quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A CENSURA EM PORTUGAL

-Um transmontano seco, áspero e telúrico.
-Um beirão de Terras do Demo, com lugar no Panteão Nacional.
-Ferreira de Castro, Alves Redol, Os homens que nunca foram meninos,
Vitorino Nemésio, Fernando Namora e mais algumas estrelas das letras
nacionais.
-Bento de Jesus Caraça e o ISCEF.

Fleming de OLiveira







(IV)




Numa perspetiva, porventura ligeiramente diferente, mas sem se pretender deslocalizar e divagar demasiado, há a referir Bento de Jesus Caraça, posicionado num quadrante político-ideológico bem definido.
Bento de Jesus Caraça, matemático e ensaísta, é ainda uma figura de referência da Matemática em Portugal e da cultura de esquerda, sobretudo afecta ao PC. Apesar da morte prematura e de não ter tido oportunidade, por perseguição política, de exercer na Universidade todo o trabalho que desejaria, a sua capacidade de intervenção, cultural e ideológica, sobrelevou esses problemas e garantiu-lhe um lugar na posteridade, para além do mundo universitário e do memorialismo anti-fascista. A obra tal como a vida, espelham a realidade portuguesa simultaneamente no que esta tinha, ou ele entendia, de mais grave, a Ditadura e seus efeitos sendo o mais premente, a necessidade de a romper. A obra mais emblemática que produziu, é A Cultura Integral do Indivíduo, datada de 1934, embora não seja a sua primeira publicação. De carácter ensaístico, ela persiste como um trabalho de reflexão sobre a ciência na vida dos indivíduos. Muito ativo, Bento caraça fez parte do MUNAF em 1944 e com Azevedo Gomes promoveu, em 1945, o MUD. A combinação de espírito científico, empenho pedagógico e atividade oposicionista acabaram por provocar polémica com António Sérgio, que competia com todos os demais e, em particular, com a esquerda comunista, pelo primado do apostolado da ciência e da democracia entre os jovens, pelo que em 1945 e 1946, nas páginas da Vértice, a leitura pretensamente duvidosa de Platão por parte de Sérgio e a exposição rigorosa de matemática por Caraça, acabaram por ser o menos relevante na polémica entre ambos. Foi um confronto que vinha de anos antes, entre o espírito seareiro original, idealista, e a estratégia de influência comunista, materialista, de oposição radical ao Regime. A polémica entre Caraça e Sérgio, após a II Guerra, veio confirmar a divergência nos círculos oposicionistas portugueses, entre os demoliberais, e os revolucionários marxistas-leninistas próximos do PC, designados usualmente como neo-realistas.
Como não poderia deixar de ser, tamanha projeção prejudicou a sua vida pessoal e profissional. Preso pela PIDE por duas vezes, acabou em 1946 por ser demitido da cátedra na Universidade Técnica de Lisboa. Permaneceu uma referência entre os alunos do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, que, segundo rezam as crónicas, reduziam a sigla da instituição a Isto Sem Caraça Era Fácil (I.S.C.E.F.). Esteve ligado à origem da Revista de Economia, cujo primeiro número, foi publicado em 1946, pouco tempo antes da sua morte. A sua memória está um pouco esbatida, apesar de o seu nome se encontrar repetidamente na toponímia de várias localidades do sul do País, sobretudo nas autarquias de preponderância comunista.

Sofia de Mello Breyner Andresen, começou a sua carreira literária algo voltada para o universo infanto-juvenil. Mas a partir de certa altura, anos de 1960, começou a manifestar de forma clara a sua oposição ao Regime e a situações de injustiça social. Mas afinal, também no seu entender, tudo continuou a ser mais ou menos com Caetano. De pouco serviram as intervenções de deputados da Ala Liberal, como Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Miller Guerra e de mais dois ou três como Magalhães Mota, reclamando pelos direitos e liberdades negados aos cidadãos nacionais. Hoje em dia é uma personalidade de referência na literatura portuguesa do século XX.

O governo era, outrossim, sensível aos editoriais de jornais oficiosos como A Época que, em 1973, que se permitiam escrever que abriu há pouco a Feira do Livro de Lisboa. Entre as oitenta e tantas barracas de livreiros, quantas se destinam à propagação de livros apontados à subversão social? Há forças ocultas a manobrar nos planos da inteligência desde as tribunas de crítica (que foram as primeiras posições conquistadas), até aos sectores da publicidade, que permitem comandos espantosos.


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