quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A CENSURA ANTES DO 25 de ABRIL

Uma rolha na boca.
Mário Neves, faz crónicas dramáticas a partir de Badajoz.
As entrevistas a Salazar.
Os fatos de banho, vigiados pelos zelosos cabos-do mar.
O Catitinha.
O homem da língua da sogra e os barquilhos.
Como é bom namorar.
A Ala Liberal e a Lei da Imprensa.
Portugal combate os mendigos e miséria, por via administrativa e judicial.
O ortodoxo Lopes-Graça e o russo liberal Rostropovich.
Portugal derrota em futebol a Home Fleet por um rotundo 11-1.



FLEMING DE OLIVEIRA

(V)
Na prova de uma página do Notícias da Amadora, reconhecidamente não afecto ao Regime, de 2 de Março de 1968, está uma notícia sobre o compositor Fernando Lopes Graça, autorizada pelos Serviços da Censura, onde se podem ver os cortes efetuados.
No primeiro parágrafo, aliás suprimido, leem-se elogios ao músico que o censor decidiu eliminar, dada a sua descrição como um homem cuja vida era uma luta exemplar contra a ignorância, o modo de dizer estou aqui e as canções que recolheu do sangue do povo. Umas linhas à frente, seguia sem cortes, a razão de ser da notícia. A projecção internacional do compositor português decorria de Mstislav Rostropovich, um reconhecido violoncelista russo/soviético embora já contestante, lhe ter encomendado o Concerto para Violoncelo, classificado pelo o jornalista como a sua última obra de fôlego. Mas logo a censura voltou a cortar uma parte alegadamente incómoda da notícia, deixando o leitor sem saber que a primeira audição mundial daquele concerto fora interpretada por Rostropovich, condecorado outrora com Prémio Estaline, durante umas comemorações da Revolução Bolchevista
Lopes-Graça esteve frequentemente sob a mira da P.I.D.E. e da censura, muito especialmente após a participação no M.U.D., assim como no PCP, do qual se tornou militante. É de 1945, o seu plano para a organização estatal da música, inédito até 1989, e o início da composição das Canções Heróicas, peças de intervenção cuja apresentação em público esteve proibida, até ao 25 de Abril. Como comunista ortodoxo-soviético, confiava na queda do Estado Novo, após o termo da II Guerra. Só com o fim do Estado Novo, e com p PREC houve reconhecimento oficial, do seu papel no quadro da cultura nacional. É de 1979, apesar do seu peculiar sentido de humor, a dramática composição Requiem para as Vítimas do Fascismo em Portugal.

Outro caso de (irrisória?) suspensão de publicação periódica, aconteceu com o jornal A Bola, graças a uma reportagem publicada a 25 de Março de 1946. A matéria, não censurada, referia-se a um desafio de futebol amigável entre a Selecção Portuguesa e, de acordo com o jornalista responsável pela peça, onze marinheiros britânicos da Home Fleet tomados como a Selecção Britânica. Portugal vencera por 11-1. O jornalista disse que a luta não foi equilibrada, foi indiscutivelmente correcta ou não estivessem em campo 11 cidadãos britânicos (…) só para se ver como se perde com uma cara alegre e sorriso nos lábios a grande maioria, mas muito grande, dos assistentes ao espectáculo não deve ter dado por mal empregado o dinheiro gasto com os bilhetes da entrada… No entanto outro motivo de indiscutível sucesso houve, por milagre, para justificar a deslocação de tantos milhares de pessoas ao Vale do Jamor (…) a exibição da Banda de Música Inglesa durante o intervalo do desafio. A compostura, o garbo e a afinação daquele conjunto compensou de sobejo o sacrifício da tarde. Com aquela pequena amostra de um breve quarto de hora o público ficou deliciado, aplaudindo merecidamente.
Os comentários em questão custariam ao jornal um mês de suspensão!, por falta de respeito para com um país Velho Aliado e para com Sua Majestade.
Saiu em Abril de 1974, o último número do Avante clandestino. É o nº 464, série VI, com dois títulos ainda vigorosos: Não dar tréguas ao Fascismo e Aliar à luta antifascista os patriotas das Forças Armadas.
.Na noite de 24 para 25 de Abril, o Lápis Azul não abrandou o seu trabalho como já se refeiu. Várias notícias sobre o Movimento dos Capitães são ainda objecto de censura, mesmo de madrugada, tais como O Ministro do Exército em contacto com oficiais do Movimento. Preso o Comandante da Região do Porto. Aqui Comandos. Disposições frente à casa do General Spínola. Tiros disparados na Baixa Lisboeta.
O Programa do MFA foi claro em algumas medidas a tomar, como a abolição da Censura e o Exame Prévio.
Mas…, nessa medida foi anunciada a criação de uma comissão ad-hoc, de carácter transitório e directamente dependente da Junta de Salvação Nacional (JSN), tendo como justificação salvaguardar o segredos militares e evitar perturbações na opinião pública, causadas por agressões ideológicas dos meios reaccionários!
A 2 de Maio foi nomeada a Comissão, integrada apenas por militares. A acção desta Comissão foi contestada, e pouco tempo depois, com a Lei de Imprensa, de Fevereiro de 1975, deixou de fazer sentido. Estava instituída, final e formalmente, a Liberdade de Imprensa, que viria a ser consagrada na C.R.P.
Enformados pelo espírito do 25 de Abril, os artºs. 37º e 38º da C.R.P., inscreveram a Liberdade de Expressão e Informação e a Liberdade de Imprensa, nos direitos fundamentais da cidadania portuguesa. O artº 37º, diz claramente que, todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de se informar, sem impedimentos nem discriminações. Acrescenta que o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. O Artº 38º, especificamente sobre a Liberdade de Imprensa, contém sete parágrafos onde se garante a liberdade no que ela significa, bem como nos demais meios de comunicação social.
O jornal A República, publicou em rodapé, a toda a largura da 1ª página do dia 25 de Abril de 1974, a informação que Este Jornal Não Foi Visado Por Qualquer Comissão de Censura.
O rodapé manter-se-á nas edições do dia 26 de Abril.


FLEMING DE OLIVEIRA


Sem comentários: