quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A CENSURA

-A Censura é antiga como o Mundo.
-O assassinato de Theo van Gogh.
-As caricaturas de Maomé.
-O Papa Bento XVI.
-O caso da Ópera de Berlim.
-Os nús femininos.
-Sir Salman Rushdie.
-O Grande Oriente Lusitano.
-A memória não pode ser alienada.
-Mário Soares e o exílio.
-O Cardeal-Rei e o Santo Ofício.
-Damião de Góis, Gil Vicente, Camões, Fernão Mendes Pinto, Pe. António
Vieira e outros, até perto de nós, sem esquecer Gonçalves Rapazote.
-Luandino Vieira e a extinção da Sociedade Portuguesa de Autores.


Fleming de Oliveira

(IV)

A poucos meses do 25 de Abril de 1974, o Ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, ordenou à PIDE que tivesse especial atenção a:
(1)-Relacionar as tipografias que se dedicam à impressão de livros suspeitos, pornográficos ou subversivos;
(2)-Organizar um plano de visitas regulares a essas tipografias para impedir, efectivamente, a impressão de textos susceptíveis de proibição;
(3)-Organizar a visita regular às livrarias de todo o País para sequestro de livros, revistas e cartazes suspeitos e para apreensão dos que já estão proibidos pela Direcção dos Serviços de Censura.

Como a censura não era suficiente, muitas vezes a PIDE assaltava casas de escritores, gráficas ou os editores, levando o que estava a jeito. De uma só vez, a Editora Europa-América teve 73 mil livros apreendidos e 23 títulos proibidos. A diligência começou no dia 14 de Junho de 1965, e prosseguindo durante quatro dias, foi feita a busca a tudo o que havia. Os agentes regressaram no dia 23, com carros, que cercaram o edifício em Mem Martins, e levaram aquela quantidade de livros. Em escudos, o prejuízo andou na ordem dos 700.000. Nesse ano, e na sequência da atribuição do Prémio da Novelística Camilo Castelo Branco ao escritor angolano Luandino Vieira, autor de Luuanda, a cumprir uma pena de 14 anos sob a acusação de terrorismo, luta contra o colonialismo, a Sociedade Portuguesa de Escritores viu a sua sede, em Lisboa, assaltada, destruída, por obra de um conjunto de legionários, agentes da polícia PIDE e populares, acabando por vir a ser extinta sob acusação de traição à Pátria, por despacho do Ministro da Educação Nacional, Inocêncio Galvão Teles. A notícia seria, tanto quanto possível, abafada pela Censura, e com o Ministro Veiga Simão, foi permitida em 1973 a constituição de uma nova associação de escritores, a Associação Portuguesa de Escritores.
Nos dois anos que antecederam ao 25 de Abril de 1974, as prateleiras da editora Seara Nova ficaram com menos 1.500 contos de livros, que a PIDE/DGS se encarregou de levar para os depósitos da Rua António Maria Cardoso. Além de dirigentes e colaboradores detidos em Caxias, a Seara Nova tinha, pelo menos cinco processos pendentes por edição de livros considerados subversivos que a PIDE/DGS tinha instruído e enviado para Tribunal Criminal Plenário.
Um dos últimos relatórios da Comissão de Censura, referente a Janeiro de 1974, indica que quase centena e meia de títulos foram retirados do mercado, apenas no período de um mês.

A censura constituiu uma arma de excelência de Salazar e Caetano, para abafar, se possível à nascença, qualquer veleidade de contestação ou denúncia sérias. O que se sabe, comprova que a censura, o Exame Prévio concretamente, foi um dos elos fortes do regime, que assentava num aparelho repressivo vasto e tentacular com o SPN/SNI, a LP, a MP (Masculina e Feminina), a Obra das Mães para Educação Nacional, o OMEN, (ligada à MPF e cujo objetivo consistia em preparar as gerações femininas para os seus deveres maternais, domésticos e sociais, promover a habilitação das mães para a educação familiar e para o embelezamento da vida rural, desenvolver o gosto nos filhos pelos trabalhos domésticos, contribuir para a educação nacionalista da juventude), a FNAT, o Conselho Permanente da Acção Escolar e principalmente a PIDE/DGS.
Contrariamente ao que ainda é quase voz corrente, a censura não se limitou a amordaçar a literatura, a imprensa escrita. Ela esteve presente no teatro, no cinema, na televisão, na rádio, nas artes plásticas.
Em suma, a censura para além de tentar abafar a contestação popular, visou moldar o pensamento dos portugueses em conformidade com os valores e interesses do Regime, com o pretexto do Bem Comum.


FLEMING DE OLIVEIRA


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