NO TEMPO DOS BÓERES EM PORTUGAL
CALDAS DA RAINHA, ALCOBAÇA, TOMAR, PENICHE, ABRANTES E S. JULIÃO da BARRA.
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OS BÓERES EM PORTUGAL
-PORTUGAL 1900-
Portugal
é um país que, tradicionalmente, tem revelado quando necessário abertura ao
acolhimento de refugiados, pois o Povo compreende e aceita que o Governo
atenda, com generosidade, os pedidos seriamente formulados. Mas nunca
foi propriamente um país de exílios, mas de trânsito.
Os
refugiados estão protegidos por sentimentos de solidariedade, por se saber o
que lhes aconteceu e famílias, que perderam tudo, a vida em clima de horror nos
seus países e a necessidade de ajuda.
No Portugal de 1900, especialmente em algumas localidades,
assistiu-se a um esforço inigualável por parte de pessoas e organizações que se
uniram e para oferecer uma resposta eficaz ao acolhimento e acompanhamento de
refugiados/deportados vencidos numa guerra longínqua, com a qual aparentemente
não havia relação.
Esta
prática é a afirmação de uma das mais relevantes virtudes do povo português, a
eficaz hospitalidade, pois todos, independentemente do extrato social, acorrem
no desejo de prestar serviço, ajudar os desconhecidos, auxiliar os perseguidos
da sorte, num comovente e apaixonado anseio de fraternidade.
Terminada
a Guerra Anglo-bóer em 1876, cerca de seiscentas famílias bóeres entraram no
deserto do Kalaari, na procura de local para se instalarem, longe dos
britânicos.
Viajavam
em grandes caravanas. Os carrões eram parecidos com os dos filmes de cowboys,
puxados por seis a oito bois, se não mais, com uma estrutura tão simples como
uma caixa grande de madeira assente em dois eixos. As rodas traseiras, maiores,
eram fixas. As dianteiras, um pouco mais pequenas, giravam à vontade do
condutor. Um bom sistema de travagem tornava seguras as descidas íngremes. O
teto de lona, esticado sobre arcadas de madeira, isolava da chuva, do calor, do
pó e dos mosquitos. As arcas de arrumação serviam de assentos. Ao longo
do trek, os bóeres passaram fome
e sede, sofreram com a seca e com as febres, perderam gente, gado e haveres e alguns
desanimaram, dispersaram, desistiram e voltaram para trás. Outros, prosseguiram
até ao Sul de Angola e percorreram as margens dos grandes rios Cubango e
Cunene. Acabaram por estabelecer contactos com as autoridades portuguesas e
obtiveram a concessão de terra para se instalarem.
No centro da Fazenda Jamba, rodeado por morangueiros,
um pequeno cemitério é delimitado por um simples muro para impedir a entrada de
animais, e um portão sem fechadura. Com duas dezenas de malcuidados túmulos de
bóeres com cerca de um século, o cemitério é zelado há três gerações pela família
de Yudo Borges que tomou conta da fazenda, que todos os anos é visitada por
caravanas de sul-africanos e namibianos, países onde vivem os seus descendentes.
A 20 minutos de carro do Lubango, capital da Huíla, Humpata é uma localidade essencialmente agrícola, com
grandes fazendas.
Vieram até aqui, produziram, trabalharam
muito e quando se aborreceram foram-se embora, recorda Yudo Borges, o
administrador da Fazenda Jamba, que herdou do pai e do avô. Comprada
aos bóeres pela família Borges, pouco antes da independência de Angola, a
Fazenda Jamba conservou a tradição da comunidade sul-africana e chegou a ter
600 vacas holandesas leiteiras.
Esse cemitério é o vestígio que subsiste, e em risco
de se perder, da presença da comunidade, não obstante ter sido reconhecido pelo Governo angolano como património
cultural nacional. Ver foto junta.
Mais e
cinco décadas após a saída dos bóeres da Humpata, o Museu Regional da Huíla,
está a tentar recuperar a memória e história dessa comunidade que marcou a agricultura
local, o que não
tem sido fácil, dado a falta de informação e documentação do período de
administração portuguesa.
O museu recuperou a estátua do jovem
alferes Artur Paiva, que serviu
como intérprete de língua inglesa e ficou a comandar o destacamento militar que
se estabeleceu no local. Nomeado em
1882 o primeiro administrador do concelho da Humpata, veio a casar com
Jacquelina Botha, filha do chefe da colónia bóer.
A primeira colónia de 270 bóeres era em 1880, composta
por 57 chefes de família, liderada por Jacobus Botha. Era
um patriarca, à maneira bíblica, chefe religioso, político e militar
experimentado em guerras e sofrimento.
A
Guerra Anglo-bóer não parece ter influenciado a situação destes africânderes.
Em
1927, a África do Sul, pretendendo contrariar a influência alemã na
Damaralândia, desenvolveu uma campanha destinada convencer os bóeres a
regressarem à terra mãe. A iniciativa teve êxito. Em 1928, quase todos os
bóeres mudaram-se para o Sudoeste Africano. Foi um novo trek.
Quatro
famílias ficaram na Humpata. As outras, carregaram novamente os carrões. Na
margem esquerda do rio Cunene, ao avistarem a bandeira sul-africana,
reuniram-se para cantarem Hinos de Acão de Graças. A pequena colónia
constituída por 270 pessoas que tinha viajado até à Humpata em 1880, havia
crescido, contando agora perto de 2.000 almas.[1]
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