terça-feira, 21 de janeiro de 2020

NO TEMPO DOS BÓERES EM PORTUGAL CALDAS DA RAINHA, ALCOBAÇA, TOMAR, PENICHE, ABRANTES E S. JULIÃO da BARRA.

NO TEMPO DOS BÓERES EM PORTUGAL
CALDAS DA RAINHA, ALCOBAÇA, TOMAR, PENICHE, ABRANTES E S. JULIÃO da BARRA.
(5)
-ALCOBAÇA-
                                                                  
Em 1834, as ordens religiosas foram extintas em Portugal e os seus bens nacionalizados. As ideias libertárias da Revolução Francesa, haviam aumentado a hostilidade aos monges, inviabilizando o recurso a empréstimos para obras de reconstrução, fruto do terramoto e de uma grande inundação. A situação tornou-se mais hostil e em 1833, a população invadiu o Mosteiro de Alcobaça e o saqueou. Com grande dificuldade foram salvos manuscritos e livros da Biblioteca, que atualmente constituem valiosos arquivos da Biblioteca Nacional de Lisboa e do Arquivo da Torre do Tombo. A partir dessa altura, o Mosteiro foi ocupado, reconvertido e adaptado a várias funções públicas e privadas.
Entre 1928 e 1948, foram levadas a cabo obras, alegadamente com o intuito de restituir o monumento às suas especificidades arquitetónicas iniciais.  
A monumentalidade de Alcobaça é tanto mais manifesta quanto límpida e austera é a arquitetura, e trata-se do primeiro ensaio de arquitetura gótica em Portugal, uma joia que ficou sem imediata continuidade e que não foi reproduzida, a não ser muito mais tarde
[1] Para além do sucesso social e político que constituiu a visita a Alcobaça de Isabel II, foi pretexto para se fazerem novas obras de recuperação e restauro do Mosteiro, bem como da zona envolvente e cuja finalidade seria, alegadamente, continuar a reintegrar o Mosteiro na sua primitiva traça.

O cenário de desleixo e de decrepitude do Mosteiro é registado por Manuel Vieira Natividade, em 1885 [2], que salienta o mau estado dos telhados e abóbadas ameaçados pelas infiltrações, pondo em causa a Sala dos Reis e o espaço onde se encontram as arcas tumulares de Pedro e Inês, o estado lastimoso da Charola e Capela-Mor. Enfim, o abandono e o vandalismo que sentem os visitantes e os usufrutuários destes espaços, considerados os maiores do monumento, ameaçados pela incúria dos responsáveis políticos.

A Princesa Rattazi, francesa nascida em 1833 e falecida em 1902, que não era especialmente culta, nem estudiosa, mas ousada de juízo, não deixou de manifestar simpatia pelo pequeno reino português que supunha adormecido, para não dizer morto.
Por outro lado, se pretendeu corrigir erros espalhados pela Europa acerca de Portugal, também é certo que deu forma de letra a outras incorreções e imprecisões graças ao conhecimento por alto/Vol d’Oiseau, que teve do nosso País. [3]
Em 1879 efetuou uma visita ao Mosteiro de Alcobaça.
(…) De Caldas da Rainha fiz uma excursão a Alcobaça. Os meus amigos portuenses haviam-me vivamente aconselhado a não deixar de visitar este local curioso, onde os túmulos de Inês de Castro e de D. Pedro atraem uma multidão de curiosos ou de peregrinos, especialmente os enamorados pela lenda comovente dos dois amantes coroados. (…) Alcobaça é banhada por dois rios, o Alcoa e o Baça. A vila, perdido o antigo esplendor, nada mais oferece de notável que o Mosteiro. Por si próprios, os claustros são cidades, a sacristia uma igreja, e a Igreja uma basílica, disse um autor português. (…) A frontaria está admiravelmente conservada. A igreja é do mais puro e estilo gótico. Tem 3 naves que se comunicam por arcadas de uma elevação pasmosa. A humidade gotejando através de pedras enegreceu-as e a ação do tempo desconjuntou-as e o edifício está quase todo ao abandono, mas é magnífico no seu conjunto e nos detalhes que subsistem intatos. Portas carunchosas e fendidas introduzem-nos na sacristia e claustros. Parte do edifício serve de quartel, a outra que tratavam de restaurar está destinada para uma escola ou o seminário, a terceira já em ruínas. Todavia o aspeto geral é grandioso, mas a erva cresce em liberdade e as cobras assobiam enroscando-se nas colunas que aparam as abóbadas circulares; túmulos de frades confundem-se com as lajes contendo inscrições que guarnecem as paredes; por uma fenda engrinaldada de festões de heras e trepadeiras, avistava-se os fragmentos de duas alas góticas que ligavam dois andares do Mosteiro. (…)

[4]São Presidentes de Câmara nos primeiros anos do novo século Vitorino Avelar Fróis (2-01-1900 a 31-08-1900) e José de Almeida e Silva (01-09-1900 a 1-01-1902). O edifício da Câmara funcionava num prédio de gaveto no Rossio com a Travessa da Cadeia.
Nos antigos Claustros do Rachadouro e do Cardeal estão instalados os Regimentos de Cavalaria 9, Artilharia 1 e, mais tarde, Cavalaria 4. Cavalaria 9 foi o primeiro regimento a instalar-se na vila – em 1884 – tendo permanecido em Alcobaça cerca de 15 anos.
Em maio de 1901 chegaram a Alcobaça os refugiados Bóeres da guerra do Transval, tendo ficado alojados na antiga biblioteca do mosteiro.
No início do século XX, com as fábricas a laborar em pleno e a agricultura florescente, regista-se um surto de desenvolvimento. Em 1874 foi fundada a Fábrica de Fiação e Tecidos, de Joaquim Ferreira Guimarães, onde chegam a laborar 1.000 operários por dia (em turnos) - com 500 teares e 14.000 fusos, a Fábrica de Papel na Casa do Engenho (de Manuel dos Santos Silvério e Joaquim Silvério Raposo), a Fábrica de Louças de José Reis (1875), a Fábrica de Compotas e Conservas de frutas de Manuel Natividade e Araújo Guimarães (Natividade & Cª.) – 1887 - e ainda moagens, serralharias, oficinas de carruagens, cordoarias, etc.
No espaço em redor do Mosteiro abrem vários estabelecimentos comerciais: sapataria de Manuel Ribeiro Maranhoso, farmácia de Manuel Vieira Natividade, casa comercial de Narciso Monteiro, estabelecimento de João Ferreira da Silva, loja de ferragens e drogaria de José Maria Furtado Santos, mercearia de António Lúcio Taveira Pinto, farmácia de Marques da Silveira, sapataria de João Elias d’Oliveira, etc. Também na Praça D. Afonso Henriques se estabelecem vários comerciantes. O Hotel Alcobacense, conhecido por Hotel Galinha funciona na Rua Frei António Brandão.
Há saraus literários, sessões políticas, bailes de máscaras pelo Carnaval e Micareme. E touradas na Praça da Rua Afonso de Albuquerque, de Vitorino Avelar Frois. A construção da Praça teve lugar em 1899.
No antigo Refeitório do Mosteiro funciona o Teatro Alcobacense (inaugurado em 1840) onde são levadas à cena comédias, dramas, operetas, ópera, revistas pelas melhores companhias do País. Desde 1887 que havia um Coreto Municipal. O Clube Alcobacense, detentor de uma excelente biblioteca, funciona desde 1889. Aliás o Gabinete de Leitura, que tinha sido fundado em 1875, chegou a ter 5.000 volumes para uso dos sócios.
No que respeita a imprensa local o primeiro jornal a ser publicado é o Correio de Alcobaça, que é fundado em 1889. No ano seguinte – em 1890 – saiu o primeiro número do Semana Alcobacense que se veio a publicar durante 33 anos. Há ainda registo de uma revista chamada Perfis, que editada no mesmo ano, e de que só teriam sido publicados 5 números. Em 26 de Maio de 1891 surge o jornal De Alcobaça, que tem uma atividade regular durante cerca de 5 anos. O Noticias de Alcobaça, de que é Diretor Guido Coelho da Silva, imprime os seus primeiros números em 1899 (tem vida longa e meritória, com tiragens até 1932).
E quem é que lê os jornais desse tempo? Com toda a certeza poucos leitores pois o analfabetismo no País rondava os 78,6% numa população de 4.231.336 habitantes! Parece-nos oportuno referir que a Escola Adães Bermudes, na Roda, só vem a ser instalada em 1907.
O estado moral e intelectual da maioria dos moradores era baixo. Em geral não eram letrados e o pouco tempo livre, depois das suas duras ocupações diárias, era passado em tabernas.
Quem tinha posses ou necessidade de viajar, apanhava os carros da Mala Posta, na Rua D. Pedro V. Uma viagem à Batalha, com partida de diligência, frente ao Hotel Alcobacense, demorava duas horas e custava 3.000 reis (3$000).
O Asilo da Infância Desvalida de Álvaro Possolo prestava serviços humanitários e dava assistência às crianças. Desde 1888 funcionava a Associação dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, de que foi 1º Comandante Manuel Vieira Natividade.
O Hospital da Misericórdia de Alcobaça, inaugurado em 15 de agosto de 1890, passa por grandes dificuldades económicas em 1900. Em redor do coreto do Rossio já havia 22 candeeiros com luz elétrica. Em 30 de abril de 1899 as gentes de Alcobaça viram passar, pela primeira vez, um automóvel!
Só nas famílias abastadas havia alguma convivência entre senhoras e meninas, através de reuniões em casa de uns e de outros. Nas classes mais elevadas os homens, depois do trabalho, iam para as boticas e não é difícil adivinhar quem frequentaria os saraus literários, o teatro e os bailes de máscaras. Nas classes baixas, os homens trabalhavam de sol a sol, faziam umas libações no pós-laboral e seguiam para casa normalmente entornados onde os esperavam as mulheres e os filhos, eventualmente candidatos a uns sopapos para animar o serão! As mulheres tinham filhos, criavam-nos como podiam e, sempre que tinham algum tempo disponível, faziam meia e juntavam-se para conversar. Para teatro bastavam-lhes as comédias e os dramas diários, embora um grupo teatral alcobacense – Grupo Dramático Vila Nova – tivesse conseguido grande aceitação junto de uma população menos favorecida, mas, nem por isso, menos ávida de conhecimento.

A área do concelho de Alcobaça foi habitada pelos Romanos, mas a denominação ficou-lhe dos Árabes, cuja ocupação aponta para uma era de algum progresso a aferir pelos topónimos das terras adjacentes que os recordam, como Alcobaça, AlfeizerãoAljubarrota ou Alpedriz.
Quando Alcobaça foi reconquistada aos muçulmanos, tinha acesso ao mar que, perto, formava a Lagoa da Pederneira que ia até Coz e permitia navegação a embarcações que transportavam para o resto do País os frutos produzidos na região.
Afonso Henriques doou aos Cistercienses as Terras de Alcobaça, com a obrigação de as arrotearem e outras doações feitas ao longo dos diversos reinados, vieram a constituir um vastíssimo território, os Coutos de Alcobaça, que ia desde cerca de S. Pedro de Moel a S. Martinho do Porto, de Aljubarrota a Alvorninha, tendo atingido o seu máximo no tempo de D. Fernando.
Os monges de Alcobaça foram senhores de 14 vilas das quais 4 eram portos de mar, como AlfeizerãoS. Martinho do PortoPederneira e Paredes da Vitória.
Além da atividade religiosa e cultural, tiveram aulas públicas desde 1269 e nelas, além de HumanidadesLógica e Teologia, ensinaram técnicas agrícolas, desenvolveram uma ação colonizadora notável e duradoura, pondo em prática as inovações agrícolas experimentadas noutros mosteiros com as quais arrotearam as terras, secaram pauis, introduziram culturas adequadas a cada terreno e organizaram explorações ou quintas, a que chamaram Granjas, criando praticamente a partir do nada uma região agrícola que se manteve até aos nossos dias como uma das mais produtivas e específicas de Portugal. 

D. Miguel de Bragança, visitou Portugal semiclandestinamente. D. Carlos, e o governo, apesar de terem conhecimento da visita, ignoraram-na oficialmente.
Em janeiro de 1901, proveniente de Caldas da Rainha, veio com um pequeno séquito de quatro pessoas, visitar Alcobaça o príncipe D. Miguel (II), neto de D. Miguel, que havia falecido a 26 de outubro de 1866, sem não mais ter podido voltar a Portugal, desde que foi exilado.
Como os jornais de Lisboa houvessem noticiado a ida de D. Miguel (II) para Espanha, a notícia da sua estada em Alcobaça causou surpresa e foi recebida com alguma incredulidade.
O príncipe, que aliás falava mal português, e os quatro acompanhantes chegaram de trem, pela três da tarde, dirigindo-se à Igreja da Mosteiro, por onde andaram algum tempo, visitando de seguida o quartel. Possivelmente por força da sua condição de exilado/proscrito, D. Miguel II furtou-se à curiosidade dos populares, sendo apenas visto de perto na ocasião em que se dirigia ao trem, rumo a Leiria.
Manuel Vieira Natividade, acima de preconceitos políticos, ofereceu-lhe um exemplar do seu recente e livro Mosteiro de Alcobaça, que fez chegar em mão, através do filho António. [5]

A Questão Calmon, teve algum impacto nos meios republicanos e médicos de Alcobaça e, no País assumiu notoriedade, porque foi entendido como transgressora dos valores e normas que deveriam reger a sociedade.
A indignação popular serviu para, coletivamente, reafirmá-los.
À saída da Igreja da Trindade, no Porto, no dia 7 de fevereiro de 1901 com a conivência da visada, um grupo de homens tentou raptar Rosa Calmon, filha do cônsul do Brasil naquela cidade, com o objetivo de a impedir ir para uma instituição religiosa aonde desejava entrar contra vontade do pai. Esta situação gerou violentos protestos por parte de republicanos, socialistas e anarquistas contra as instituições clericais e levou a que o regime fosse considerado como demasiado próximo da Igreja e comprometido com esta. Ordenado exame mental à Rosa, foram nomeados peritos o Dr. Júlio de Matos e o Dr. Joaquim Urbano da Costa Ribeiro, Subdelegado de Saúde, no Porto.
O primeiro, pronunciar-se-á pela degenerescência psíquica de Rosa Calmon, votando a sua interdição e o segundo, reconhecendo a predisposição para afeções nervosas, concluiu não haver perturbação das funções intelectuais. Júlio de Matos, mesmo antes de ir do Porto trabalhar para Lisboa, tinha relacionamento cordial com o médico alcobacense Dr. Pereira Zagalo com quem se encontrava de em vez em quando, e trocava impressões, tendo manifestado concordância com o Parecer Calmon.[6]

João Franco criou o Partido Regenerador Liberal, oficialmente chamado Centro Regenerador Liberal.
João Franco era dissidente do Partido Regenerador após rutura com Hintze Ribeiro, líder deste último partido. Os republicanos de Alcobaça, não lhe conferiram qualquer relevância, outrossim afirmavam que era a prova de que o regime ia definhando por si.
João Franco, em início de carreira, desempenhou funções em Alcobaça como Delegado do Procurador Régio.[7]

A população do Concelho de Alcobaça aumentou, a partir de 1873.
Comparando com a do Distrito de Leiria, apenas nos censos de 1890/1900/1911, vê-se que, por 1000 habitantes, o aumento entre 1890/1900, foi de 114,36%, ao passo que o da população do Distrito foi, no mesmo período, de 108,02%. No período 1900/1911, a população do Concelho de Alcobaça aumentou de 140,99 por 1.000 habitantes, ao passo que o do Distrito foi, apenas, de 100,01 por 1.000. O número de nascimentos aumentou a partir de 1873, aliás, durante um período, em que a emigração foi insignificante. A partir de 1900, o aumento de nascimentos acentuou-se e, apesar da emigração, a população de Alcobaça cresceu, como decorre do Censo Nacional de 1911, do Relatorio e Mappas-Censo da População da Freguezia de Alcobaça em agosto e setembro de 1909, os quais seguimos, dado não haver grande diferença temporal com o tema que se está aqui a abordar.
O maior número de nascimentos, verificou-se em 1911/1912. Por sua vez, o maior número de óbitos ocorreu em 1918, devido à pneumónica/gripe espanhola, altura em que estes excederam em 196 o de nascimentos. Tendo em conta os níveis da natalidade e mortalidade, nos três anos anteriores à guerra (1911/1912/1913) e nos três de guerra (1914/1915/1916), em Alcobaça os da natalidade podem-se considerar elevados e os da mortalidade baixos.
A população recenseada na Freguesia de Alcobaça, em setembro de 1909, era de 2.490 pessoas, correspondendo a cerca 550 fogos, a 1.220 homens e a 1.270 mulheres, conforme o Relatorio e Mappas….
Todavia, a população permanente era inferior, constituída por cerca de 2.220 pessoas, repartida por 513 fogos, correspondendo a 1.005 do sexo masculino e a 1.124 do sexo feminino.
No referente à densidade populacional do Concelho, constata-se ser superior à da média do Distrito, que em 1900 era de 70 habitantes/km2, e de 77 habitantes/km2 em 1911, superior à nacional, que era de 65 habitantes/km2. A emigração, que no Concelho de Alcobaça chegou a causar algum alarme, diminuiu no início da guerra, e em 1914 foi principalmente constituída por operários contratados para a construção civil em França, de onde regressou a maior parte. Emigraram mais homens que mulheres e mais homens casados que solteiros, o que conferiu à emigração um aspeto danoso. Pela saída do chefe da família, normalmente pequeno proprietário e trabalhador rural, as propriedades até aí cultivadas com cuidado, passaram a ser administradas por mulheres, a quem os afazeres domésticos roubavam tempo. O dinheiro que vinha de fora, quando vinha, mal chegava para a frugal alimentação e modo de vida, e as propriedades transformaram-se mais num encargo, que em receita. A emigração para os trabalhos agrícolas dentro do País era relativamente frequente. Emigravam os ranchos para a apanha da azeitona no Distrito de Santarém, para as mondas e ceifas nos arredores de Lisboa e, embora com menos frequência para o Alentejo. Da zona serrana alcobacense, emigrava-se para as vindimas de Alenquer, e Runa para trabalhos agrícolas no Distrito de Lisboa. A emigração rústica/urbana, tomava nessa zona uma feição especial, pois, muitos que se destinavam a Lisboa irão exercer a profissão de vaqueiros.
Os números sobre o movimento migratório são, em geral, um bom indicador do nível de vida, do desenvolvimento económico ou das desigualdades sociais, em determinada época ou região.
O principal destino dos emigrantes era o Brasil, de tal modo que antes da I Guerra contava com 80%/90% do total, mas na década de 1920 diminuiu para 50%/60%. Os Estados Unidos da América, absorveram 15%/20%, com uma ligeira subida, na década de 1920 e constituíam, pois, a segunda meta dos emigrantes portugueses. Depois da I Guerra, a Argentina e a Venezuela receberam, relativamente, mais emigrantes, face ao Brasil.
Pelo elevado número de emigrantes analfabetos, poderia inferir-se uma origem de áreas rurais. Em todo o caso, a percentagem de emigrantes analfabetos decresceu depois da I Guerra, num ritmo mais elevado que a taxa geral de alfabetização. Significa isto, que Portugal estava a perder os trabalhadores mais qualificados. Mas pode significar também que os emigrantes, muitos deles homens solteiros, tinham desejo de voltar, impressionar, fazer uma boa casa, casar se houvesse tempo, comprar propriedades e virar camponeses de condição superior à da saída.
Como eram constituídos os agregados familiares alcobacenses?
As famílias de 3 pessoas eram as mais numerosas, seguindo-se-lhe as de 4, de 2, de 7, de 5, de 6 pessoas e, finalmente, as de uma só. De 1900 para 1911, diminuiu a percentagem de fogos de uma só pessoa, ao passo que a de famílias de 4 elementos aumentou ligeiramente. O número de famílias formadas por 7 ou mais pessoas, também aumentou e em 1900 era de 14,9%, um pouco superior à média nacional de 14,8%.
A estrutura económico-social de Portugal e de Alcobaça em particular, assentava na agricultura, assim se tendo mantido ao longo dos anos. O mundo dos camponeses, para além de alguns pequenos proprietários, era uma massa iletrada, vivendo um dia a dia muito frugal, por vezes miserável, de poucas ou nulas ambições, reagindo de vez em quando à exploração pela cidade. Era uma massa reduzida à condição servil, colonizada, clerical e supersticiosa, presa fácil do pároco, do proprietário, do cacique político ou do proprietário.
Se é verdade que mais de 90% da população portuguesa se declarava católica, também será que, talvez, nem metade se reconhecesse ou assumisse como clerical. Aceitava a religião, embora nem tanto na ação e na participação do clero na política, social e cultural. Por outro lado, aqueles 90% de portugueses, já por essa altura estavam longe de corresponder à prática habitual do culto religioso. Muitos portugueses do sexo masculino, entendiam a religião como coisa de mulheres, iam à igreja para batizar, casar os filhos ou acompanhar um defunto, enfim, adotavam uma atitude de afastamento, quando não de indiferentismo, fenómeno que se acentuava na cidade.
Nos meios rurais de Alcobaça, havia costumes que persistiam inalteradamente como o toque dos sinos, que pautava o tempo do trabalho e da oração. De manhã, ao meio dia e ao cair da tarde, o sino tocava as ave-marias, os homens descobriam-se, persignavam--se e faziam uma breve reza, ainda que mecanicamente. No sentimento popular, o sino era a Voz de Deus que acompanhava impressivamente o viver do dia-a-dia, muito mais que um apelo à oração ou ao chamamento para a missa. Independentemente do seu soar, os momentos de oração iam-se, aliás, repetindo ao longo do dia. Rezava-se ao levantar, ao deitar, antes e depois de comer, numa ladainha que vinha de longe, aprendida em casa dos pais e na casa dos pais dos pais e assim sucessivamente. Abreviava a hora dolorosa das parturientes, apelava à solidariedade dos vizinhos com o vizinho moribundo. Quando o desenlace ocorria, dobrava com insistência, reiterando o pedido de oração pela sua recomendada alma.
Ficar solteira, significava ficar para tia e ser tratada por menina para toda a vida, o que nada tinha de elogioso. Era enfim a Menina Maria. Se se queria afrontá-la, era a solteirona, pois aceitava-se menos bem as celibatárias numa sociedade conservadora, que glorificava a maternidade.
O Relatório e Mapas… demonstra que, na vila o número de homens casados era superior ao de mulheres casadas! Este facto, aparentemente absurdo, foi atribuído à circunstância de, com a imigração, alguns homens deixarem a respetiva família na terra natal. Em 1911, no Concelho de Alcobaça, a percentagem de 60,22 de solteiros, era um pouco inferior à percentagem nacional de 62,60%, enquanto a de casados era superior. Com as mulheres, a proporção de solteiras é inferior e a de casadas é superior.
Nas freguesias, o número de viúvas era superior ao de viúvos. Na freguesia de São Martinho do Porto a percentagem de viúvas era de 13,46%, sendo a única freguesia do concelho onde esse número era mais elevado, provavelmente devido ao grande número de embarcadiços que regressam doentes da dura faina do bacalhau.
Foi destacado no Relatorio e Mappas…, ser o número das viúvas anormalmente, superior ao dos viúvos. A explicação passou por muitas viúvas já o serem, e não apareceram com essa denominação por terem voltado a casar…
Até 1916, a nupcialidade alcobacense manteve-se superior à média do País e a sua diminuição após 1915, explica-se pelo agravamento das condições de vida e mobilização para a Guerra. A nupcialidade máxima foi atingida em 1905, mas nos anos anteriores à guerra manteve-se sensivelmente constante, mostrando que Alcobaça dispunha de recursos para manter a população e que as condições económicas do Concelho no período 1873/1914, não sofreram alteração de nota.
No Concelho de Alcobaça, não obstante o predomínio numérico das mulheres relativamente aos homens, era aquele inferior à média do País, pois que em 1911 por cada 1.104 mulheres havia 1.000 homens, e inferior à média do Distrito onde, na mesma altura, era de 1082 naquelas por 1.000 nestes. No censo de 1890, apuraram-se 12.932 homens e 12.679 mulheres. É o único Concelho do Distrito em que isso acontece, sendo as freguesias de Alcobaça, Alfeizerão, Prazeres e S. Vicente de Aljubarrota onde mais pronunciadamente se nota o predomínio.
Em 1900, seis freguesias apresentavam maior número de homens que mulheres, sendo que em 1911 eram apenas cinco. A freguesia de Prazeres de Aljubarrota manteve, com muito pequenas alterações essas diferenças que vinham desde 1890, assim como a de Évora de Alcobaça. Em S. Vicente de Aljubarrota desde 1890, o número de homens tem sido superior ao das mulheres, embora com tendência a diminuir. Das seis freguesias que em 1900 tinham maior número de homens do que de mulheres, em 1911 apenas restavam cinco. Em todas elas, fazendo a divisão da população do Concelho quanto a idades em grupos de cinco anos, verificava-se que o grupo que tem maior número de indivíduos é o de 5/10 anos, seguindo-se-lhe de imediato o de 0/5. Nestes dois grupos, era maior o número de homens do que de mulheres. Na população do Distrito, o grupo de idades com maior número de indivíduos, era também o de 5/10 anos, seguindo-se-lhe o de 0/5 anos. No Concelho de Alcobaça, entre os 10/20 anos, era maior o número de homens do que mulheres e entre os 20/100 anos, era maior o número de mulheres do que de homens.
Considerando como idade mais produtiva a que vai dos 15 aos 65 anos, verifica-se que, em Alcobaça a percentagem dessas idades era de 59,85%, ligeiramente superior à média do País que, em 1911, era de 59,34%. Quanto à longevidade, era o Concelho de Leiria o que tinha maior número de indivíduos com mais de 80 anos, seguindo-se-lhe Alcobaça. Tendo em conta a longevidade como um indicador das condições de salubridade, podiam considerar-se como muito boas para o Distrito, atendendo ao número de indivíduos com mais de 80 anos.
Classificando a população do Concelho de Alcobaça segundo os grandes grupos profissionais, verificava-se que o mais numeroso em 1911 era o agrícola, representado por 69,1% da população total. Considerando as profissões industrial e agrícola, atente-se na parte da população ativa que em 1911 se ocupava nestas duas profissões:
População total:32.564,
População ativa:22.900,
Percentagem de população ativa: 70,6%,
Agricultura: 68,4%,
Indústria: 18,1%.[8]

Sobre Alcobaça, o Reverendo Hugo, escreveu que de uma dessas colinas, a aldeia tem a vista mais bonita. A natureza não deixa nada a desejar.[9]
Aliás esta também foi a opinião de M. Unamuno, como se verá.
Tinham razão?
Em Alcobaça, o verão é morno, seco e de céu com pouca nebulosidade. O inverno é fresco, com precipitação, de ventos fortes e de céu parcialmente encoberto. Ao longo do ano, em geral a temperatura varia de 6 °C a 26 °C e raramente é inferior a 2 °C ou superior a 33 °C. O clima é, em suma, do tipo mediterrânico, mas bastante influenciado pelos ventos que sopram do Atlântico. No Inverno as noites são frias, por vezes húmidas e os dias amenos. No Verão, as temperaturas são amenas, sendo as noites um pouco frescas devido às neblinas que afetam a região. As chuvas são mais abundantes no Outono e Inverno.
O clima de Portugal é bem mais aceitável do que o da Índia, no seu calor tropical e humidade, precipitação elevada e áreas insalubres. Segundo Ferreira, em nenhum documento (cartas, diários, memórias) se encontraram reclamações sobre o clima de Portugal, enquanto noutros locais se reclamou contra o calor insuportável, a chuva torrencial, os ventos fortes, as tempestades de poeira e a seca, bem como a neve.
Nos campos de detenção, com frequentes epidemias, os hospitais estavam sobrelotados e sem camas disponíveis. Os doentes eram largados onde havia algum espaço e por vezes aí morriam. Em Portugal, os casos graves eram encaminhados para Hospital Militar/Lisboa. Na respetiva proporção, pode-se concluir que o número de mortes em Portugal foi bastante inferior ao dos outros prisioneiros da guerra, realça Ferreira.
O tempo passado, primeiro em Moçambique cheio de incertezas e de falta de apoios e depois o internamento compulsivo em Portugal, criou emoções, provocou reações que deixaram uma impressão indelével.
A correspondência, memórias e diários de alguns dão um interessante testemunho, tendo em conta o material a que Ferreira teve acesso. A maioria tinha uma origem rural, eram fazendeiros, e estava acostumada à vastidão do campo e algum isolamento. Por isso preferiram localidades relativamente pequenas, como Caldas da Rainha, Alcobaça, Peniche, Abrantes ou Tomar.

Deve chegar por estes dias a Alcobaça a força de infantaria de comando do capitão que aqui vem estacionar enquanto durar a permanência dos refugiados bóeres. Igualmente deve chegar o Conselho de Oficiais que vem prover a administração e comando das forças bóeres. Esse Conselho, ao que nos consta, é composto de um oficial superior, outro subordinado e um tesoureiro. O Benguela que trás bóeres, deixou já Cabo Verde, vindo a caminho de Lisboa aonde deve chegar entre 26 a 29 de março. Os refugiados desembarcarão em Lisboa saindo dali imediatamente para Peniche e Alcobaça. Em Lisboa, foi iniciada por alvitre dos ilustres republicanos Dr. Alexandre Braga e João Chagas, uma subscrição pública para ser ofertada a esses valentes combatentes do exército do Transval uma coroa cívica como testemunho da muita simpatia e admiração que eles as suas nobres causas inspiram a todos os cidadãos portugueses. Ao que nos consta também em Alcobaça se pensa levar em efeito uma manifestação de simpatia aos refugiados no dia da chegada.[10]
Os Bóeres chegaram a Alcobaça por volta das 21horas após uma viagem de cerca de cinco horas de comboio a partir do Rossio/Lisboa, com paragem em Óbidos. Pelas 17h30 estavam em Valado dos Frades, onde foram recebidos por povo que os ovacionou afetuosamente, pelo Comandante Militar, Sanches da Silva, e pelo Administrador do Concelho, Barreto Perdigão, na ausência anunciada do Presidente da Câmara, José Almeida e Silva.
Conforme contou Darius De Klerk, por fim, ouviu-se o ruído dos carros de bois com eixos de madeira, os quais tinham sido enviados para transportar os que não pudessem caminhar e os seus pertences. Depois veio o ruído dos passos arrastados dos que vinham mais atrás, fatigados de uma viagem de comboio de cinco horas e de uma caminhada de seis quilómetros a pé. Um grupo de homens desamimados caminhavam no escuro da noite para um destino desconhecido. Ao longo do caminho até Alcobaça havia tochas, luzes em cada casa, com janelas e portas abertas.
Claro que não sabiam, nem pessoa alguma os terá elucidado, mas passaram mesmo ao lado dos Banhos/Termas da Piedade, na Fervença, que se situa a pouco mais de dois quilómetros da vila de Alcobaça. O percurso até à vila, como dizia empoladamente a publicidade nos jornais e na montra da Farmácia Campeão, efetuava-se entre uma verdura opulenta e sem tréguas dos montes de elevada estatura ou das planícies estendendo-se até onde a vista alcança, sendo um enlevo de que os olhos não despregam. Mas verdade seja dita, a estrada era muito má e os buracos faziam revolver o estômago.[11]
As Águas ou Banhos da Piedade, embora não comparáveis com as de Caldas da Rainha gozavam, assegurava-se, de uma antiga fama, pois as suas qualidades terapêuticas, têm a recomendá-las uma larga reputação, dados os inúmeros casos em que provaram a eficácia em padecimentos como a dispepsia, escrófula, gota, reumatismo ou afeções uterinas, sem olvidar as manifestações hepáticas, úlceras atónitas, congestões bem como inflamações do fígado e baço.

De Klerk referiu que estava escuro com breu e cada rapaz levava uma lanterna, ainda por acender. Quando chegaram à vista das primeiras casas, verificaram que os candeeiros públicos estavam acesos e que as portas e janelas se encontravam abertas ao longo das ruas do percurso. Finalmente, o cortejo entrou na praça principal de Alcobaça.
As portas do teatro estavam abertas de par em par, a orquestra começou a tocar o Hino e chegados irromperam a acompanhar. O efeito mágico de tudo isto foi indiscritível. Parecia como se um choque elétrico tivesse atingido cada um e todos ao mesmo tempo. Endireitaram-se as costas, levantaram-se as cabeças e os pés começaram a bater no chão ao ritmo da música. Foi uma experiencia única, que jamais se apagará da memória e do coração, ao ver-se o efeito que teve nos bóeres a audição do seu hino. Lágrimas de emoção, diz De Klerk, rolaram por faces esculpidas pelas agruras do tempo e brilharam na noite como estrelas irradiando alegria e esperança. Estavam em Portugal e eram recebidos como gente amiga, o que há muito não acontecia.

Ferreira refere a chegada de forma algo equivalente, quando o grupo, que se deslocava a pé, se aproximou da praça da vila, uma orquestra liderada por João Penteado, começou a tocar. A atmosfera era indescritível. A receção calorosa afetou os nossos refugiados. Quando o Hino Nacional do Transval foi tocado, as lágrimas correram pelas faces dos endurecidos bóeres, porque sabiam que tinham, de novo, amigos. A força motriz desta receção foi Augusto Rodolfo Jorge, um artista idealista, poeta, autor e músico.[12]
Envergonhados por chorarem? De modo nenhum, defende De Klerk. Quando muito, os bóeres sentiam orgulho por saberem que se encontravam entre amigos.

A Grobler atento ser o Comandante do Grupo, foi disponibilizado um cavalo, para uso como e quando entendesse, o que mais tarde veio a criar alguns problemas com outros antigos oficiais.
Em Alcobaça, chegou a estar prevista uma cerimónia de receção, mas, dias antes, o Administrador do Concelho Barreto Perdigão recebeu de parte do Governo ordens terminantes para não consentir, muito menos incentivar, qualquer movimento popular nesse sentido. Como a Fanfarra estava impedida de atuar, juntaram-se alguns rapazes e nas escadas do Teatro executaram à passagem dos recém-chegados o Hino do Transval, a que estes comovidos tiraram respeitosamente o chapéu, acenaram e sorriram.
As roupas e outros pertences chegaram da estação de caminho-de-ferro de Valado de Frades dois dias depois, e foram conduzidas para Alcobaça em carroças do quartel, galeras, carros de bois e outros veículos alugados pelos interessados.

Mal puderam sair, alguns começaram a conhecer a vila, tirando fotografias, fazendo desenhos a lápis, enquanto outros foram vítimas de enganos maliciosos no comércio sedento de clientes, por não conheceram a moeda. Ver foto junta.
Há mais de cem anos, o comércio era bem diferente do de hoje e concretamente do sul-africano.
O comércio de Alcobaça não apresentava nenhuma especialidade relativamente ao português na província, na prática de um ritual próprio feito com a mesma devoção com que se fazia a comunhão diária ou semanal isto porque havia uma relação de fé com o que se estava a praticar. As pessoas sabiam o que estavam a fazer, aspiravam o sucesso de vendas das casas onde trabalhavam e que, quantas vezes, passavam de patrão a empregado. Segundo Jorge P. Sampaio eram tempos em que, embora não se usassem horas extraordinárias, elas aconteciam porque, até haver cliente, ele era para ser servido com a calma de que, como cliente, era merecedor. E, quando não havia dinheiro para pagar a conta, fiava-se, o comprador pagava quando voltasse ao local ou pudesse. Na base desta atitude reveladora de confiança está, naturalmente, o sentido de honra que as pessoas tinham e, felizmente, as verdadeiramente bem-educadas mantém em cumprir a sua palavra. Era uma forma de as mais humildes puderem, muitas, alimentar assim os seus filhos, ou dar-lhes os bens essenciais. Quando não se tinha paciência para experimentar determinada peça de roupa no estabelecimento, não era raro que o cliente levasse a casa as calças ou o vestido para, com calme, ver se aquela seria realmente a escolha certa. E, se não gostasse, devolvia, que haveria de surgir outra coisa que mais lhe agradasse.

Os que se encontravam doentes, recolheram à enfermaria do quartel.
Dias depois, chegaram a Alcobaça mais sete refugiados, que haviam ficado em tratamento no Hospital da Estrela, Lisboa, acompanhados por um Sargento de Artilharia nº 1.
Fazendo serviço na enfermaria dos bóeres estão aqui o 2º Sargento de Infantaria 7, Sr. Rodrigo Faustino, e dois soldados do mesmo regimento.[13]

Nos dias 6 e 10 de abril chegaram a Valado de Frades com destino a Alcobaça, mais 10 e 12 refugiados, estes últimos após tratamento no Hospital Militar e todos acompanhados por Sargentos do Regº. Infª. 16.
Para se assegurar das condições sanitárias dos exilados, esteve de visita no dia 9 de abril ao depósito de Alcobaça o Dr. Van Engelen, médico da Cruz Vermelha Holandesa, que tinha vindo a bordo do Benguela a acompanhá-los. Segundo informou, ficou bem impressionado com as instalações, o que não é para admirar, pois todos sabemos que não se encontram com facilidade em outro ponto do país tão bons alojamentos.[14]
De acordo com o Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, cerca de 70% dos depositados em Alcobaça nasceram na Colónia do Cabo, de cidadania da República Sul-Africana e apenas 11% nasceram no Transval.
Os restantes eram simpatizantes que lutaram ao lado dos bóeres e escolheram servir como cidadãos do Z.A.R., pois receavam o destino que os cidadãos do Cabo poderiam esperar, tidos como rebeldes.
Os Bóeres foram depositados no quartel da 5ª. cavalaria portuguesa em casernas colossais que foram antigamente um mosteiro. Quando o Mosteiro de Alcobaça foi encerrado, o edifício foi ocupado pelo exército português como quartel. Os bóeres mais pobres dormiam nos grandes dormitórios do antigo mosteiro. Um grande número de pessoas também dormiu na sala que uma vez teve a biblioteca do mosteiro. Hoje, o Quartel é uma instituição para idosos senis e a antiga biblioteca do mosteiro encontra-se um pouco abandonada. Os mais importantes ficaram na parte de trás do complexo, conhecido como Quartel.[15]
A imagem icónica da estadia dos Bóeres em Alcobaça, é a na antiga Biblioteca, enquanto alojamento/dormida.

 Du Plessis, que viveu bastantes anos em Moçâmedes, atuava como intérprete, o que se revelou muito útil também em Caldas da Rainha e Peniche aonde por vezes se deslocava com essa missão.
Poucos dias após a chegada a Alcobaça, criou-se mal-estar entre os antigos oficiais e funcionários públicos por um lado, e os cidadãos comuns por outro. Os dois primeiros foram colocados em compartimentos separados, por isso melhores e deveriam ser tratados com os direitos correspondentes ao seu status pelas autoridades portuguesas, o que à partida não foi bem aceite neste tempo de desolação conjunta.

O Clube Alcobacense em sessão extraordinária convocada pela respetiva direção resolveu permitir a entrada nas suas salas e facultar as regalias dos sócios ao comandante dos Bóeres e a dois emigrados imediatamente inferiores a Grobler, dando poderes a este para autorizar a entrada àqueles dos seus subordinados que julgar nos casos de poder frequentar a casa.[16]
Os exilados podiam andar na vila, frequentar lojas, tabernas, desde que recolhessem até às 20h00 em que os portões do Mosteiro fechavam, só reabrindo às 6h00. No Mosteiro frequentavam especialmente a ampla zona do Claustro do Rachadouro.
A liberdade de movimento era mais ampla para os de status superior. O número dos que fugiram ou tentaram faze-lo, não pode só ser atribuído ao comportamento restritivo do Governo Português, mas também ao inato desejo de liberdade. Encontravam-se em Portugal numa posição em que recebiam e tinham que cumprir ordens de uma forma a que não estavam habituados. As regras e regulamentos ​​das autoridades portuguesas no alinhamento com os britânicos, e a ação disciplinar, afetaram a autoestima.
Na praça ao lado do Mosteiro de Alcobaça havia um bar onde se podia tomar um ou dois copitos de tinto de lavrador.
Na Rua de Santo António, doravante denominada de Rua Alexandre Herculano com a República, vulgo Rua das Lojas, no início do século XX, havia vários estabelecimentos comerciais, com destaque para as mercearias de M. Santos & Cª., António Lúcio Taveira Pinto, e Manuel Marcelino Caldeira.
Mas havia outros estabelecimentos. José Narciso da Costa, vendia ferragens e jornais, António Miguel de Oliveira (?), possuía uma tipografia e papelaria, nos nºs 14 a 18, como que se abordará à frente, Alfredo Dias explorava uma ourivesaria e relojoaria, José de Sousa Leão, uma loja de ferragens e Marques da Silveira era dono de uma farmácia, no local onde durante muitos anos existiu a Farmácia Belo Marques/Rua Alexandre Herculano.
No início do Século XX, a atividade comercial concentrava-se entre o Rossio, a Rua de Santo António, e a Pissarra. Com o crescimento urbano, as atividades mercantis acompanham-na primeiro até à Roda, urbanizada essencialmente a partir dos anos de 1960 e há alguns a esta parte, pela urbanização de Nª. Srª. da Conceição, tornando-se estas zonas com muitas lojas.

Com a permissão das autoridades portuguesas, os latifundiários [17]de Alcobaça, deram aos Bóeres a oportunidade de ganharem algum dinheiro em troca de trabalho.
Mas isso não teve relevância prática, porque era de agricultura que se tratava, bem diferente da sul-africana.

As infrações mais correntes eram a embriaguez, pois as tabernas eram vulgares, de fácil acesso e bastante frequentadas, bem como a desobediência a oficiais portugueses e líderes bóer, o que acarretava que os infratores fossem em geral colocados, liminarmente, em detenção separada ou ameaçados com uma ida para o Forte de Peniche. O vinho português não era tão apreciado como o sul-africano, mas não havia outro.
Foi decidido, que os transgressores deveriam ser previamente alertados de transferência punitiva para Peniche, como aconteceu no caso de dois infratores desordeiros em maio de 1901.

Em 1899, José Rodrigues Ferreira abriu uma casa de comes e bebes na Praça Afonso Henriques servindo almoços, jantares e ceias e toda a qualidade de petiscos, que pela novidade passou a ser muito frequentada por alcobacenses da classe média e alguns bóeres.
As tabernas ou tascas eram estabelecimentos que serviam ao copo, lugares obrigatórios do homem, sendo a Igreja o da mulher.
Em algumas povoações do concelho, as tabernas fechavam a altas horas da noite, entretendo-se nelas a beber e jogar os trabalhadores, com prejuízo da bolsa e sossego do lar.
O funcionamento das tabernas na vila, começou a ser uma tremenda preocupação, apesar de se encontrarem ligadas ao tradicional modo de vida dos homens. Mães de família, queixaram-se ao Administrador do Concelho Barreto Perdigão pois que, ao invés do que a lei dispunha, as tabernas mantinham-se abertas até altas horas, servindo vinho e aguardente e permitindo a batota, mesmo em noites de semana, com prejuízo do orçamento, sossego e descanso dos operários e famílias. Sem resultado, pois a situação subsistiu, graças à aliança dos clientes com os taberneiros, que não abriram mão do negócio.
Como se referiu a propósito de Caldas da Rainha, era em geral bastante mediana a qualidade do vinho de Alcobaça, o que justificou que alguns produtores se preocupassem com a defesa e criação de produtos de marca com vista a vinhos de mesa.[18]
Hoje em dia, a única taberna com interesse para ser visitada, é uma reconstituição, patente no Museu do Vinho, em Alcobaça.[19]
Alcobaça, situa-se numa região tradicionalmente agrícola, em que os vinhos foram renomados.
Gil Vicente, celebrou os vinhos de Alcobaça na farsa Pranto de Maria Parda. Aí, descreveu a angústia de uma inveterada bebedora que, sem dinheiro, não consegue que lhe fiem uma canada de vinho. Depois de lembrar os locais onde atenuou a sua sede insaciável, resolveu dirigir-se aos taberneiros seus conhecidos pedindo-lhes, que me dêem uma canada//sobre o meu rosto fiada//A pagar lá pelas eiras.
Todos lhe negaram o pedido, pelo que desiludida da vida, Maria Parda dispõe-se a morrer de sequia em cima de um almadraque.
E antes do meu finamento//ordeno meu testamento//desta maneira seguinte (…)
No testamento, a velha borrachona passa em revista as terras de Portugal onde se produzem os melhores vinhos, legando para elas e injuriando as que os produzem maus. Diz Maria Parda numa passagem do seu testamento que, Item mais mando fazer//num espaçoso esprital,//que quem vier de Madrigal//Tenha onde se acolher.//E do termo de Alcobaça//Quem vier demlhe em que jaça.

Graças a José Eduardo Raposo de Magalhães, de uma Adega moderna para o tempo, equipada com tecnologia de ponta, nasceu um Museu no séc. XX, graças ao empenho do Eng. Manuel Augusto Paixão Marques, delegado da Junta Nacional do vinho.
A produção de vinhos JEM/José Eduardo Magalhães deu lugar, em meados do séc. XX, a uma indústria em larga escala, implementada pela recém-criada J.N.V.
Do legado museológico transparece uma memória da modernização operada na década de 1940, aquando da aquisição do complexo da quinta do Olival Fechado pela J.N.V. aos herdeiros de José Eduardo Raposo de Magalhães, sendo deste período a transformação do espaço de adega em depósitos industriais, verticais, de vinhos brancos e tintos, segundo o modelo bem-sucedido de Abel Pereira da Fonseca.
Um conjunto de coleções de valor histórico e patrimonial foi constituído, a partir da década de 1960, decorrente do encerramento de alguns dos armazéns da J.N.V. O espólio do Museu conta com um acervo de mais de 10. 000 peças móveis, de tipologias tão diversas como a enologia, etnologia, tecnologia tradicional, arqueologia industrial, artes gráficas, plásticas e decorativas.

Em 2 de maio de 1901, P.H. Henning atacou J.J. Botha com uma faca na cabeça. Preso, foi levado para a prisão local,  sita na ala norte do mosteiro ao nível do rés do chão  e depois transferido de comboio sob escolta de 2 homens para o Forte da Graça, em Elvas.
Botha sobreviveu ao ataque  com lesões no couro cabeludo.[20]

Quando os internados que entretanto ficavam doentes, impossiblitados de serem assistidos localmente, eram transferidos para o Hospital Militar, por comboio, acompanhados por enfermeiro e guardas armados.
D.J. Malan e D.G. Raath quizeram ir  a um oftalmologista em Lisboa, mas não receberam permissão, tendo-lhes sido imposto ida a um médico em Alcobaça que indicasse o tipo de óculos que necessitavam para daí serem encomendados. A alternativa consistia em serem transferidos para o Hospital Militar, onde seriam internados, e um médico os poderia examinar e prescrever.
As doenças venéreas, não eram raras entre os que não tinham família consigo.[21]O tratamento da sifilis ou gonorreia em Alcobaça frequentemente não ia além da atenuação dos sintomas. Grobler, muito severo,  eventualmente por questão de pudor social, se não religioso, não facilitava o tratamento, pois entendia a doença como castigo pela depravação.
Delic Nicolo, um ferreiro austríaco, emocionalmente muito perturbado, aquando do caminho para Portugal começou a afirmar agressivamente que os agricultores bóeres eram medrosos e não tinham participado ativamente na guerra, pelo que teve de ficar internado algum tempo no Hospital da Estrela e só depois transferido para Alcobaça, sem prejuízo de ter sido de novo transferido para o Hospital Real de S. José, no meio de grande choro, e com saudades do seu rebanho de caprinos e do mar azul.

W. Harding, um carpinteiro de 48 anos, de origem texano-americana, que emigrara para Ãfrica com 30 anos, morreu em Alcobaça em 9 de maio de 1901 de febre biliosa  contraida em Lourenço Marques,  após uma temporada no Hospital Militar/Lisboa.
O funeral ocorreu na manhã do dia seguinte, incorporando-se nele quase todos os exilados em Alcobaça, que ofereceram três bonitas e grandes coroas de flores, bem como os oficiais portugueses afetos ao depósito. Antes da saída do cortejo fúnebre, já com a urna fechada, o Cmdt. Grobler leu,  a partir das escadas que conduzem à enfermaria, um trecho da Bíblia e um coro improvisado executou  salmos holandeses. O trecho bíblico foi uma passagem do Evangelho de S. João em que Jesus diz aos seus discípulos para que não se turve o vosso coração. Foi este o único apontamente de teor religioso na cerimónia fúnebre, bastante mais ligeira do que seria habitual e tradicional em África, como explicou Silvestre Campos. À beira da sepultura, Grobler fez ainda uma leitura sobre a Ressurreição, o emergir de uma situação de desespero e o retomar do caminho da esperança. Em seguida, o caixão baixou à cova e dele não há vestígios no antigo cemitério. Com exceção de uma Bíblia e uma bolsa com alguns bens pessoais remetidos à viúva, o resto das posses de Harding foi vendido em leilão, e o produto enviado a esta.
A. Brits, um agricultor de Vryburg, de 51 anos de idade, morreu em 23 de maio de 1902. Uma semana depois faleceu a esposa de 42. O casal tinha deixado em África sete menores, ao cuidado de parentes. Segundo se disse na comunidade alcobacense, cumpriu-se a tradição Bóer em que um morreu de saudade ou por falta de interesse em viver perante a falta do outro.
Chamar o médico era privilégio das classes altas, o que não era o caso da generalidade dos internados, que careciam de recursos para isso. No final da consulta, os alcobacenses ou os bóeres mandavam aviar, quando podiam, a receita na farmácia de Manuel Vieira Natividade ou de Carlos Campeão, e ficavam na cama à espera de melhorias ou da morte...
Em Portugal só se hospitalizava em casos extremos e o hospital servia, na maioria dos casos, as classes populares. E essas só iam para lá quando não se conseguiam tratar em casa com o apoio da família.
Os bóeres que morreram em Alcobaça foram sepultados no cemitério existente ao lado do Mosteiro, hoje desativado. Ferreira não esclarece se foi em local separado dos católicos, embora provavelmente foi isso que aconteceu. Hoje em dia não há vestígios visíveis desses enterramentos, como assevera JERO.
Este cemitério encontrava-se em desleixado estado de conservação, muito especialmente os resguardos das sepulturas, coroas, retratos, jarras jaziam pelo chão ou se encontravam em cima de um suporte qualquer, fora do lugar. Cães vadios movimentavam-se entre as sepulturas, que revolviam. Havia quem assegurasse que por lá também andaram porcos. Se a situação era lastimável, não menos a queixa de que no Quartel se sentia por vezes um incomodativo odor, atribuído a cadáver em jazigo, cujo caixão se dessoldou. [22]
O cemitério inicialmente reservado aos monges, estava localizado no lado sul do transepto da igreja, motivo pelo qual a porta de acesso ao exterior, foi apelidada de Porta da Morte. Após a extinção das Ordens Religiosas e o encerramento do Mosteiro, habitantes de Alcobaça foram aqui enterrados, até ser construído o novo cemitério.

Ex-oficiais e ex-funcionários públicos das Repúblicas Bóer, recebiam cerca de dois xelins por dia para comprar comida, o que lhes permitiu passar a tomar as refeições numa pensão. Os demais internados ficaram insatisfeitos com a medida porque os oficiais e funcionários públicos recebiam os salários de qualquer maneira durante a guerra, enquanto os demais cidadãos não eram compensados. ​​
Os fazendeiros não apreciavam cenouras, mas gostam muito de laranjas e no domingo atiraram-se a elas valentemente, dizimando quase todo o mercado.
Baratos e bons, eram os figos, quase melhores que os de África do Sul, como reconheciam os fazendeiros, mas não o azeite português pois preferiam o óleo de mamona.[23]
Não se percebe bem esta referência de Ferreira a óleo de mamona como alternativa ao azeite, como refere Laetitia Smit. Segundo esta e Silvestre Campos, na farmacopeia familiar, o óleo de mamona ainda está presente como laxante. A semente da planta é tóxica devido principalmente a uma proteína chamada rícina que, quando purificada, é mortal ainda que em pequenas doses. O óleo é de difícil digestão (provoca diarreia), mas o maior risco na ingestão da semente é a toxinaricina.

Os cidadãos comuns (não os antigos oficiais ou os antigos funcionários das repúblicas bóeres) recebiam cerca de um centavo por dia. Com isso tinham de comprar sabão, tabaco, café/chicória, açúcar, carne ou peixe e cera para sapatos ou botas. Um dia, foi anunciado que poderiam escolher entre receber oito pence por dia, mas teriam que passar a comprar a comida e roupa, o que levou muitos a escolher esta opção que lhes poupava dinheiro logo enviado para familiares detidos na África do Sul.
Inicialmente o pão era preparado conjuntamente com o dos militares do quartel de Alcobaça. Para o pequeno-almoço havia pão, chicória e por vezes maçãs ou peras. O almoço consistia em sopa a que era adicionada todo o tipo de legumes e alternava com papas de arroz e batatas com carne, de carneiro, bovino ou suíno. Às quintas-feiras e domingos havia carne e às sextas-feiras peixe cozido salgado, o que provoca muita sede.
O pão era considerado bom e suficiente e comia-se muitas vezes a acompanhar sardinha frita ou assada, frequentemente servida. A comida fornecida pelas autoridades portuguesas é mais do que eles podem comer, mas a preparação não caía bem no gosto bóer, pelo que alguns preferiam faze-la.

H. G. Kruger, que fugiu de Alcobaça para a Holanda em 14 de dezembro de 1901, enfatizou numa entrevista a um jornal de Haia o tratamento sóbrio das autoridades portuguesas.
Diversas organizações da Europa enviaram alimentos, especialmente para as mulheres e crianças em Caldas da Rainha, mas os homens não foram esquecidos. Os internados em Alcobaça encabeçados por Jon Smit souberam, e solicitaram que também fossem contemplados, o que não aconteceu com o argumento que esses apoios eram, especificamente, para mulheres e crianças.
Também houve material doado por holandeses, como fatos e outras peças de roupa, bem como sapatos de diferentes tipos e qualidade a oficiais e funcionários públicos, enquanto os cidadãos comuns quando necessitados tinham de o solicitar às autoridades portuguesas. Na maior parte dos casos, se o interessado queria um novo casaco, calças, chapéu ou par de sapatos e não os podia comprar no comércio local alcobacense, tinha que vestir roupas ou calçado usados, salvo se o comandante português e o adjudicador entendessem que eram demasiadamente maus.

Os Bóeres levantavam-se pelas 6 ou 7 horas e realizavam um serviço religioso, acompanhado por uma voz forte de homem que cantava antigas canções e salmos que ressoavam através do mosteiro. No interior de cada dormitório mantiveram-se práticas religiosas diárias e correntes.
Ao domingo ouviam missa, que incluía leitura da Bíblia feita por Grobler ou ministro disponível, escutada em religioso silêncio.
Feita a leitura da passagem bíblica, seguia-se a prédica do ministro baseada na passagem lida e no livro de cantos.
A religião foi fator que tornou a detenção, eventualmente, mais suportável para alguns. O calvinismo protestante, conferiu conforto espiritual e muitos, em contexto de crise, eram particularmente vulneráveis ​​ao Evangelho e participavam ativa e regularmente nos serviços de ministros que os visitavam. Com muito raras exceções, houve tolerância e respeito face aos católicos e vice-versa. Os internados, embora nem sempre com os mesmos ritos, admitiram fazer acompanhar o serviço religioso por instrumentos musicais para os quais tinham intérpretes, e assim contactaram através do professor Malherbe, António Afonso Gomes, mas as condições deste eram incomportáveis.
Problemas da Igreja na África do Sul fizeram-se sentir em Alcobaça.
Algumas reuniões foram participadas por todos, mas os da Igreja Reformada localmente minoritária, ocasionalmente, também realizaram as suas. Houve um grupo de reformadores que se opuseram veementemente ao canto durante o culto e insistiram que fossem disponibilizados espaços separados onde pudessem manter os respetivos serviços como entendiam dever ser.
Os 21 bóeres de origem alemã, colocaram no respetivo dormitório uma árvore de Natal, no dia 24 de dezembro de 1901, conforme a tradição europeia. Entre os bóeres de Alcobaça havia quem também defendesse que não se devem utilizar símbolos natalícios, mas esses não criaram problemas com esta iniciativa.
A Bíblia não estabelece nenhum símbolo para que lembremos o nascimento de Jesus, assim como o faz para que lembremos a sua morte e ressurreição, como ocorre no sacramento da Ceia. Contudo, há um símbolo natalício que aponta para Jesus. Se se há intenção de usar algum que seja a Estrela de Belém. Todos os outros símbolos afastam a atenção para longe da Manjedoura, para longe do nascimento de Jesus. Esse símbolo natalício aproxima, aponta e lembra o nascimento e a obra redentora de Jesus.
Os votos de Bom Natal e Ano Novo em 1902 limitavam-se a dois temas, paz e um rápido retorno à amada Pátria, a terra natal.

O Tratado de Vereeniging assinado entre o R.U./U.K. e as Repúblicas do Transval e Estado Livre de Orange, pôs fim à Guerra colocando o território da África do Sul sob o domínio britânico, doravante denominado União Sul Africana. Foi assinado em Pretória, na Melrose House, depois convertida em museu. Esta é uma grande atração turística, um monumento imponente dedicado aos Bóeres, como informou Silvestre Campos. No Transval/Pretória a maioria da população ainda hoje fala Afrikaans, embora esta linguagem seja supostamente de brancos, como também informou Campos.
O Tratado especificava que o governo britânico era soberano das repúblicas bóeres e assumia a dívida de guerra de três milhões de libras daquelas. Os súditos holandeses ficavam com um estatuto especial, uma vez que o Afrikaans ainda não era reconhecido como língua distinta. Os negros não teriam o direito de voto, exceto na Colónia do Cabo. A administração britânica ainda tentou a anglização através do ensino obrigatório do inglês, mas isso foi abandonado quando os liberais assumiram o poder em 1906. Por essa altura, o Afrikaans foi reconhecido como língua distinta do holandês (já não era dialeto ou holandês abastardado), embora não o tenha substituído como língua oficial até 1926.
O Afrikaans continua a ser muito utilizado e, segundo Silvestre Campos, há muitas regiões onde não se fala outra língua. Em Pretória é a língua mais falada.

É simplista, identificar religiosidade com as práticas do catolicismo, pois nem o campo religioso se restringe ao circunscrito pela religião católica, nem a religiosidade se esgota na sua dimensão de prática.
Ser católico é mais do que obedecer a uma prática religiosa, é pertencer a um grupo cujos membros possuem todos em comum uma cultura, um sistema organizado de crenças, de práticas religiosas, de convicções, de sentimentos, de representações, de valores, etc., que se constituiu e se reformulou ao longo da história.
Ao longo da História, Portugal recorreu várias vezes à Virgem, pedindo apoio e intercessão junto de Deus para que a Independência Nacional fosse garantida.
Os protestantes/calvinistas, nesse sentido, de modo algum se podiam identificar com os portugueses, ou mesmo os compreender verdadeiramente.[24]

Páscoa, para judeus, católicos ou protestantes/calvinistas, é a festividade mais importante do Povo de Deus.
Na Páscoa, cumpre relembrar o sacrifício de Cristo e a sua ressurreição, e assegurando a salvação do seu Povo. A Páscoa remonta à lembrança como, no faraónico Egito, o Anjo passou por cima das casas dos Israelitas, poupando os primogénitos que viviam nas residências em cujos umbrais tinham o sangue do cordeiro espargido. O significado e lembrança é de libertação, de salvação. A ocasião está intimamente ligada à celebração da Última Ceia e remete para a morte e ressurreição de Cristo, ao derramar o seu sangue, que cobre e salva o seu Povo, e às promessas de uma segunda vinda. A Páscoa ao longo dos tempos tem feito parte dos calendários cristãos, inclusive reformadores como Calvino, nem sempre com as mesmas práticas.
Realizam-se este ano de 1901 em Alcobaça os festejos da Semana Santa, para o bom êxito dos quais a comissão que sobre si tal encargo tomou, tem empregado o melhor dos seus esforços. Apesar da falta de vários recursos com que nos anos anteriores para a realização desse empreendimento se podia contar, entre os quais a contribuição espontânea dos operários da Fábrica da Fervença, estamos convictos que a festividade se realizará de maneira a dignificar o culto e esta terra.
Na quinta-feira, haverá missa e grande instrumental, ao meio dia lava-pés e sermão às 16h e à noite ofício e sermão.
Na sexta-feira, Cerimónia da Paixão às 17h, e à noite ofícios e novamente sermão.
No sábado, Missa da Aleluia.
No domingo, Missa da Ressurreição e Procissão Solene.[25]
O modo como os alcobacenses celebraram a Semana Santa de 1902, revelou-se nalguns aspetos surpreendente aos bóeres, pelo uso de procissões com imagens, velas, archotes, música orquestral e roupa escura.
Ficaram impressionados com a Procissão do Enterro do Senhor, que se realizou na Sexta-Feira Santa com início e termo na Igreja do Mosteiro e percorreu ruas da vila, seguindo o percurso da Procissão dos Passos. Para patentear a dor, figuras alegóricas ostentavam um véu de luto, bandeiras e estandartes vinham com tarja de luto, e arrastavam-se pelo chão.
Na quinta-feira, houve missa com grande instrumental ao meio dia, lava-pés (cerimónia a que os protestantes não eram estranhos) e sermão às 16h e à noite, ofícios e sermão.
Na sexta-feira, ocorreram a Cerimónia da Paixão às 17h, e à noite ofícios e o imprescindível sermão vigoroso interpretado pelo controverso e conservador pároco de Alcobaça Ribeiro d´Abranches. Quem tiver piedade e amor a Deus, regozije-se nesta gloriosa e brilhante festa triunfal. Quem for servo bom, entre e alegre-se no gozo de seu Senhor. Quem suportou a fadiga do jejum, receba agora a recompensa. Quem trabalhou desde a primeira hora, receba hoje o seu justo salário. Quem veio após a terceira hora, festeje com gratidão. Quem chegou após a sexta hora, entre sem hesitar, porque não será renegado. Quem se atrasou até a nona hora, venha sem receio e medo. Quem chegou somente na décima primeira hora, não tenha medo por causa da sua demora, porque o Senhor é generoso. Acolhe o último como primeiro; remunera o operário da décima primeira hora como o da primeira; cobre um com sua misericórdia e outro com sua graça. É generoso aceita as obras e abençoa a intenção, recompensa o trabalho e louva a boa vontade.
No sábado, Missa da Aleluia e no domingo Missa da Ressurreição e Procissão. 
Na sexta-feira, realizou-se a procissão com o esplendor do costume. Pregou os 3 sermões dados a tal cerimónia, o destinto orador sagrado e reverendo pároco desta freguesia Sr. Ribeiro de Abranches que mais uma vez teve ensejo de consolidar os créditos de que há muito frui, proferindo 3 esplêndidos discursos. A procissão ia regularmente concorrida e com grande número de anjos, entre os quais se destacava pela diversidade do traje, a filhinha do Sr. Manuel Pedrosa que vestia de Nossa Senhora. Rematava o préstito, a Real Fanfarra, executando uma bonita marcha fúnebre. Na véspera à noite e no momento da condução da imagem do Senhor para o tempo da Nossa Senhora da Conceição, a Orquestra Alcobacense executou uma marcha de Verdi e o Miserere, de Júlio Avelino Soares, magistral composição que foi cantada pelos Srs. Padres António Barreiro Ferreira, Joaquim Figueira da Silva Rosa e Jacinto Sanches da Silva, e cujos solos os primeiros desempenharam com mestria e mimo.[26]

Os menos qualificados, eram responsáveis ​​por tarefas básicas, como varrer os quartos e corredores e descascar diariamente entre quatro e seis sacos de batatas.
O pátio do antigo Mosteiro tinha que ser limpo cuidadosamente duas vezes por semana, mas quando foram encarregados de o fazer numa manhã de domingo, recusaram-se porque está a violar a nossa fé protestante. A recusa acarretou a prisão de 5 internados levados para a cadeia local, embora libertados no dia seguinte.

Em 31 de maio de 1901, o Cmdt. Nicolaas Johannes Grobler, que não apreciava muito Alcobaça no dizer de Ferreira, mas que não esclareceu a afirmação, solicitou por escrito a criação de uma escola. O pedido foi deferido no mesmo dia e, em 2 de junho de 1901, cerca de sessenta jovens passaram a ser assistidos por três professores. Em fevereiro de 1902, foi nomeado um quarto professor e perante sucesso com o correspondente aumento de matrículas, a direção da escola solicitou a nomeação de um quinto professor. A Comissão para os Refugiados, de Caldas da Rainha respondeu que o Prof. Malherbe poderia cumprir horas extras e que seria compensado monetariamente por isso. Malherbe concordou em dar uma hora a mais por dia, a partir de 7 de maio de 1902. Era um sujeito alto e magro, de cabelos espetados e avermelhados, óculos e nariz adunco comprido e fino. De modos delicados e galantes, parecia óbvio não ser dado a trabalhos manuais. Tinha ar de mestre-escola, conforme padrões portugueses.
A escola recebeu uma subvenção da Comissão para pagar salários de professores e outras despesas. Pelos serviços, os professores receberam o montante equivalente ao de um sargento bóer.
O magno problema era a falta de livros didáticos, sem olvidar a necessidade de um quadro negro e de um mapa-múndi.
Além das disciplinas escolares comuns e básicas, os internados, pelo menos os mais urbanos e novos reclamaram outras.
As aulas de francês, com seis horas semanais, começaram em 19 de agosto de 1901 com cerca de quinze alunos assistidos por um antigo professor de Pretória que deu as aulas de graça. Revelou-se bastante útil e alguns internados ao falarem um pouco francês, passaram a atuar como intérpretes, abdicando da fala gestual. O que aprenderam não foi muito, mas mesmo assim melhor que nada.
De diferentes nacionalidades, os internados constituíam um grupo que integrava ricos e pobres, estudiosos e não letrados, devotos e não praticantes, sérios e alegres, castos e impuros. Entre eles havia interessados em aprender inglês, pois a língua materna era o Afrikaans. Com exceção de cinco, os demais pediram o ensino de inglês, sendo encomendado a uma livraria local de Alcobaça que importasse os livros de Inglaterra.

A oficina de serralharia mecânica e civil de José António Vasco que alegadamente dispunha de todas as ferragens para construções, gradeamentos, portões e torneamento de veios e eixos para carros, vendeu alguns materiais a internados carpinteiros, antes de entrar em enormes dificuldades comerciais decorrentes da execução e penhora de bens movida por um comerciante de Lisboa.
Silvino dos Santos Carvalho, com armazém na rua 16 de outubro, e um bom sortido em móveis de madeira e ferro e outros artigos e encarregava-se de mandar vir catálogos e mobílias completas de qualquer fábrica, pelo que foi contactado para dar algumas informações sobre como fazer acabamentos em madeira não exótica.[27]
Durante a década de 1820, ocorreram nos Coutos de Alcobaça, convulsões políticas e sociais, pois o povo ambicionava a libertação do domínio opressivo do Mosteiro. Esta situação estava muito diretamente relacionada com os encargos de reconstrução que lhe tinham sido acrescidas devido às catástrofes de 1755 (terramoto), 1772 (inundações) e 1810 (invasões francesas). Em 1833 houve, no largo à entrada do Mosteiro, várias batalhas entre as tropas de D. Miguel e o Batalhão Voluntário dos Coutos de Alcobaça. Este batalhão também participará, em 1834, na batalha decisiva em Évoramonte a favor dos Constitucionalistas Tanto os monges como a Igreja em geral, encontravam-se do lado dos miguelistas e criaram o Regimento de Voluntários dos Coutos, batalhando ao lado de D. Miguel. Quando os monges se aperceberam que os liberais estavam a ganhar a guerra, evacuaram o Mosteiro, pela primeira vez em julho de 1833 e, posterior e definitivamente em outubro de 1833.
A 16 de outubro, a população entrou no edifício e saqueou-o durante onze dias, durante o que, desapareceram muitos objetos utilitários, de culto e de arte e uma grande parte do acervo da Biblioteca, cujos restos puderam ser transferidos para a Biblioteca Nacional de Lisboa e Torre do Tombo.[28] Aquando dos incidentes relacionados com o Movimento de Santarém, em 13 de janeiro de 1919, por parte da força de Leiria e de alguns elementos do Quartel de Alcobaça afetos ao governo, houve abusos, violações de domicílio, buscas arbitrárias e prisões, o que originou um ambiente de terror, culminando com atentados a tiro e a morte do comerciante Silvino dos Santos Carvalho, monárquico, conservador, que não acatou pronta e devidamente o recolher obrigatório. Carvalho foi baleado mortalmente quando passava na atual Praça D. Afonso Henriques.[29]

Um carpinteiro de Joanesburgo, e outro de Vryburg, tiveram a ideia de ministrar aulas de carpintaria, para o que foi criado o respetivo curso e abertas as inscrições.
A Comissão dos Refugiados ficou satisfeita com a iniciativa, mas exigiu a nomeação de uma Comissão de Supervisão, conhecer e definir as condições. O material fabricado não pertenceria ao criador, mas seria propriedade comum, o qual poderia ser vendido em proveito de todos, sem prejuízo de cada um poder fazer um objeto para uso próprio. O material só seria vendido, com autorização das autoridades portuguesas, ouvido o comércio local, pois de outro modo poderia significar concorrência com artesãos alcobacenses e causar tensão social.[30]
Haveria que manter uma contabilidade em ordem com recibos das vendas e despesas para os monitores receberem corretamente uma parte do lucro que houvesse. Estes requisitos foram aceites pela Comissão que forneceu o valor prometido de £ 15 para a compra de ferramentas que vieram de Lisboa e a madeira de um pinhal de Pataias, pertença de José Coutinho. Em fevereiro de 1902, a carpintaria encontrava-se em funcionamento e os modelos de carrinhos de bebé tinham alguma procura. Pouco antes de serem repatriados, as ferramentas, materiais e produtos acabados e inacabados foram vendidos e o produto distribuído.

Alcobaça é (foi) um dos principais centros cerâmicos do país, sendo 1875 a data de fundação da primeira fábrica nesse ramo.
De José dos Reis dos Santos, o percursor passou, em 1900, a Manuel Ferreira da Bernarda e, depois, ao filho, Raul de Bernarda. Esta fábrica, juntamente com a Olaria de Alcobaça, Ldª., fundava em 1927 por António Vieira Natividade, Joaquim Vieira Natividade e Silvino da Bernarda, tiveram produção interessante e fizeram escola. Por essas duas fábricas, passaram a maior parte dos fundadores das fábricas de loiça que vieram a surgir no Concelho nos anos de 1940 e 1950, como Pereira & Lopes, Ldª. Elias & Paiva, Ldª, a Estatuária Artística de Alcobaça, Ldª, Vestal–Fábrica de Faianças Artísticas de Alcobaça, Pombo & Almeida Ribeiro, Pedros e a fábrica de cerâmica de José Rosa, na Maiorga.
Todas produziram jarras, potes, cinzeiros, jarrões, pratos de parede, bengaleiros, uma imensidão de peças pintadas à mão, em que o azul é a cor dominante, sem prejuízo do pardo amarelo, verde e roxo.
Os Bóeres terão pensado dedicar-se a cerâmica, para entretimento ou mesmo venda, mas foi projeto abandonado à nascença, apesar de terem contactado a fábrica que Manuel Ferreira da Bernarda tinha assumido em 1900, aliás a única que existia. Alguns pequenos artesões individuais, talvez uns 3 ou 4, faziam em Alcobaça louça para uso doméstico.
José dos Reis morreu em 1987. Em 1900, a filha arrendou a fábrica a Manuel Ferreira da Bernarda, tendo-se realizado a primeira fornada a 7 de novembro desse ano. No verso de um prato encontra-se referido o facto de ser a primeira peça pintada por conta de Manuel da Bernarda. Apresenta uma pintura de folhagem larga em tons de azul, a zebre, a castanho, tendo no centro um retângulo com uma inscrição semelhante à loiça tipo coimbrã.
Tal como com José dos Reis dos Santos, a maioria da loiça produzida pela fábrica, ia da ordinária à fina, pintada à mão e estampilhada. Além de peças de uso doméstico, travessas, pratos, terrinas, xícaras, tigelas, saladeiras, também se fizeram outras de utilização mista ou decorativa, como garrafas de forma humana ou animal e pratos de parede. No princípio do século trabalhavam na fábrica oito operários, enquanto na direção tomava parte Silvino Ferreira da Bernarda, filho mais velho do proprietário, uma vez que seu pai se dedicava à construção civil. Em 1927, Silvino da Bernarda abandonou a fábrica, fundando uma outra, com dois filhos de Manuel Vieira Natividade, a Olaria de Alcobaça.
Após a saída, a fábrica atravessou um período de crise, passando em 1933 para Raul da Bernarda.[31]Encerrou atividade na década de 1970.

Em Alcobaça, em novembro de 1901, correu o boato de que os bóeres seriam transferidos para outro local do País, pelo que alguns comerciantes tendo ficado alarmados, acompanhados pelo Dr. António de Sousa Neves, foram à Nazaré solicitar ao Dr. Álvaro Possollo para que, na sua dupla qualidade de filho de Alcobaça e seu deputado às Cortes, solicitasse ao Ministro da Guerra para que isso se não concretizasse.
O Dr. Álvaro Possollo prometeu interessar-se pelo assunto e, três dias depois foram recebidos telegramas na vila, participando que os refugiados não seriam deslocados para outra localidade, o que despertou enorme satisfação e mais uma deslocação de agradecimento.

N’A Paródia, Manuel Pinheiro, filho de Rafael Bordalo Pinheiro, publicou uma caricatura sobre a rivalidade entre os vários lugares de Portugal para receberem os Bóeres e desenhou portugueses ciumentos, porque as mulheres lhes davam muita atenção.

Um problema grave entre os exilados em Alcobaça era o tédio, que dava lugar a disparates evitáveis se tivessem ocupação ou motivação consistente. Fazer piqueniques, pescar no Rio Alcoa com canas e isco improvisados, fotografar, passear, frequentar lojas, tabernas, serviços religiosos, era insuficiente a partir de certa altura.  O tiro aos pratos era um passatempo popular, embora os internados tivessem acesso bastante difícil a armas de fogo e elevado o custo dos pratos ainda que adquiridos como refugo. A caça ainda que mais popular estava, pelas mesmas razões, praticamente vedada.
No dia de Ano Novo de 1901 foi organizado um evento desportivo, pelo que foi solicitado à Comissão de Refugiados que disponibilizasse uma bola de futebol/râguebi, mas esta não quis satisfazer o pedido, alegando que preferimos motivar os rapazes para outra atividade.
A fotografia foi durante algum tempo um passatempo que os ocupou e levou a procurar o serviço do fotógrafo César Ubaldi, especialmente após de ter mudado a loja da Rua da Rainha, para a sua residência. Os amantes da fotografia compravam-lhe algum material e encomendavam serviços que não podiam fazer. Registe-se que César Ubaldi é a mais antiga referência da fotografia em Alcobaça, uma vez que já em 1898, se anunciava na então Rua da Rainha que Ubaldi fazia os seus retratos no quintal do sr. António José, na Avenida João de Deus. Ainda na primeira década do século vinte, na mesma rua, Miguel Santos Rebelo, tinha a sua Photografia Rebello. Carlos Gomes, outro dos históricos da fotografia e republicano militante, tinha o seu atelier em 1913 e, no ano seguinte, António Dias, abriu o seu estabelecimento na Rua Miguel Bombarda.
Os internados necessitavam, pois, de passatempos para compensar o tédio e alguns encontraram na música uma forma de relaxamento e satisfação. Realizavam concertos, apresentações com temas originais, sem esquecer os tradicionais, representações teatrais e até saraus de poesia, neste caso de qualidade incerta, no franco dizer de Ferreira. A dança não era incomum, embora restrita ao sexo feminino, tal como ao invés acontecia com as práticas desportivas, com destaque para o râguebi.
Não foi possível estabelecer um consenso com o Quartel, no sentido de ser facilitada ou mesmo permitida a utilização de caval0os pelos internados, como estes desejavam. O clima ameno e ensolarado da 0África do Sul propicia um ambiente favorável à prática desportiva o ano inteiro0 pelo que os sul-africanos são tradicionalmente desportistas, bons cavaleiros e caçadores.[32]

0s internados podiam andar na vila e na área imediata circundante, mas Nazaré e S. Martinho do Porto não se enquadravam, todavia, neste conceito, conferindo-lhes a oportunidade de contactar alcobacenses, de efetuarem caminhadas a pé ou de burro e piqueniques, pescar carpas no Rio Alcoa, adquirir diretamente fruta e bebidas alcoólicas, com destaque para o vinho do produtor. Na falta de cavalos, ou em alternativa a burros alugavam bicicletas a Alberto Gomes Froes, mas isso deixou de acontecer pois, quando devolvidas, nem sempre estavam em bom estado e este passou a exigir caução. Dois internados, alugaram bicicletas e sem obter a devida autorização foram de passeio até à Nazaré, não as tendo devolvido na hora combinada. Froes, que receou um furto, foi falar com Grobler, queixando-se da falta de restituição das bicicletas que vieram a ser encontradas numa arrecadação do mosteiro.
Depois deste incidente passou a ser procurado o estabelecimento de Joaquim Vitorino e filho António que abriram um negócio de bicicletas, gramofones e discos, ventoinhas e máquinas de costura na Rua Frei Fortunato, mesmo ao lado da taberna que a Guilhermina, mulher do primeiro, explorava com sucesso, graças a seus petiscos, bolos e pataniscas de bacalhau. O estabelecimento de Sebastião dos Santos Vazão com duas lojas, uma na Praça Príncipe D. Carlos/atualmente Praça da República e outra na Praça D. Afonso Henriques, era procurado para vender aguardente de vinho com a graduação de 30 graus e ao preço de 260 Reis o litro, espumantes, vinhos finos da Madeira e Porto, Vinhos de Pasto, vinagres branco e tinto e todo o género de mercearias.
Durante a visita à quinta de José Almeida e Silva em que houve uma prova de vinhos, e foi tocado o Hino do Transval numa caixa de música, o que motivou forte emoção entre os convidados bóeres.[33]
Almeida e Silva foi personalidade de destaque, desempenhou funções como Vereador, Presidente da Câmara e Administrador do Concelho. Em 1889, requereu à Câmara de Alcobaça licença para estabelecer uma linha telefónica, com cerca de dois quilómetros de comprimento, a ligar a sua residência na Quinta de Stª. Teresa, nos Capuchos, à do sogro José de Sousa Leão em Alcobaça. Foi Almeida e Silva quem instalou, no primeiro andar do prédio onde funcionou a Farmácia Campeão e sede do PCP, o primeiro telefone que houve na Vila, uma novidade mesmo em Portugal, dado ter sido inventado nos Estados Unidos em 1875 e introduzido na Europa em 1877. Segundo a tradição, a primeira passagem de um automóvel pela vila de Alcobaça, terá acontecido no terrado em frente ao Mosteiro, em data incerta, o mais tardar em 1898, o que causou grande emoção, senão mesmo algum temor entre os populares uns que fugiram ou que foram afoitamente a correr atrás dele, durante algum tempo. A primeira referência escrita conhecida à existência de um automóvel em Alcobaça, consta do Semana Alcobacense, de 30 de abril de 1899 e diz respeito a um automóvel que se deslocava em direção a Caldas da Rainha. Almeida e Silva entusiasmou-se com a novidade e, seguindo o exemplo de o Conde Avilez, foi encomendar um automóvel ao Porto, nos Estabelecimentos João Garrido, com sede na Rua Passos Manuel, um Clement, que demorou a ser entregue (dezembro de 1899), pois teve problemas na alfândega, que não sabia como o classificar e lhe aplicou uma taxa exorbitante. Foi este o primeiro automóvel a ser propriedade de um alcobacense, pelo que antes de começar a circular esteve em exposição pública, no pátio do Palacete Costa Veiga, à Rua Frei Fortunato.
Dias depois, Grobler e alguns companheiros voltaram à Quinta de Stª. Teresa, deram um passeio dos Capuchos a Alcobaça no automóvel de Almeida e Silva e assistiram a fases da vindima, que não seguia os procedimentos praticados em África. A experiência das vindimas, para quem vai à Europa, é uma experiência curiosa, porque as estações do ano estão viradas do avesso, a vindima faz-se em fevereiro ou março e o vinho está pronto para provas no Outono europeu, como destacava Silvestre Campos que trabalhou com os vinhos feitos de pinotage, especificidade sul-africana. Pinotage é uma uva tinta surgida em 1925, do cruzamento da Pinot Noir e da Cinsault. Campos disse que este é um vinho quente e envolvente, mas de efeito curto, porque em geral se esvai rapidamente. Apesar disso, em geral os vinhos de pinotage são picantes e adstringentes, e dão corpo a um travo apimentado, a fazer lembrar terra vermelha. O pinotage tornou-se de certo modo um símbolo da viticultura sul-africana. Mas os vinhos sul-africanos não se limitam ao pinotage pois produzem-se brancos, em geral ligeiros e vinhos de sobremesa. Mas, em tinto, produz-se sobretudo o shiraz e cabernet sauvignon. Quanto a este último, vem sobretudo de Stellenbosch.
Nas vindimas, num ambiente quase festivo, trabalhava toda a gente da terra, as mulheres na apanha das uvas, os homens a carregar os cestos para os carros de bois, com eixos das rodas e chumaceiras de madeira, até às tinas das adegas. Alcobaça era uma terra onde a rapaziada se divertia nas adegas e na ideia de que as mulheres eram mães, esposas, filhas ou irmãs de todos os que somos portugueses. O trabalho feminino fora de casa, e na defesa dos bons costumes era aceite apenas o do campo (vender criação ou legumes no mercado, fazer as vindimas ou a apanha de fruta). As mulheres não deviam trabalhar em sectores onde pudesse haver homens desempregados e em qualquer caso, não justificavam receber o mesmo que eles, nem lhes era reconhecido igual estatuto profissional.
Embora alguns estrangeiros tivessem sido convidados para a matança de porco em casa de Almeida e Silva, declinaram o convite. A matança do porco era uma significativa e tradicional festa do Portugal rural, que se prolongava, por vezes, por dois dias, constituindo fator de união das famílias e de convívio com os vizinhos e amigos, um momento de folia na comunidade que descansava das rudes tarefas braçais. Era habitual a família criar um porco, que era morto e conservado em sal para a alimentar durante uma boa parte do ano. Matavam-se tantos mais porcos quanto o estatuto social e a condição financeira o permitiam, pelo que a riqueza da família se avaliava em função do número de porcos que matava. Em casa de Almeida e Silva, os porcos eram criados e alimentados à base de batata, milho, maçãs, legumes, e farelo, tudo de produção própria, e viviam em cortes, nas traseiras da casa. Noutras famílias, as cortes malcheirosas, situavam-se por baixo da casa. Na matança do porco, estavam presentes, para além do agregado familiar direto, os parentes, os vizinhos e amigos A festa iniciava-se com o tradicional matar o bicho, uns copitos de aguardente bagaceira, broa, chouriço, e, obviamente, vinho tinto.[34]
A tradicional Feira de S. Simão, em fins de outubro de 1901, realizou-se na Praça João Franco, onde foram armadas diversas barracas de quinquilheiros, ourives, chapeleiros e d’outros feirantes que nesta ocasião costumam concorrer a Alcobaça.
Depois da assinatura do Tratado de Paz, os exilados de Alcobaça, foram autorizados a fazer, com mais liberalidade, viagens como visitar o Mosteiro da Batalha, a Nazaré, Leiria, ou os  amigos e familiares em Peniche, Caldas da Rainha, Tomar ou Abrantes.
Ao mesmo tempo, passaram a ser convidados para bailes onde pudessem conhecer meninas, a organizá-los e até para festas populares. Ontem e promovido por um grupo de bóeres, realizou-se um baile na Casa da Fanfarra, para o que aquela foi vistosamente ornamentada.[35]

A população, nesse ano 1902 aderiu com entusiasmo, à Romaria do Senhor dos Aflitos, que se realiza no início de junho, no Arraial dos Capuchos/Évora de Alcobaça.
A festividade começou no sábado, com uma fogueira a preparar o dia seguinte, onde iria atuar, como cabeça de cartaz, a Filarmónica Alcobacense. A missa ao meio-dia, foi celebrada com a presença de muitos fiéis, que iam chegando aos poucos. Ao Evangelho, subiu ao púlpito o pequenino, gordinho e insinuante Prior da Freguesia que, com a sua palavra elegante e empolgante, marcou um ponto alto da festividade religiosa. Terminada a missa, a Filarmónica passou a executar no adro trechos musicais de sabor popular, findos os quais, se dirigiu para o arraial. Deu-se início ao assalto aos farnéis, um dos melhores e mais saborosos números do programa do dia. Cada um, escolheu de pronto os melhores pontos para abancar, se possível sob a copa de árvores corpulentas, ou estirou-se pela relva que começava a despontar e livrava das durezas da terra ressequida. As viandas saltaram das puceiras e cestos de vime, espalharam-se pelas toalhas e mesas que encheram, numa azáfama digna de valentes exploradores, acompanhadas por uns goles alentadores de um tinto espesso e escuro, talvez dos Montes ou Castanheira que saía alegremente e sem cerimónia dos sempre prontos odres de borracha para as sempre prontas gargantas alcobacenses. Entretanto, ia chegando mais gente das redondezas, e o arraial aumentava de vida. A música continuava a soar, pelo que a dança irrompeu naturalmente. Nada havia capaz de vencer o ardor da mocidade e dos menos moços, a alegria estampou-se nos rostos. O garrido das roupas femininas dava um tom atraente à primavera que se aproximava rapidamente do verão.[36]

No dia 24 de junho, realizou-se no Arraial dos Capuchos, a tradicional festa S. João.
Mais uma vez, foi boa a concorrência popular, mas para manter a ordem, e nos moldes habituais, foi à cautela destacada uma força de cavalaria, comandada pelo turquelense Alf. José Guedes. No recinto, havia mesas com refrigerantes e barracas de comes e bebes, que fizeram regular o negócio, animado pela Filarmónica Alcobacense, que se houve plausivelmente, apesar de desfalcada de três elementos.
A noite de S. João esteve na vila de Alcobaça muito animada festejando-a os habitantes com um entusiasmo que há muito não se notava. No vasto pátio do Palácio Veiga, que se encontrava vistosamente enfeitado e com uma iluminação profusa e artística a copos de cor, balões e tigelinhas, a concorrência foi em toda a noite numerosa, bailaricando ininterruptamente num espaço reservado à dança. A ornamentação e iluminação estavam com muito gosto e excelente disposição. A Serenata deu um magnífico contingente causando o agrado de todos os que a ouviram. Houve fogueiras e pequenas iluminações em diversas ruas, queimando-se grande quantidade de fogo de bengala.[37]

A Câmara Municipal de Alcobaça, avisava em editais, missas e na imprensa (Semana Alcobacense), ser proibido deitar lixo para a rua ou fazer despejos, propondo-se tomar medidas enérgicas para contrariar estes procedimentos pouco respeitosos, bem como a prática da eliminação, através de bolas envenenadas, dos cães vadios, para o que foram expedidas aos regedores as adequadas instruções para lhes por cobro.
A progressão dos casos de raiva e sua deteção em Alcobaça em particular, justificava medidas urgentes. Ao mesmo tempo, haveria que recordar que os cães, depois de mortos, não deveriam ficar expostos ao tempo.
O mesmo jornal, reiterava o pedido para se por cobro ao abuso de se estender inestética e pouco salutarmente roupa nas janelas e ruas da vila.

Em fevereiro de 1902, ocorreu o Carnaval, que durou três dias e foi molhado, o que não impediu J. Almeida da Silva fazer uma degustação de vinho na sua  adega e convidar alguns bóeresmais destacados. Como a região de Alcobaça produz vinho e este era barato e acessível, por vezes até oferecido, isso era considerado por outros como o caminho da tentação, inadequado ao momento crítico que se vive, que não é a hora dos prazeres mundanos, sendo estas perturbações causa do nosso cativeiro.
No seu puritanismo ortodoxo, os Bóeres não apreciavam mascarar-se, muito menos os homens vestirem-se de mulher, pois isso poderia, segundo Grobler e Ferreira, colocar em causa a masculinidade. Silvestre Campos confirma o pouco apreço dos homens em mascararem-se de mulheres, mas não que fosse corrente o entendimento que tal suscitava reservas à virilidade.
O carnaval passou-se em Alcobaça tal qual os anos anteriores, para alguns como sensabor e aborrecido apesar do tiroteio de pó, água, confettis e esforços dos que iam tentando fazê-lo viver, dando-lhe a cor e a animação de longínquas eras e terras.
Em 1902, a monarquia portuguesa encontrava-se em sérios apuros, enquanto a população se ia divertindo como podia, com mais ou menos folia ou graça, mas sempre com parcos recursos. Na segunda-feira ocorreu uma mascarada feita por adolescentes, parodiando a escola. A brincadeira não estava má, mas a chuva é que não desejava que a presenciassem. Todavia, com chuva ou sem ela, a paródia andou por ruas da vila, entretendo alguns alcobacenses.[38]
Os festejos, com a exceção dos bailaricos particulares e populares nas associações locais, circunscreveram-se na vila ao Clube, à Fanfarra, ao Grémio e ao Teatro. No Clube, realizaram-se para os sócios e família um baile no Domingo Gordo, na Segunda-feira uma tarde infantil, e na Terça-feira uma reunião familiar, que serviu de pretexto para uma soirée, que durou até de madrugada, com ceia a meio da noite.
Na Fanfarra, o baile de carnaval, que se realizou na sala de ensaio, ocorreu por antecipação no Domingo anterior, para não entrar em concorrência com o Clube e teve alguma animação.
No Grémio, efetuou-se na quinta-feira anterior, um baile que durou até cerca das duas horas, animado por uma orquestra contratada em Leiria.
No Teatro, houve noites carnavalescas com animação, apesar dos preços relativamente elevados.

A simpatia, hospitalidade e solidariedade  dos  alcobacenses eram  grandes e gostavam de as expressar. Segundo as más línguas, não foi uma herança  recebida dos monges.
Escreveu-se que isto de fazer leis ou transmitir ordens severas de repressão, quando umas e outras se tornam evidentemente dispensáveis, ou, quando muito admissíveis, se revestidas de um caracter de acentuada brandura, sem previamente se atender à índole e ao caracter do bem a que se destinam tem em certos casos resultados prejudiciais e contraproducentes.  Achamos razoável que, dada a nossa condição de aliados à Inglaterra se enviem e reprimam acontecimentos que lhe sejam hostis; porém não consentir que insignificantes (embora muito sinceras manifestações de simpatia sejam feitas aos refugiados do Transval, com receio de que a Grã-Bretanha venha exigir-nos contas lá nos parece um excesso de medo, uma cortesia obediente, que nos repugna, por infamante dos nossos brios. Tocar-se o Hino do Transval, levantarem-se meia dúzia de chapéus, vibrarem-se, mesmo dois ou três vivas aos valentes Bóeres, aqui, em Alcobaça não queremos que seja motivo para que as nossas relações com a Inglaterra sofram qualquer oscilação. Aceitamos de boa mente que o digno tenente-coronel Sr. Benevides de Sousa não está procedendo de moto próprio, privando, por mera vontade sua, os emigrados das liberdades a que têm direito e furtando-se às manifestações de agrado que os Alcobacenses pretendem tributar-lhe. E porque admitimos sem relutância essa hipótese, nós secundando um pedido já feito na impressa, dirigimo-nos d’aqui ao ex. mº ministro da guerra a fim de que sua exª conceda que os pobres expatriados que entre nós se encontram disfrutem as regalias a que têm jus, não os conservando sobre custodia tanto tempo como de costume e consentindo que eles oiçam à vontade o Hino do Transval ou qualquer outro que por deferência e homenagem se lhes queira tocar. Que tudo isso, tão pouco, de resto! não advirá a mais leve consequência de gravidade quer para a ordem pública quer para os poderes constituídos, quer para as relações com a nossa aliada.[39]
Portugal era-lhes completamente estranho, no referente a pessoas, língua que não procuraram dominar, tal como a cultura, pelo que foi difícil a adaptação às novas circunstâncias. Para alguns, o processo de ajuste foi relativamente fácil, enquanto outros acharam-no insuportável de todo. Reclamavam, tentaram fugir e um caso ou outro ensandeceram. Os jovens tiveram menos problemas, mas os mais velhos sentiam falta de notícias da Terra distante, dos parentes, do trabalho e das reuniões sociais.
Quando passaram a dominar a língua portuguesa, ainda que ligeiramente, os jovens começaram a envolver-se com as empregadas domésticas, geralmente pobres, analfabetas, mas de fardas limpas e suaves. Os pais mantinham-se reservados e atentos, pelo que o contato com elas era difícil, considerado indecente falar com um homem estranho na rua. A única forma de atuar consistia em ficar à noite sob a janela do quarto e falar da rua, situação muito insatisfatória. A Comissão para os Refugiados, de Caldas da Rainha, era contrária ao casamento com as meninas portuguesas, atitude que considerava  irresponsável dado o estado  de miséria destas, a menos que o potencial noivo, tenha os meios financeiros necessários. Mas eles tendo deixado tudo na África do Sul e desconheciam se ainda tinham alguns.
Em Alcobaça, houve um casamento entre um bóer e uma portuguesa e ao que se saiba terá sido o único. Christiaan Stephanus Nel casou na Vestearia/Paróquia de Nª. Srª. da Ajuda/Alcobaça, em 28 de maio de 1902, com Amélia Faria Coelho, e assumiu o catolicismo, pelo menos publicamente, indo ambos viver para a África do Sul.[40]
O casamento católico em Portugal, era necessário por ser o único válido, e pressuponha professar a respetiva Fé. Silvestre Campos, embora geneticamente católico, casou-se segundo o rito protestante, pois como diz, na África do Sul não tinha alternativa.

Os estrangeiros estranhavam a indumentária dos portugueses, nomeadamente as jaquetas curtas e calças muito justas.
As mulheres do campo usavam lenços de cabeça, andavam descalças e carregavam a carga na cabeça, lembrando as mulheres negras na África do Sul.
Era verdade. O fenómeno do pé descalço referido por Ferreira, era explicado apenas pela pobreza, mas tinha também que ver com hábitos enraizados. A decisão política da proibição, todos devem usar sapatos, defendida pelos republicanos, só foi tomada depois do 28 de maio de 1926, e surgiu na sequência de uma campanha da Liga Portuguesa de Profilaxia Social contra o indecoroso, inestético e anti-higiénico hábito do pé descalço. O homem do comércio e serviços, usava camisola interior de algodão ou lã, ceroulas ou cuecas, camisa, colete, casaco de fato e chapéu. O chapéu alto era escolhido para as ocasiões solenes. No dia-a-dia, preferiam os de coco ou moles. Algumas senhoras de Alcobaça, utilizavam o serviço da menina Joana Gomes da Silva, que tinha acabado de abrir um atelier de vestidos, chapéus e confeções na Ponte D. Elias, junto à Fábrica de Louça. Apesar dos preços anunciados como módicos e se responsabilizar pelo bom acabamento da obra, nem por isso foi encarregada pelas senhoras bóeres, que preferiam fazer pessoalmente o serviço.

O facto de o mercado semanal, se realizar ao domingo/Dia do Senhor, fez com que os calvinistas ficassem chocados, como se referiu relativamente ao de Caldas da Rainha.
Os dias de trabalho em Portugal tinham, em geral, 9 horas, mas podiam chegar às 14. As fábricas e as lojas funcionavam ao fim de semana e os trabalhadores não tinham direito a descanso semanal, exceto nas datas religiosas, e por vezes ao domingo. Na agricultura, o trabalho do cavador era de sol a sol, salvo quando a chuva o impedia. Era assim desde sempre e ninguém protestava, perante a sina de nascer e morrer pobre.

Dois bóeres K. Steinmeijer e H. Siebken, tinham ensaiado uma fuga em 6 de julho de 1901, mas estiveram de volta a 9 de julho capturados em Vila Velha de Ródão, e depois levados para o Forte de S. Julião da Barra, de onde Siebken conseguiu escapar, com sucesso, em 11 de maio de 1902.
Em 8 de agosto de 1901, um americano de ascendência alemã, escapou e conseguiu chegar à Alemanha, enquanto que dois italianos em 8 de setembro de 1901, conseguiram  escapar com sucesso. Em 22 de setembro de 1901, um austríaco e um  inglês também conseguiram fugir.
O número total de fugitivos de Alcobaça, com sucesso, terá chegado a quinze. O seu destino era a Holanda e o meio utilizado o comboio.

Os bóeres em Portugal, independentemente das raízes familiares, com a assinatura do Acordo de Paz tiveram a oportunidade de regressar a África, tal como os demais deportados noutros locais do mundo. Lá era a sua terra. Lá estava a sua Pátria. As Repúblicas Bóeres nunca foram colónias, concretamente de um país europeu.
Quando em Alcobaça se soube dos acordos de paz e de previsível repatriamento,  houve um sentimento de pesar, não só porque o relacionamento fora bom, mas também  porque os estrangeiros trouxeram um impulso à débil economia local.
À estação de caminho de ferro de Valado de Frades deslocaram-se inúmeros alcobaceses que não prescindiram de uma despedida pessoal, onde não faltaram abraços, lágrimas e juras. Enfim alguma emoção.
Foi enorme a emoção produzida pela retirada dos bóeres, embora sempre se soubesse que eles haviam de deixar-nos um dia, e agora estava-se à espera do triste momento. Os nossos simpáticos hóspedes começaram a retirar para o Valado às 3 da tarde, levando nessa romaria até quási à noite, ocasião em que desapareceram os últimos refugiados. Agitavam os chapéus e diziam adeus a toda a gente, numa eloquente e sensibilizadora manifestação de sentimento.
Muitos deles andaram despedindo-se pessoalmente dos alcobacenses, entrando em todos os estabelecimentos e nas casas particulares onde estavam mais ou menos relacionados. À nossa redação vieram inúmeros dizer-nos adeus, devem nós especializar o Comandante Grobler que nos pediu para em seu nome e no de todos os bóeres, patentearmos aos habitantes desta vila a sua gratidão, pela forma por que aqui foram tratados. Ao Valado foram apresentar-lhes o seu último adeus centenas de pessoas, trocando-se ali as mais emocionantes e sentidas expansões da alma.
Alem das demonstrações de reconhecimento, que particularmente recebemos, foram-nos entregues pelos seus signatários as despedidas e agradecimentos que a seguir publicamos:
Os signatários, profundamente reconhecidos para com todas as pessoas que, durante a sua permanência nesta vila, os honraram com tantas provas de amizade e simpatia, suavizando-lhes quanto lhes foi possível as agruras do seu exílio, aqui lhes veem patentear toda a gratidão de que, por tantos títulos, os fizeram seus devedores.
Com esta pública demonstração do seu reconhecimento, se despedem saudosamente de todos os alcobacenses, fazendo-lhes o humilde oferecimento dos seus préstimos em Johannesburg, para onde seguem.
J. P. Mallherbe, G. F. Marias, J. L. Immelmann e J. J de Waal. [41]
O Prof. J. P. Malherbe, pessoa de fino trato e galanteria, dadas as boas relações que criou e a facilidade em se expressar em português, com data de 23 de agosto de 1902, enviou uma carta ao Semana Alcobacense, cujas instalações visitava com regularidade (além da tipografia Oliveira), a agradecer a hospitalidade dos 16 meses que passou em Alcobaça, e dar conta da viagem de regresso.
Depois de dois dias de navegar, fizemos escala em Las Palmas, nas ilhas das Canárias, de onde muitos de nós enviámos cartas e bilhetes-postais aos amigos e conhecidos que deixamos em Portugal. Tivemos a bordo do navio três senhoras portuguesas, duas de Alcobaça e uma de Abrantes. Todas estão boas de saúde. Não sei se têm muitas saudades da pátria que elas deixaram ao chamamento do deus Cupido. Quando chegamos perto do Cabo, as ondas tornaram-se maiores, mas com um navio do tamanho do nosso não fez muita diferença, que já estávamos acostumados aos movimentos do barco. Mas que atrevidos e intrépidos foram aqueles dois heróis, Bartolomeu Dias e Vasco da Gama, os ilustres portugueses que, nos dias heroicos de Portugal, ousaram navegar, com os pequenos barcos da sua época, nas águas por onde ainda ninguém se arriscou a penetrar, elevando o pano que, há séculos, encobriu as costas da nossa pátria, a Africa Austral! Por ingrato que seja, e que é, nunca poderá o mundo esquecer os feitos gloriosos dos seus ilustres antepassados. Como já disse, chegamos na cidade do Cabo no dia 4 agosto. Depois de nós termos desembarcado, no dia seguinte, fomos conduzidos por comboio para um acampamento situado uns quinze quilómetros do Cabo, aonde ficámos até ao dia 9 de agosto, em que saímos para as nossas respetivas destinações nas Colónias do Cabo Orange e Transval.
Peço-lhe a fineza de inserir a estas poucas linhas nas colunas do seu digníssimo jornal. Pode emendar-me os erros, ou não, que os Alcobacenses já compreendem o português de um Bóer.

Malherbe não esqueceu a herança de Bartolomeu Dias e Vasco da Gama, bem como a importância que teve no desenvolvimento do sul da África. Poderia ter invocado Camões, que glorificou ambos os navegadores e eternizou a sua gesta. Mas obviamente não poderia socorrer-se de Pessoa que ainda não tinha chegado à África do Sul, muito menos escrito a Mensagem ou tido oportunidade de abordar a questão bóer.
Como pessoa culta, intelectual e falando português estudou um pouco a História de Cister na Tipografia Oliveira/Semana Alcobacense e a presença romana na zona, todavia sem se aperceber da existência da citânia de Parreitas/Bárrio ou do mosaico romano de Coz acabado de descobrir [42].

O Prof. Malherbe chegado ao Transval endereçou uma carta a António Afonso Gomes, diretor da Real Fanfarra Alcobacense que veio a ser publicada no Semana Alcobacense, de 7 de dezembro de 1902. Aquele escrevia e falava razoavelmente português ao invés da generalidade dos bóeres adultos que nunca se interessaram em o aprender, como salienta De Klerk.
Exmº. Senhor.
Umas poucas linhas da mão daquele que ainda não se esqueceu dos alcobacenses e do tempo em que os bóeres se encontraram no meio de um povo que lhes sempre mostrou grande simpatia. O esquecimento não poderá entrar nos corações por onde a bondade dos seus compatriotas desperta tão grandes recordações. Ainda me lembra com saudade o tempo em que o senhor, na primeira noite da nossa chegada em Alcobaça, com a fanfarra a tocar o Himno do Transval, nos deu, em nome dos alcobacenses, as boas vindas da sua vila.
Nos dias e meses que seguiram a essa noute memorável, o senhor sempre deu a entender que os bóeres tinham em si um amigo que lhes desejava todas a felicidade e a independência da pátria. E’ este motivo que me impele a escrever-lhe, e por isso já me considero justificado em dirigir a carta ao sr. Gomes. Ainda não lhe posso escrever definitivamente com respeito à atual situação dos bóeres, que as coisas nas duas novas colónias não estão em ordem ainda. Terminou a guerra, mas com isso não se acabaram as dificuldades, que ainda agora se levantam por todos os lados. Veremos se o Sr. Chamberlain, ministro da Inglaterra, que desembarcará na África do Sul no fim deste ano, será capaz de desatar o nó górdio: a questão Sul-africana. Os países do Orange e do Transval sofreram muito durante a guerra. Muito mais, porém tem sofrido as mulheres e as pobres crianças nos acampamentos, para onde elas foram conduzidas pelos ingleses. Esta triste história, meu senhor, história que não tem igual nos anais da infâmia e da usurpação, não se presta à descrição. Muitas mulheres entraram para o acampamento com seis ou talvez mais crianças, saíram sem nada. Afastada da casa, a alma devorada pelas saudades do marido, exposta à dura vida numa tenda, viu morrer as suas criancinhas, uma após outra, até lhe não restar nenhuma. E, talvez, saiu do acampamento só para encontrar a triste nova da morte do marido. Não é dado a ninguém alcançar quão fundo é o abismo de intensa mágoa cavado num coração de mulher que perdeu tudo aquilo por que e para que ela vive. Foi esta a última gota, e o copo da infâmia dos ingleses na África do Sul está cheio. O povo de Portugal não pode avaliar quanto têm sofrido as mulheres das duas antigas repúblicas pela causa da liberdade e da independência. Morreram nos acampamentos vinte mil crianças e mais do que três mil mulheres-seis vezes mais do que o número de mortos nos campos de batalha! Aos ódios e às maldições contra os ingleses, porem, não lhes é dado morrer. A Africa do Sul ainda será o túmulo da grandeza do império inglês. O solo que embebeu tantas gotas de sangue dos seus filhos, por onde jazem os corpos dos nossos heróis, o solo onde os nossos antepassados verteram heroicamente o seu sangue, para alcançar um pedaço de terra onde pudessem viver livremente, este não é o solo para escravos. Para o cúmulo de tudo, os ingleses deram espingardas aos pretos para assolarem uma terra já quase convertida em deserto. Ainda não se repatriaram todos os prisioneiros. Muitos encontram-se ainda na terra do seu exílio. Prova de que o estado de desolação que reina nas colónias de Orange e do Transval, não os pode receber. Tenho esperança, porém, que brevemente reflorirá o antigo bem-estar desta parte da África do sul.
Mais tarde lhe tornarei a escrever alguma coisa sobre o estado político na Africa do Sul. Muitas recomendações aos alcobacenses meus conhecidos, e o senhor Gomes aceite um fraternal aperto de mão deste bóer que o estima bastante.[43]
Não foi possível apurar se houve ulteriores contactos.

Malherbe redigiu um texto de 219 páginas, que intitulou Em Tempo de Guerra e nunca chegou a ser editado, composto por 4 capítulos num inglês sofisticado, elegante e fluente, embora não fosse a sua língua materna, pois era africander.
No terceiro capítulo, refere a vida a bordo de um navio português de transporte de bóeres e no quarto à vida em Portugal, concretamente em Alcobaça.
Enquanto no comando, gastei parte do meu tempo de lazer a escrever os meus pensamentos e impressões. Estes, mantive em pequenos cadernos que carregava comigo. Enquanto em Delagoa e depois em Portugal, continuei estas anotações e depois tive este livro na gráfica em Alcobaça, e transcrevi para ele as anotações citadas acima, lamento que tenha interrompido as anotações logo após minha chegada a Alcobaça, em Portugal, porque havia muito a contar, mas "havia uma mulher". Um namoro Português tomou o meu tempo e inclinação. Por isso, estas notas devem permanecer incompletas.
O manuscrito é um diário/narrativa muitas vezes poético.  Malherbe também era uma espécie de poeta e o prefácio que elaborou é um poema que intitulou Paz na Terra, Boa Vontade para com os Homens.  Outros poemas estão espalhados pelo texto. O corpo principal do trabalho é uma descrição e comentários sobre a guerra e, além de detalhes de batalha. Malherbe faz descrições da vida dos soldados no veld, como preparavam as refeições, como comiam, como dormiam, como sobreviveram ao frio intenso do inverno e ao calor do verão, como passavam o tempo de lazer, etc. O manuscrito oferece ainda perspetivas sobre a natureza, o caráter e a humanidade dos homens de combate, o que raramente é tratado em narrativas de Guerra. É impossível dar uma descrição mais detalhada desse trabalho. Aqui segue apenas uma pequena observação escrita antes de o autor cruzar a fronteira em fuga para Moçambique:
Adeus ao Transval, onde a guerra foi transformada em selvageria, onde mulheres e crianças eram jogadas no pântano, e onde as fazendas eram queimadas por Lord Roberts. Adeus a um país onde, no início do século XX, uma nação civilizada recorria às práticas de bárbaros que torturam mulheres e crianças a fim de acabar com o espírito de patriotas que defendiam seu país.

Na década de 1950, idosos de Alcobaça como Carlos Campeão, dono de famácia, ainda recordavam os nomes de vários clientes. Outros lembravam-se como os Bóeres compravam vinho e outros bens e tentavam pagar com Kruger pond.[44]
P. W. Botha, Ministro da Defesa, visitou Portugal e Alcobaça em abril de 1967, e na companhia do Presidente da Câmara Horácio Junqueiro, colocou uma lápide com os nomes e em memória dos 2 bóeres falecidos, no antigo cemitério junto ao Mosteiro e no lugar das respetivas campas, que ainda foi possível localizar.
Em junho de 1970 na companhia de Tarcísio Trindade, o primeiro-ministro sul-africano B. J.Vorster, visitou Alcobaça e a esposa depositou um ramo de flores na lápide. Pouco depois, vândalos partiram a lápide, simples e discreta, removendo os restos do pedestal.
Hoje não se encontram vestígios das campas e lápides, pelo que não se sabe se foram efetivamente sepultados em local distinto do dos católicos.[45]

O Cemitério dos Ingleses/St. George, é o mais antigo de Lisboa, fundado no início do século XVIII para os anglicanos que não podiam ser enterrados no dos Católicos.
Ali existe um monumento, inaugurado em 1913, em memória dos deportados que estiveram e morreram em Portugal.
Em 26 de março de 1912, o primeiro-ministro sul-africano, Gen. Louis Botha, em nome do governo da União, lançou a ideia de um monumento no cemitério britânico em Lisboa. A inauguração teve lugar a 28 de abril de 1913 e contou com a presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e dos representantes dos Gabinetes de Guerra e Colonialismo Britânicos, gesto muito apreciado pelo governo da União da África do Sul, que ordenou que fosse amplamente noticiado na imprensa. Na cerimónia foram interpretados, por uma banda militar, o Hino Português e o Hino Britânico.
O Ministro da Defesa da África do Sul, P. W. Botha aquando da visita a Portugal em abril de 1967 visitou o Cemitério dos Ingleses, tendo deposto uma coroa de flores no monumento aos soldados bóeres falecidos em Portugal, embora ali não sepultados. 
Nesse ano, uma representação da Embaixada da República da África do Sul, esteve presente no Mosteiro da Batalha a evocar o 9 de abril de 1918 e a Batalha de La Lys.[46]

Miguel Unamuno, nasceu em Bilbau (1864) e morreu em Salamanca a 31 de dezembro de 1936.
Foi ensaístaromancistadramaturgopoeta, filósofo, deputado entre 1931 a 1933 e o principal representante espanhol do existencialismo cristão, sendo conhecido, principalmente, pela obra O sentimento trágico da vida, que lhe valeu a condenação do Santo Ofício. Foi nomeado reitor da Universidade de Salamanca por três vezes, a primeira em 1902 e a última, de 1931 até à sua demissão, em 22 de outubro de 1936, por ordem de Franco, cujo golpe militar inicialmente apoiara. Passou os últimos dias de vida em prisão domiciliária.
É considerado como a figura mais completa da Generación del 98, grupo constituído por intelectuais como António MachadoAzorínPío BarojaRamón del Valle-InclánRamiro de MaetzuAngel Ganivet, entre outros.
Admirador do nosso país, visitou-o com frequência e deixou interessantes descrições da paisagem e da alma portuguesas. Esteve em Alcobaça[U1]  em 1908 e deixou uma descrição do Mosteiro, do caminho percorrido desde Valado dos Frades, onde chegou de comboio, e da hospedagem em que pernoitou. Segundo informou António Delgado,[47] o texto sobre Alcobaça foi publicado em 1909 em Buenos Aires, no jornal La Nación. Os jornais de Alcobaça, apesar Unamuno ser muito conhecido e personalidade de destaque em Espanha e Portugal, nenhuma referência lhe fizeram.
(…) E foi um formoso amanhecer de fins de novembro, num verdadeiro Verão de S. Martinho, quando sai para ver o histórico Mosteiro de Alcobaça, outrora convento de bernardos. O arrebol da aurora dourava as colinas, quando eu ia direito ao Mosteiro, a fachada de cuja igreja atraía o meu anelo. Esta fachada, severa, mas pouco significativa, abre-se para uma grande praga estendida a toda a luz e todo o ar. Ao entrar no templo envolveu-me uma impressão de solene solidão e nudez. A nave, muito nobre, flanqueada pe­las suas duas filas de colunas nuas e brancas; tudo isto um pouco severo e robusto. Lá ao fundo, um retábulo deplorável, com uma grande bola azul estrelada e da qual irradiam raios dourados. As naves laterais semelham desfiladeiros. E encontrava-me só, e rodeado de majestade, como sob o manto da Historia.
(…) E depois passei para ver o outro claustro, mais vivo, mais íntimo, o chamado do Cardeal, onde hoje há um quartel de artilharia. Todo o antigo convento de monges bernardos mostrou-mo um simples camponês fardado de soldado de artilharia. O pobre jovem, somente via ali o quartel, sem saber nada de monges. “Aqui fazemos os exercícios, aqui é o picadeiro, aqui...”, etc. Na porta do que foi antanho biblio­teca, dizia aquilo dos provérbios: viam sapientiae monstrabo; “mostrar-te-ei o cami­nho da sabedoria”. E mostrou-ma um recruta português, mas estava vazia, e não era um caminho, mas uma sala. Queria mostrar-me, é claro! as pecas, os canhões.
Voltei a igreja, agora com o guarda. Mostrou-me o altar em que se representa a morte de S. Bernardo, uma cena um pouco teatral, que parece de um grande presépio de cartão, desses de Natal, mas não será o seu efeito. Um frade de pedra chora eternamente, levando o branco manto aos olhos, não sei se a morte do seu santo pai S. Bernardo ou a trágica história de Inês de Castro. Porque defronte deste altar uma pobríssima grade de madeira fecha a capela onde descansam! por fim os restos da infortunada amante de D. Pedro I.
(…) Nunca na minha vida esquecerei esta visita. Naquela severíssima sala, entre a grave nobreza da branca pedra nua, a luz apagada e difusa de uma manhã de Outono, as brumas da lenda embuçaram o meu coração. Uma paz cheia de solidões parece deitar-se naquele eterno descansadeiro. Ali repousam para sempre os dois amantes, joguetes que foram do trágico fado. Como aves agoureiras, vinham-me a memória os alados versos de Camões ao contemplar o túmulo da “mísera e mesquinha/ Que, depois de ser morta, foi rainha.”
(…) Com pena, com pena de solidão, deixei aquela capela de amor fatídico, e, atravessando o templo voltei a ver a luz do céu. Sorriam com um sorriso outonal as coli­nas, sorria Alcobaça, uma vila branca de casario, verde de campo, risonha, florida, aberta, campesina e nobre, industrial e histórica. O seu rio é um rio de fábricas, ladeado de muros e rumoroso, desses que movem máquinas. (…)



[1]-Fleming de Oliveira in, No Tempo de Mata-Frades, Visconde de Seabra e Outros.
Fleming de Oliveira in, No Tempo de D. Pedro, Dª. Inês e Outros.
-Vergílio Correia in, Alcobaça-Mudanças dos Túmulos Reais.

[2] Manuel Vieira Natividade in, O Mosteiro de Alcobaça.

[3]-Fleming de Oliveira, in A fantasiosa Princesa Rattazi/Alcoa e Flemingdeoliveira.blogspot.com
[4]-JERO/José Eduardo Reis Oliveira, é um curioso da história moderna de Alcobaça e responsável por apontamentos, publicados na imprensa local. É subdiretor do semanário Região de Cister.

[5]-Após a derrota D. Miguel I (1834), foi despojado do seu estatuto de realeza e as Cortes declararam que ele e todos os seus descendentes seriam para sempre inaceitáveis à sucessão ao trono e sob pena de morte caso regressassem a Portugal. Por esse  motivo, a 19 de dezembro desse ano foi promulgada a Lei do Banimento na qual o, ex-infante e ex-rei D. Miguel I e seus descendentes ficaram obrigados a viver no exílio, o que foi ainda reforçado com a a Constituição de 1838, revogada em 1842, na qual o artigo 98º estipulou que a linha colateral do ex-infante Dom Miguel e todos os seus descendentes estão perpetuamente excluídos da sucessão. Isso não impediu que em 1866, aquando da morte de D. Miguel I, o Governo de D. Luís decretasse 20 dias de luto nacional rigoroso, pela morte do Senhor Dom Miguel de Bragança, tio do Rei.
D. Miguel, a viver na Alemanha, casou-se a 24 de setembro de 1851, com a princesa Adelaide de Löwenstein-Wertheim-Rosenberg e de quem teve sete filhos, entre os quais D. Miguel Januário de Bragança, que nunca aceitaram bem o facto da perda perpétua de direitos dinásticos e que continuaram a apresentar pretensões a títulos nobiliárquicos.
O visitante de Alcobaça em janeiro de 1901, neto do ex-rei D. Miguel I, era filho de D. Miguel Januário de Bragança.
Fleming de Oliveira, in No Tempo de Reis, Republicanos & Outros.

[6]-Júlio de Matos in, A Questão Calmon. Reflexões sobre um caso médico-legal. O Dr. Júlio de Matos, diretor do Hospital de Alienados do Conde de Ferreira, já tinha examinado Rosa Calmon, a pedido do pai.
Fleming de Oliveira in, No Tempo de Reis, Republicanos & Outros.

[7]-Fleming de Oliveira, in No Tempo de Reis, Republicanos & Outros.
Não foi possível encontrar no Conselho Superior do MP o registo individual de João Franco, concretamente da sua passagem por Alcobaça.

[8]-Relatorio e Mappas-Censo da população da Freguezia de Alcobaça em agosto e setembro de 1909, trata-se de documento facultado por Jorge Araújo e que não se encontra na Biblioteca Municipal de Alcobaça. É um valioso documento para se apreciar a sua história político-social no início do sec. XX
Fleming de Oliveira, in No Tempo de Reis, Republicanos & Outros.
J. V. Natividade, in Região de Alcobaça.

[9]-Ferreira, O. J..

[10]-O Semana Alcobacense, não perdia uma oportunidade de se manifestar anticlerical, com picardias de mau gosto e primárias. Talvez por isso, foi perdendo leitores e receitas. Alcobaça era terra conservadora. O jornal utilizava um jornalismo militante que zurzia os adversários, especialmente os não republicanos. Mas em relação aos Bóeres, manifestou sempre solidariedade.

[11]-Fleming de Oliveira in, No Tempo de Reis, Republicanos & Outros.
[12]-Ferreira, O. J.
Círculo das Caldas.
Augusto Rodolfo Jorge nasceu no Porto em 29 de junho de 1847. Veio para Alcobaça em 1866, com 19 anos de idade, acompanhando o pai, o médico Bernardo Francisco Jorge. Augusto Jorge que começou por ser funcionário da Recebedoria do Concelho, foi figura na vida cultural de Alcobaça, como artista e cenógrafo amadores. Os alcobacenses apreciavam o Grupo Musical Ferreira Penteado/Grupo FP, muito solicitado para atuações ao ar livre.
Fleming de Oliveira, in No Tempo de Reis, Republicanos & Outros.


[13]-Jorge Pereira de Sampaio in, Cem Anos de Comércio em Alcobaça.
Semana Alcobacense.

[14]-Semana Alcobacense.

[15]-Ferreira, O. J..
O facto de ter existido uma das maiores e mais valiosas bibliotecas do País, deveu-se aos monges cronistas e historiadores como, por exemplo, Fr. Bernardo de BritoFr. António Brandão e Fr. Fortunato de São Boaventura, que se tornaram conhecidos como os Cronistas de Alcobaça e publicaram durante séculos a Monarquia Lusitana. Veja-se, pois, foto, junta.

[16]-Semana Alcobacense.
Du Plexis, era considerado meio português.
Grobler, severo calvinista, patriota e homem de família, no dizer de Ferreira, era o mais graduado dos ex-oficiais bóeres em Alcobaça, e por isso seu líder. Nascido a 12 de junho de 1829 em Colesberg Bo-Karoo Cabo Setentrional e falecido a 21 de março de 1919 em Bosveld-Limpopo, veio a dar lugar a uma descendência ilustre.

[17]-Expressão de Ferreira.
[18]-Semana Alcobacense.
Fleming de Oliveira, in No Tempo de Reis, Republicanos & Outros.
A extinção das Ordens Religiosas, não modificou a arte e técnica de cuidar da vinha e produzir o vinho. O domínio direto das propriedades do Mosteiro transitou para os antigos foreiros e para um grupo que beneficiou das hastas públicas dos bens.
António Valério Maduro, in As vinhas e os vinhos dos monges cistercienses de Alcobaça.
Serra, J. B. in, Caldas da Rainha 1887-1927: expansão e modernidade/Terra de Águas.

[19]-É o maior e mais completo Museu do Vinho existente em Portugal.
Fleming de Oliveira, in O Alcoa.
Fleming de Oliveira, in No Tempo de Salazar, Caetano e Outros.

[20]-O Forte da Graça, mandado construir na II metade do século XVIII, encontra-se implantado no Monte da Graça, um dos pontos mais altos da região e local de grande importância estratégica, o que permitiu completar o circuito defensivo de Elvas. Também funcionou como prisão.

[21]-Era socialmente tolerada a frequência masculina de bordéis. Alguns homens iam a Caldas da Rainha. Em Alcobaça era conhecida a Casa da Menina Alice, como alguns ainda se recordam de ouvir referir.

[22]- Fleming de oliveira in, No Tempo de Reis, Republicanos &  Oitros.

[23]-Ferreira, O. J..

[24]-Moisés de Lemos Martins, in Catolicismo e a Construção da Identidade Nacional.

[25]-Semana Alcobacense.

[26]-Semana Alcobacense.

[27]-Semana Alcobacense.
Fleming de Oliveira in, No tempo de Salazar, Caetano e Outros.

[28]-Fleming de Oliveira, in No Tempo do Mata-Frades, Visconde de Seabra e Outros.

[29]-Fleming de Oliveira in, No Tempo de Salazar, Caetano e Outros.

[30]-Ferreira, O. J..

[31]-Jorge Pereira de Sampaio in, A Faiança de Alcobaça.
Fleming de Oliveira in, No Tempo de Pessoas Importantes como Nós.


[32]-Semana Alcobacense.
Ferreira, O.J..
Fleming de Oliveira in, No Tempo de Reis, Republicanos & Outros.
Jorge Pereira de Sampaio in, 100 Anos de Comércio em Alcobaça.
[33]-Semana Alcobacense.
José Almeida e Silva, foi um proprietário rural abastado, ativo e influente, que dispunha de uma especial curiosidade pelas engenhocas. Por esta altura, Almeida e Silva era Presidente da Câmara de Alcobaça. Refira-se que, ainda vereador, a Câmara Municipal de Alcobaça aprovou a compra que este vereador fez de uma caldeira para os Banhos da Piedade, e registou, com apreço e reconhecimento, a sua oferta para proceder e dirigir em pessoa o assentamento.


[34]-Ferreira, O. J..
Os Bóeres apreciavam, tanto como qualquer alcobacense, se não mesmo português, matar o bicho, mas não estiveram presentes.
Fleming de Oliveira in No Tempo de Reis, Republicanos & Outros.

[35]-Semana Alcobacense.

[36]-Ferreira, O. J..
Semana Alcobacense.

[37]-Semana Alcobacense.
Fleming de Oliveira, in No tempo de Reis, Republicanos & Outros.


[38]-Ferreira, O. J..
Semana Alcobacense.

[39]-Semana Alcobacense.

[40]-Informação de Jorge Araújo, que o apurou no Arquivo Distrital de  Leiria.

[41]-Semana Alcobacense.

[42] Trata-se de um interessante mosaico datável de finais do século II ou inícios do século II d.c. executado em tesselas pretas e brancas, representando um busto radiado, eventualmente Apolo, no centro de um medalhão e motivos aquáticos ao redor de um krater num painel inferiormente justaposto.

[43]-Semana Alcobacense.
[44]-Ferreira, O. J..
Em 2017/2018 não se encontrou nenhum alcobacense, cuja memória, se reporte à estadia dos bóeres. Esta encontrava-se esquecida, pelo que por isso se justifica o presente trabalho.
Esta era a moeda da República da África do Sul/ZAR, com as mesmas dimensões e conteúdo de ouro que o soberano britânico. Apresentavam de um lado o retrato de Paul Kruger e no outro o brasão de armas do Transvaal. 


[45]-Horácio Junqueiro, funcionário do Grémio da Lavoura, foi um discreto Presidente da Câmara, ligado ao regime  corporativo, cujas ordens cumpria. Tarcísio Trindade nasceu em Alcobaça, em 11 de Setembro de 1931. Aqui fez o percurso escolar até entrar para a Faculdade de Direito, em Lisboa, curso que não concluiu. Seguindo o negócio da família, foi antiquário, livreiro, bibliófilo e avaliador. Em Alcobaça, foi Vereador Municipal e Presidente Comissão de Turismo no mandato de Horácio Junqueiro, e depois Presidente de Câmara de 7 de fevereiro de 1969 a 18 de julho de 1974.  
Pieter Willem Botha mais conhecido como Pik. W. ou Die Groot Krokodil, O Grande Crocodilo, foi primeiro-ministro da África do Sul entre 1978 e 1984 e PR, entre 1984 e 1989.
B. J. Vorster, nascido em Jamestown, representante da minoria branca africâner, foi decidido partidário da política de segregação racial. Levou a cabo detenções e impôs drásticas medidas contra os negros, como a condenação à prisão perpétua de Nelson Mandela. Os jornais regionais ou locais não noticiaram estas visitas a Alcobaça.
Fleming de Oliveira in, No Tempo de Salazar, Caetano e Outros.

[46]-Notícias da África do Sul (revista de Cultura, Turismo e Economia)-Ed. da Embaixada da R.A.S.


[47] -Alcobaça: Ecos e Comentários.





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