NO TEMPO DOS BÓERES EM PORTUGAL
CALDAS DA RAINHA,
ALCOBAÇA, TOMAR, PENICHE, ABRANTES E S. JULIÃO da BARRA.
(1)
NOTAS PRELIMINARES
A abordagem do tema em geral e de um alcobacense
que virou bóer no particular, foi suscitada pelas informações dos descendentes
de António Miguel de Oliveira a Jorge Araújo, após cerca de 60 anos quase sem
contactos.
Trata-se de um homem que com 18 anos, nos inícios
do século XX, emigrou com os Bóeres alojados em Alcobaça para a África do Sul.
Ockert
Jacobus Olivier Ferreira, nasceu no Baixo Kouga/Cabo Oriental/República Sul
Africana, em 19 de setembro de 1940, e encontrava-se aposentado desde
1988 vivendo em Jeffreys Bay, onde faleceu em 12 de setembro de 2018.
Ferreira
pertenceu à oitava geração dos descendentes de Ignácio Ferreira que foi para
África e aí se radicou. Os descendentes deste, cruzaram-se com bóeres, daí que
Ferreira tenha assumido totalmente esta identidade em termos culturais,
linguísticos, sociais e religiosos.
Investigador
e professor universitário, mais conhecido por Cobus Ferreira, contou com algum
detalhe, como mais ninguém, a vida que levaram os bóeres em várias localidades
de Portugal, para onde foram deportados na sequência da Guerra Anglo-bóer.
Segundo
o próprio, o meu primeiro projeto foi
saber mais sobre o meu progenitor, Ignácio Ferreira. Mais tarde decidi fazer a
minha tese de doutoramento sobre os Bóer internados em Portugal durante a
Guerra Anglo-bóer, porque nem sequer os historiadores sul-africanos, quanto
mais o público em geral, sabiam que Portugal teve um papel importante durante a
guerra. O livro, é a versão publicada da minha tese. Como pode avaliar pelo meu inglês fraco, o inglês não é a minha
língua materna. Eu sou falante de africânder e sinto que é meu dever promover o
africânder usando a sua linguagem científica, especialmente agora porque a
minha língua materna está sob uma grande pressão neste momento. A presença de internados bóeres em Portugal durante a Guerra
Anglo-bóer (1899-1902) não é de conhecimento geral entre os sul-africanos, nem
mesmo entre alguns historiadores.
Questionado
se se considera um amigo de Portugal, esclareceu a Carlos Cipriano/Gazeta das
Caldas que, fui um grande apoiante da
seleção de Portugal durante o Campeonato do Mundo em 2010 e Cristiano Ronaldo é
meu super-herói. Não sou só apoiante da seleção portuguesa. Sou um fanático por
Portugal. Visitei o país nos anos 70 e tive um sentimento de regresso a casa. E
durante os 18 anos seguintes tive o mesmo sentimento de pertença a este país e
a sensação de que em vidas passadas vivi cá porque tudo me é tão familiar. Consigo identificar-me com as tradições e
cultura portuguesa. Eu olho para Portugal como a minha segunda pátria.[1]
Em
Viva os Bóeres! descreve como viveram, se organizaram e se relacionaram em
Caldas da Rainha, Alcobaça, Peniche, Abrantes, Tomar ou S. Julião da Barra, onde
estiveram como deportados dos britânicos na sequela da Guerra Anglo-Bóer.
Silvino
Alberto Vila-Nova, que nasceu em Lisboa, em 5 de fevereiro de 1920, foi figura de algum relevo na Magistratura
Portuguesa, e na cultura de Alcobaça no seu tempo. Juiz Conselheiro do Supremo
Tribunal de Justiça, é autor de vários livros, bem como de outros em colaboração
com Bernardo Henriques Vila-Nova. Faleceu a 9 de julho de 2011.
Vila-Nova,
em 1989, escreveu no jornal A Voz de Alcobaça que The Boers in Portugal, escrito por Darius De Klerk, é um pequeno livro,
se considerarmos o número de páginas, mas de grande interesse, atendendo à
importância histórica dos acontecimentos relatados. O autor, como ele próprio
esclarece nas primeiras páginas, não é um historiador, nem pretende fazer uma
obra histórica, no sentido preciso da expressão. The Boers in Portugal é uma
súmula de testemunhos, comentários, recordações e noticias que o autor recolheu
ao longo da vida, através de conversas com pessoas muito diversas, de visitas a
variados locais e de uma persistente pesquisa em livros e periódicos. Depois de
uma breve introdução sobre a colonização da África do Sul por holandeses, franceses
e ingleses, até finais do século passado, De Klerk refere o período conturbado
da Guerra Anglo-bóer e o acolhimento dado pelos portugueses a cerca de 700
bóeres que se refugiaram em Moçambique e que posteriormente vieram para Lisboa,
acabando por se fixar em Abrantes, Alcobaça, Caldas da Rainha, Peniche, Oeiras
e Tomar. De Klerk, sensível ao estímulo de familiares e amigos, que o
incentivaram a publicar a abundante informação recolhida, afirma nas páginas
deste livro a sua admiração pelos Bóeres, cuja simplicidade, honestidade,
coragem, sinceridade e sociabilidade põe em destaque. Ao mesmo tempo que repudia a traiçoeira atuação dos britânicos,
manifesta o seu apreço pela hospitalidade e simpatia com que os portugueses
acolheram os refugiados. Para caracterizar a personalidade dos bóeres e, em
certos aspetos, a sociedade portuguesa de então, o autor vai entretecendo a sua
narrativa de pequenos episódios, de breves notas relativas acontecimentos, paisagens, manifestações
artísticas e desportivas ou meros costumes populares, conseguindo assim
proporcionar uma leitura agradável, não obstante a monotonia e aridez de
algumas páginas, que não passam de meras listas de datas e factos.
The Boers in Portugal
é uma simbiose de apontamentos, crónicas, memórias (sobretudo na última parte
sobre a rebelião dos bóeres em 1915) e, por isso, as informações surgem
dispersas, tornando-se difícil encontrar o fio condutor. Mas é fácil depreender
o espírito patriótico, a intenção pedagógica, a emoção (por vezes, comoção) com
que o autor alude à situação dos refugiados bóeres e às experiências da sua
própria família, aqui radicada.
É o intuito de
comunicar o resultado da sua aturada investigação a quantos se interessam por
esses acontecimentos históricos, sobretudo os sul-africanos, que De Klerk
convida, de modo muito gráfico, a sentarem-se à roda da fogueira para ele lhes
contar, à sua maneira, este capítulo da história do seu país.
Quase todos os casamentos de Bóeres
e Portugueses, aliás muito poucos foram de mulheres com Portugueses, com a
exceção de Jacobus Abraham de Klerk, que veio por Angola para onde tinha ido
com o muito controverso Gen. Manie Maritz, em 1915 (Manie
Maritz, também conhecido como Gerrit Maritz, foi um oficial bóer durante a II
Guerra Bóer e um dos principais rebeldes da Revolta em 1914. Durante a década de
1930, Maritz tornou-se simpatizante do nazismo e ficou conhecido como um
defensor declarado do III
Reich. Faleceu a 20 de dezembro de 1940, em Pretória, onde se encontra
sepultado), e casou com Maria Catarina Leão de Almeida e Silva.
Foram pais de Darius Kores Leão de Almeida e Silva De Klerk, que se assimilou à
cultura Portuguesa, viveu muitos anos em Alcobaça, sendo proprietário de uma
casa, situada sobre a Ala Sul do Mosteiro, e escreveu The Boers in Portugal.
Laetitia Smit, nasceu em janeiro de 1949, em Heidelberg/Transval, hoje cidade com mais de
70.000 habitantes na província de Gauteng/África do Sul, ao pé da
Suikerbosrand/ Sugarbush Ridge.
O assunto da Guerra Anglo-bóer, fez sempre a parte de
mim. A partir dos 8 anos, gostava de ler o máximo possível sobre ele. Mas ainda
há tanto para descobrir, tantas histórias não contadas de bravura, sofrimento e
dificuldades, de todos os envolvidos.
Cresceu em
ambiente familiar sólido e feliz, onde segundo tem o cuidado de salientar aprendeu
a amar livros, história e geografia, respeitar o próximo, sem discriminação de
raça, religião ou cor, procurou saber os eventos horríveis e trágicos da Guerra
Anglo-bóer 1899-1902, que ocupou a
minha mente e as nossas conversas familiares. Considero-me, orgulhosamente, 100% Bóer, com descendência de
Huguenotes da Alemanha e da Flandres. Muitos
foram mortos em perseguição religiosa, resultante do ódio religioso e intolerância
na Europa, especialmente após o massacre do Dia de São Bartolomeu em Paris, em
1572. Muitos Huguenotes foram forçados a fugir, em
busca de liberdade religiosa. Centenas de famílias emigraram para a África do
Sul onde encontraram um refúgio de paz e liberdade de consciência para adorar, o que lhes tinha sido negado na Europa. As principais características dos huguenotes eram: disposição
alegre, resiliência, habilidade artística, individualismo, senso de
independência, amor à liberdade pessoal e política, cortesia, hospitalidade,
senso de humor, alegria e espírito de engenho (capacidade para fazer um plano),
características que alega ter herdado.
Na faculdade, conheceu o marido tendo casado em 1968. Depois de 15 anos, e
com dois filhos, o marido quis regressar a Portugal.
Confessa que foi difícil para mim e
meus filhos adaptar-nos a uma cultura, costumes e hábitos muito diferentes. Mas
com espírito de aventura e desafio, acabámos por nos adaptar e hoje em dia
estamos completamente integrados na sociedade portuguesa.
Recorda que, nos tempos do apartheid, foi discriminada em Portugal pela sua
religião Adventista do Sétimo Dia e pelo facto de ser sul-africana.
Hoje, Laetitia Smit sente-se à vontade e considera Portugal como segunda
pátria.
Entristece-me a
insegurança, corrupção e destruição de cultura bóer, que hoje em dia reina na
África do Sul, mas o essencial dos povos mantém-se. O espírito de pioneiros
bóeres, a simpatia e o empreendimento, não tem cor da pele. Nunca me posso
esquecer das minhas raízes, dos meus valores pessoais e dos meus antepassados.
Sou o que sou, pela educação que tive, pelo espírito de solidariedade em que
cresci, pelos valores cívicos e morais que aprendi e que transmiti aos meus
filhos e tento transmitir aos meus netos também.
Escreveu em inglês, em 2017 o livro Exiled in India /Exilado na Índia (editado em
Portugal) que, segundo refere, foi bem-recebido na África do Sul e se vende em
Inglaterra, pois ainda há interesse sobre o tema.
O livro aborda a Guerra Anglo-bóer, a deportação de um bisavô
na Índia e a presença dos bóeres em Portugal, pese embora neste caso quase
apenas em Caldas da Rainha.
Uma fonte importante de inspiração para o livro foi uma carta que, sua
bisavó Cornelia Smit, escreveu ao marido, Hendrik Adolf Smit, enquanto
prisioneiro de guerra, na Índia, conjuntamente com seu filho Barend, de 14
anos, que veio a ser pai do pai de Laetitia Smit, também chamado Barend.
Quando a carta chegou ao campo de detenção, Hendrik acabara de morrer e as
autoridades britânicas devolveram a carta à família.
Laetitia Smit não perde a esperança que a África do Sul seja o País Arco-íris,
ainda que demore mais algum tempo, onde brancos, negros e asiáticos possam
conviver em harmonia e segurança.
A colonização de facto
da África Portuguesa começou tenuemente no último século da Monarquia e
prosseguiu, de modo que se pode afirmar que a I República iniciou efetivamente
a exploração, que o Estado Novo prosseguiu.
Tal como este, o
governo republicano considerava as colónias como parte integrante de Portugal,
apesar de os africanos não possuírem direitos políticos. Os investimentos nas
colónias sofreram um rápido incremento.
Com o deflagrar da I
Guerra, o governo português teve sérias preocupações com as colónias africanas
objeto da cobiça de grandes potências europeias, como a Alemanha e a Inglaterra,
que por duas vezes tinham negociado, entre si, a sua partilha, como aliás o
Marquês de Soveral se apercebeu e transmitiu a D. Carlos. Receando os efeitos
negativos de ataques alemães aos territórios de Angola e de Moçambique, que
tinham fronteiras com colónias alemãs, o Governo Português organizou expedições
militares.
A que foi comandada
pelo Ten. Cor. Alves Roçadas com destino a Angola, rumou à fronteira sul com a
atual Namíbia, onde os nativos se haviam revoltado. Esta campanha revelou-se
desastrosa e os portugueses, que se envolveram com os alemães em disputas de
fronteiras, sofreram derrotas em Cuangar e Naulila.
Em 1916, tropas
portuguesas reconquistaram a ilha de Quionga, situada na foz do
Rovuma/Moçambique, que em 1894 fora ocupada pelos alemães. Depois desta
operação, o Gen. Ferreira Gil atravessou o Rovuma, continuando o combate no
sentido de reconquistar mais terreno aos alemães. As primeiras tentativas foram
positivas, porque estes haviam abandonado os postos fronteiriços. Todavia
reagiram depois, contra-atacaram e em dezembro reocuparam o terreno e
infligiram pesada derrota aos portugueses, que foram obrigados a retirar. Com
vista a evitar novos ataques e desaires, o governo teve de solicitar auxílio a
britânicos e sul-africanos. Desta expedição fez parte o primeiro Presidente da
Delegação de Alcobaça da Liga dos Combatentes, o Maj. Joaquim José Conceição,
bem como ao que consta o soldado Alberto Campos, provavelmente natural do
Bombarral.
Ao contrário dos camaradas de armas que regressaram a
Portugal, Campos decidiu ficar em Moçambique, radicando-se na zona de Nampula,
na perspetiva de aí desenvolver uma atividade agrícola, como era a sua
profissão em Portugal e tinha sido a dos pais e pais de seus pais. Porem, a
vida não lhe correu de feição e em 1918 emigrou para a África do Sul, fixando-se
na zona do Cabo para trabalhar como vinhateiro. Casado ao fim de algum tempo
com uma rapariga de origem moçambicana, veio a ter o, aliás, único filho
Alberto, que seria o pai de Silvestre Campos que nasceu em 1948, cresceu a
falar um português muito razoável, e a apreciar bacalhau e o bom tinto do
Oeste. Segundo contava, sempre preferiu este, em detrimento do pinotage, em
cuja produção laborou e se tornou expert.
Em 2008, viúvo, sem filhos, possuidor de B.I.
português, com saúde e um pecúlio suficiente, resolveu vir viver para Portugal
que, ao longo da vida, visitara várias vezes e onde tinha interesses.
Silvestre Campos, dado os conhecimentos de afrikaans
(embora mais falado que escrito), ajudou a traduzir algumas passagens do livro
de Ferreira.
Faleceu em novembro de 2018.
Além de
Ferreira, Laetitia Smit, Darius De Klerk, Silvestre Campos, RTP, You Tube, a
imprensa regional e local (Caldas da Rainha, Alcobaça, Tomar, Abrantes) foram
consultadas e utilizadas neste trabalho, pois afigurou-se imprescindível pelo
serviço que presta como guardiã de factos,
tradições, identidades e informações que nenhum meio de âmbito nacional faz tão
profunda, completa e interessantemente.
[1]-Viva os Boers!
Boregeinterneerdes in Portugal tydens die Anglo-Boereoorlong, 1899-1902, foi publicado em Pretória no ano de 1994, com uma tiragem
de 350 exemplares escrito em Africanans, impresso na tipografia de O. J.
Ferreira.
Gazeta das Caldas/Carlos Cipriano.
Laeticia Smit entende que
Ferreira sendo bóer, escreveu o livro em Afrikaans, porque há uma tendência de eliminar a língua da cultura
sul-africana. Afrikaans é falado por todos os brancos e milhares de
negros, por causa do trabalho. Se não saberem falar a língua, é mais
difícil de encontrar trabalho, onde tem a tratar com o público.
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