Delgado, que ao contrário do outro, ainda era tratado deferentemente como S. Ex.ª, talvez por ser um oficial prestigiado e ter uma propriedade na Cela, onde passava os fins de semana e algum tempo livre.
Joaquim Meneses, encontrou-se algumas vezes, por motivos de serviço, com Humberto Delgado, nomeadamente na sua quinta. Aliás, a Igreja de S. Bento está na propriedade de Humberto Delgado. Quando era a festa de S. Pedro, deslocava-se para lá uma patrulha da GNR, de que Meneses fez parte várias vezes. Quando o pessoal da Guarda chegava, Delgado dava pessoamente instruções à cozinheira para lhe servir um bom almoço e ser bem tratado. Falava cordialmente, embora com banalidades, com os elementos da patrulha, dizendo-lhes que ali só havia boa gente e para estarem à vontade.
Meneses salienta que os elementos da GNR, antes de saírem em serviço no dia das eleições, tinham de ir votar, o que no seu caso fazia por dever de ofício, pois que nunca teve interesse pela política. Ia votar, sem hesitação, nas listas do Regime (U.N.), pois no dia anterior, o comandante do Posto, no cumprimento de instruções, que vinham de cima, Leiria ou Lisboa, dizia-lhes que aonde o voto tinha de ser colocado.

Há ainda, quem conte na Cela-Alcobaça, (será que é apenas lenda?) que (Delgado) ele era um bom aviador. Até chegava a vir aqui fazer piruetas na Cela a voar sobre a quinta dele. Uma vez passou pelo avião por debaixo dos fios da linha do caminho-de-ferro.
Joaquim Moutinho, da Cela, recorda uma ocasião em que Delgado veio de Lisboa de visita à família e estava a observar a actuação do rancho folclórico local. Como fazia muito calor, abrigou-se à sombra de uma árvore, mas o vento teimava em atirar-lhe um ramo contra a cara, até que, com gesto rápido, destroçou a tranca, atirou-a ao chão e exclamou em voz alta se eu apanhasse aqui o Salazar fazia-lhe a mesma coisa.


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