quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A CENSURA EM PORTUGAL

-Um transmontano seco, áspero e telúrico, Miguel Torga
-Um beirão de Terras do Demo, com lugar no Panteão Nacional.
-Ferreira de Castro, Alves Redol, Os homens que nunca foram meninos,
Vitorino Nemésio, Fernando Namora e mais algumas estrelas das letras
nacionais.
-Bento de Jesus Caraça e o ISCEF.

Fleming de OLiveira















(I)
Vejam-se alguns casos de escritores contemporâneos e de tomadas de posição relativamente ao anterior regime e seus valores.
O relato de uma viagem que Miguel Torga (nome de baptismo de um transmontano seco, áspero e telúrico, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, inspirado numa planta transmontana, a urze campestre, cor de vinho, de raízes muito duras e agarradas, metidas entre as fragas), que realizou em 1937 por alguns países europeus, veio a ser publicado, dois anos depois, com o título de o Quarto Dia Da Criação do Mundo. Esta obra deu origem à prisão de Torga, na sequência de uma queixa formulada a Salazar por Nicolás Franco, irmão mais velho de Francisco Franco. Torga era um homem livre, português iberista, mas anti-união ibérica, cidadão do mundo, que tinha muito orgulho nas suas origens, e se escorava no pressuposto do Nunca descrer//Do chão duro e ruim.
Os estudiosos de Torga, destacam a sua faceta ibérica, que não põe em causa a sua Pátria Cívica viabilidade e independência. Segundo Manuel Alegre, Torga era culturalmente um iberista, mas politicamente um português.
O regime nacionalista espanhol, considerou injurioso e obsceno na sua alegada propaganda anti-comunista, o livro de Torga que denunciava a tragédia da Guerra Civil, as atrocidades e, muito concretamente, o bombardeamento a Guernica. Salazar ordenou a prisão de Torga, que veio a ocorrer no seu consultório, ainda em Leiria. A detenção teve como fundamento uma acusação de comunismo que incluía a suspeita de ter recebido dinheiro de Moscovo para a compra de material cirúrgico para o consultório médico !!!.

A imprensa de Alcobaça, no único semanário que se publicava, Ecos do Alcoa, em Maio de 1937, detacava a grande ofensiva lançada pelas pseudo democracias europeias contra as forças de Franco que mercê, da sua indómita bravura, alcançaram retumbantes vitórias na região da Biscaia, ocupando alguns dos seus principais centros mineiros. O motivo aparente de tão injustificado clamor é a anunciada destruição da cidade de Guernica, pátria das liberdades…bascas, mas muito especialmente a de uma simbólica árvore, a cuja sombra se reuniam os legisladores do Euzkadi. Esse o motivo aparente que já não ilude ninguém, pois à nossa consciência repugna acreditar que os homens vocifrem imprecações contra a destruiçãio de uma árvore, por muito respeitável que ela seja e não tenham feito ouvir os seus mais clamorosos protestos perante o furor encandescido que revelaram os espantosos bombardeamentos do Alcazar de Toledo, sagrada relíquia que, além do seu alto valôr material, encerrava épocas inteiras da maravilhosa História de Espanha, do Convento de Guadalupe, da Catedral de Córdoba, de dezenas de monumentos de maravilha e, muito recentemente do Santuário de Santa Maria de La Cabeza onde se encontravam cêrca de 800 mulheres e crianças que a falsa caridade dos démo-bolchevistas internacionais deixou durante perto de dez infindáveis meses, à mercê das granadas e bombas de aviação que há mais de um mês, atingiam a espantosa cifra de três mil e quinhentas (…). Fora Tartufos…
A guerra civil em Espanha era acompanhada com atenção e preocupação em Alcobaça, onde havia apoiantes de um lado e do outro da barricada, que aproveitavam para fazer a apologia junto dos respectivos correligionários. Em Agosto de 1936, os Sindicatos Nacionais de Operários Portugueses, controlados pelo governo, realizaram em Lisboa um grande comício antibolchevista que foi difundido em directo pela EN. A Câmara Municipal de Alcobaça, por iniciativa do indefetível nacionalista Manuel da Silva Carolino, providenciou para que um altifalante fosse colocado numa janela do seu edifício, a fim de transmitir os discursos. O alegado objectivo deste comício e sua difusão, consistia em desmontar a informação canalizada pelos colossos da propaganda internacional que têm provocado uma justificada repulsa.
A 29 de Novembro seguinte, uma comissão composta pelo Presidente da Câmara, Manuel da Silva Carolino, Dr. Joaquim Nascimento e Sousa, Dr. José Nascimento e Sousa, Dr. Rodolfo Bacelar Begonha, Prof. Bernardo Correia de Almeida e Alberto dos Santos Carvalho, organizaram uma manifestação anticomunista que, segundo o referido Ecos do Alcoal, juntou muita gente, num consolador repúdio pelas doutrinas marxistas, apoio aos nacionalistas espanhóis, numa lição de civismo que a nossa terra deu a todo o País e dum modo especial a todas as terras do nosso lindo distrito.
Voltemos a Miguel Torga. Transportado para o Aljube, onde se acolhiam também presos políticos, foi interrogado, mas só foi libertado ao fim de cerca de três meses, aliás, sem acusação nem julgamento, como era prática corrente. Aí escreveu o poema de resistência Ariane. (…) Ariane é um navio,//Tem mastros, velas e bandeiras à proa,//E chegou num dia branco, frio,//A este rio Tejo, de Lisboa (…).
Miguel Torga, um dos mais representativos escritores contemporâneos portugueses, que em 2007 ano faria cem anos se fosse vivo, foi uma voz entre poucas de peso, que se ergueram em Portugal contra alguns episódios da Guerra Civil de Espanha, arrostando as consequências. Em 1975, pouco antes da morte de Francisco Franco, voltou a verberar o fuzilamento de dois etarras, no que foi um dos últimos actos sanguinários do regime.
Para Renato Nunes, biógrafo e estudioso de Torga, o aspecto mais relevante da atenção que a PIDE lhe dedicou é o interesse quase obsessivo da PIDE pelos vários domínios da vida do escritor (…) as violências sistemáticas da correspondência, o registo das suas viagens, dos encontros com amigos, até os rendimentos da sua actividade como médico.
Torga, referiu-se à violência dessa devassa no seu Diário XII, de 1975, quando depois de 25 de Abril teve acesso ao dossier da PIDE/DGS, pois vista através daquele registo laborioso e tenaz de gusanos inexoráveis, a minha vida era a própria imagem da desolação.
Havia publicado, em 1928, o seu primeiro livro de poesia, Ansiedade, ainda como Adolfo Rocha, mas que acabou proibido de ser vendido, mas apenas por exclusiva decisão do autor.
Em 1931, iniciou a sua contestação à Ditadura Militar e em breve, foi confrontado com a censura, que exigiu a identificação do director, editor e proprietário da Manifesto, efémera revista que só durou cinco números.
Atravessou, a Espanha em guerra civil, dando conta das impressões que lhe causou o conflito em livros como A Exposição de Paris de 1937. Esta exposição, teve uma interessante presença portuguesa em cujo pavilhão, houve festas populares como o S. João, a Festa do Vinho, a Festa do Mar e ainda música e bailes.
Torga, como vimos, foi preso em Leiria, a 2 de Dezembro de 1939, e levado para o Aljube, na sequência da publicação de O Quarto Dia da Criação do Mundo, que foi apreendido. Tendo sido libertado a 2 de Fevereiro, descreveu a experiência da prisão em O Quinto Dia da Criação do Mundo. Casou-se a 27 de Julho, com a belga e professora universitária Andrée Crabbé Rocha, expulsa da Universidade de Lisboa, fixando residência em Coimbra, onde abriu consultório médico no Largo da Portgem, ao qual ia todos os dias, paramentado de bata branca. No consultório existia uma grande tabuleta no sobrado, segundo o costume do tempo. De todos os cilícios um apenas,//Me foi dado grato sofrer//Cinquenta anos de desassossego,//A ver correr, //Serenas,//As águas do Mondego.
Pelos 16 volumes do Diário de Torga, que compreende o período que vai de 1932 a 1993, perpassam as várias fases da vida política, cultural e social do País, da Península Ibérica, bem como do resto do mundo.
Editou o Diário I, em 1941. Em 1942, escreveu no seu Diário II que que dizia-me hoje alguém: Homem se você pudesse ser na vida literária o que é na vida clínica, conciliante, passa-culpas, carregando o perdão, que maravilha! Na verdade esse alguém, estava muito longe de o poder compreender, isto é saber ler…
Após publicação, em 1942, de Os Contos da Montanha, os volumes foram apreendidos em Coimbra, o mesmo acontecendo ao poema dramático Sinfonia. Dada a sua origem rural, e conhecendo Portugal de uma ponta a outra, a sociedade e a sua estrutura fundiária, pôde escrever que a diferença que existe entre o Alentejo e o resto de Portugal é que aqui o homem é dono da terra e lá a terra é dona do homem. Por esta e por outros, persona non grata ao regime, veio a ser-lhe negado o passaporte para sair de Portugal. Ele que tanto apreciava sair, preso na sua terra.
Participou na campanha de Humberto Delgado, em 1958, não obstante ser avesso à militância política e não apreciar os políticos como tal, por nunca os considerar como figuras intocáveis, como por vezes se gostam de auto-rever. Talvez assim se compreenda esta sua passagem, do Diário VIII, estes trinta anos de poder pessoal acostumaram-nos de tal maneira à canga que só através de outro poder individual sonhamos, quando sonhamos, a libertação. Sempre se mostrou pronto para tomar posição contra medidas que privavam os portugueses de liberdades cívico-políticas, sendo que a liberdade é uma penosa conquista da solidão. E em Julho de 1970, no mesmo Diário, registou que morreu Salazar. Mas tarde demais para ele e para nós, os que o combatíamos. Conheceu e foi amigo de alguns políticos. Escreveu no Diário IX, com clareza, que medicina, literatura e política, por ordem decrescente. A devoção, a obrigação e a maceração. O Presidente Ramalho Eanes foi, mais que uma vez, visitá-lo a S. Martinho de Anta, e quando Samora Machel se deslocou a Portugal, foi Torga o seu cicerone na visita ao Douro. O restaurante Pompeu dos Frangos, na Malaposta, foi local de muitos jantares, encontros (por exemplo com Jorge Amado) e tertúlias, com amigos. Já bastante doente, fora outra vez hospitalizado. Pode-se enganar a vida. A morte é que não (cfr. texto de Abril de 1992). A propósito do seu aniversário reuniu, entre outros, Mário Soares, a quem deu a direita à mesa. Ouvimos contar em Coimbra que o bolo comemorativo desse aniversário, representava o seu livro Nihil Sibit, reproduzia alguns versos e o encontro foi tanto mais emocionante, quanto Torga sabia que o seu fim estava próximo. Em Dezembro de 1993, escreveu REQUIEM POR MIM: Aproxima-se o fim//E tenho pena deacabar assim//Em vez a natureza consumada//Ruína humana, //Inválido do corpo,//E tolhido da alma//Morto em todos os órgãos e sentidos (…).
Quando publicou o VIII Volume do Diário, mais uma vez veio a ser apreendido pela PIDE. O caso mobilizou acções de protesto e de solidariedade por parte de personalidades como Urbano Tavares Rodrigues, Jaime Cortesão, Artur Portela (Filho), Vítor Direito e Raul Rego.
Foi proposto, em 1960 com Aquilino Ribeiro, ao Prémio Nobel da Literatura, sendo a sua candidatura subscrita pelo professor francês da Universidade de Montpellier, Jean-Baptiste Aquarone. No ano seguinte, escreveu como amargura e descrença que qualquer dia o sarcasmo vem já formulado no Diário do Governo: licença à oposição eleitoral para mais uma confratrnização exaltada de impotência.
Recusou, em 1969, o Grande Prémio Nacional de Literatura, por ser atribuída pelo Regime e subscreveu o Manifesto dos Escritores ao País, pela restituição da liberdade, contra a máquina represssiva e as prisões políticas. Mas aceitou receber nesse ano o Prémio Literário Diário de Notícias, que lhe foi entregue pelo Director Dr. Augusto de Castro. Quando Caetano sucedeu a Salazar, havia escrito no seu Diário XI, em Stembro de 1968: A rádio acaba de transmitir a notícia de que Salazar, em coma foi exonerado e substituído na Presidência do Conselho. Na história do Mundo nada aconteceu, mas na de Portugal acabou o reinado, uma época-trágica como se há-de ver- uma maneira específica de governar, qualquer que seja a vontade do sucessor. As circunstâncias, uma inteligência impassível, um certo sentimento de grandeza pessoal, o conhecimento satânico do preço dos homens, a obstinação, o oportunismo, a ousadia, a crueldade e o desprezo podem num dado momento fazer do mais apagado individuo um chefe providencial. Mas quando o ídolo ou o déspota, obrigado pela força ou pela erosão do tempo, é removido do pedestal, leva anos, às vezes séculos, a surgir outro.
Segundo nos contou uma vez um amigo do Dr. A. Magalhães, Salazar com quem Torga nunca se terá encontrado pessoalmente, não se coibia de manifestar-lhe a admiração, chegando a declamar em privado estrofes da História Trágico-Marítima: Noite medonha, aquela! //O mar tanto engolia a caravela//como a exibia à tona, desmaiada!
A Revolução do 25 de Abril não lhe granjeou, de início, grande entusiasmo. Escreveu no Diário XII, Golpe militar: Assim eu acreditasse nos militares. Foram eles que, durante os últimos macerados cinquenta anos pátrios, nos prenderam, nos censuraram, nos apreenderam e asseguraram com as baionetas o poder à tirania. Quem poderá esquecê-lo? Mas pronto: de qualquer maneira é um passo. Oxalá não seja duradoiramente de parada. Sobre o processo de descolonização, pronunciou-se em Julho de 1974, no sentido que vamos finalmente dar independência aos povos colonizados. Uma independência que sem dúvida lhes irá custar caro, mas não há nenhuma que seja barata. Ainda sobre este tema, um dos pontos de divergência com o PS, escreveu que fomos descobrir o mundo em caravelas e regressamos dele em traineiras. A fanfarronice de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos deu este resultado: o fim sem a grandeza de uma grande aventura. Metade de Portugal a ser o remorso da outra metade.
No Verão Quente, publicou no jornal diário A Luta (pró PS), um poema que intitulou Lamento, ah, meu povo traído//Mansa colmeia//A quem ninguém colhe o mel (…) e num outro, Liberdade, Liberdade, que estais em mim//Santificado seja o vosso nome (…).
Nunca se inscreveu em nenhum partido, pois o meu partido é o Mapa de Portugal.
Todavia, Torga assumindo um sentido de responsabilidade cívica, para que uma ditadura não desse lugar a outra ditadura, participou em comícios socialistas e presidiu em Coimbra ao primeiro celebrado por este partido, em 1 de Junho de 1974, graças ao empenho de Manuel Alegre. A propósito das eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas em Abril de 1975, Torga escreveu no seu Diário XII, eleições sérias, finalmente. E foi nestes cinquenta anos de exílio na Pátria, a maior consolação cívica que tive. Nesta campanha eleitoral, discursou num comício em Coimbra do PS.
Os responsáveis do PS, manifestaram em geral grande apreço e respeito por Miguel Torga, que nunca nele se filiou, sem nome possível numa ficha partidária, embora se identificasse com os seus grandes princípios programáticos. A sua concepção de socialismo, radicava na sabedoria ancestral do comunitarismo agário e pastoril. Combeteu, pela a escrita e palavra, os que antepunham a construção do socialismo à edificação da democracia, pelo que em 6 de Março de 1975, note-se antes do golpe pró-comunista de 11 de Março, chefiado por Vasco Gonçalves, registou no jornal A Capital, que é necessário interromper, sem demora, esta corrida leviana que nos leva à perdição.
Em Novembro de 1985, escreveu no seu Diário IV que, há uma coisa que nunca poderei perdoar aos políticos: é deixarem sistematicamente sem argumenhtos a minha esperança. A grande divergência de Torga com o PS, terá estado relacionada com a adesão de Portugal à CEE pelo que, Soares chegou a deslocar-se a Coimbra para lhe refrear o euro-cepticismo. Inútil, já que Torga repudiou a militância europeia, como fizera com as outras, inclusivé a Socialista/PS.
Foi promovida em 1978 uma nova candidatura ao Prémio Nobel da Literatura, recebendo o apoio do escritor premiado no ano anterior, o espanhol Vicente Aleixandre.
Em 1987, a propósito das comemorações oficiais do 10 de Junho em Macau, integrado numa embaixada cultural de Coimbra, que incluiu intelectuais, cientistas e políticos, bem como o Coro dos Antigos Orfeonistas de Coimbra (de que o autor destas notas fez parte durante 10 anos, já pai de filhos e, advogado radicado em Alcobaça), Torga numa conferência manifestou preocupação pela perda das marcas da lusitanidade e referiu-o no seu Diário.
Foi, ao que cremos a ida ao Oriente, uma das últimas saídas significativas de Torga ao estrangeiro, ele que gostava muito de conhecer o mundo. Dessa vez, percorreu os cenários que tinha antecipado para o herói do seu romance Senhor Ventura. Torga, aproveitando essa deslocação também foi a Goa. No regresso, registou que a civilização (está) no seu apogeu. Quando se vem da Índia e se desembarca nesta terra é que se vê a que baixeza social o homem pode descer e a que alturas subir. Torga conhecia o nosso País, gabava-se de que ninguém o conhecia melhor que ele, pois percorreu Portugal de uma ponta a outra. Falando com ele, dava a ideia de ser pessoa socialmente difícil, pouco comunicativo, aparentemente impermeável à lisonja, quando agradecia (?) nem sorria, falando mais com convicção do que razão, muito cioso da sua imagem pública de aura granítica, detestando fotografias, entrevistas, dedicatórias ou autógrafos (v. não sabe o que me está a pedir!). Mesmo assim não evitou que, num caso ou noutro, a sua imagem de lobo solitário ficasse registada para contentamento de quem com ele aparecia. Segundo se diz, houve pessoas que para lhe caçarem um impossível autógrafo, fizeram-se passar por doentes e então obtiveram-no através da prescrição médica. Registou no Diário X, que nunca me havia sucedido, mas hoje aconteceu: oferecer um livro espontaneamente a uma pessoa desconhecida, feliz por o ter escrito. Recordamo-nos, todavia, de no nosso tempo de estudante da Faculdade de Direito, de Coimbra, cliente de um café da baixa, entretanto transformado num pronto-a-vestir, o encontrar a tomar a sua bica e a conversar, normalmente na mesma mesa, junto a enorme espelho de parede. Cremos que também algumas vezes o teremos visto, ouvido não diremos, ler textos que o seu interlocutor aprovava, com um discreto muito bem. Seriam versos?
Disse, numa entrevista ao jornal francês Liberation, na edição de 11 de Fevereiro de 1988, que quis sempre manter-me um homem independente. Sentimentalmente, sou socialista, mas, no fundo, permaneço um anarquista. Um rebelde.
Um diligente PIDE, em relatório de Julho de 1947, informou que Adolfo Correia Rocha, conhecido literariamente por Miguel Torga (a própria mulher também o tratava por Miguel… segundo se dizia em Coimbra), era anti-situacionista, de ideias avançadas, mas moralmente nada consta. Torga quis ser de todos, em vez de camarada de poucos, na sua poesia de resistente e cântico à liberdade.
A poesia foi e será sempre universal. Transversal, atravessou de forma imparável todos os tempos e sociedades, as ideologias e as correntes de opinião, como se fosse a voz dos deuses. Ela foi o suporte dos grandes anseios e dúvidas da Humanidade. Nenhum Hino capaz de mobilizar as energias de um Povo, utilizou tão bem outra arma para o exaltar na alma colectiva. A poesia tem a vitalidade das situações eternas, acompanhou os homens nos momentos de desalento, na solidão das trincheiras, das grades de uma prisão, na subversão e claro… no amor.

CONTINUA



Sem comentários: