segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Crimes Contra a Humanidade






CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
(sem esquecer a normalidade democrática
e
especialmente o clima)

FLeming de OLiveira



1)-A expressão “Crimes contra a Humanidade”, foi utilizada, no vocabulário internacional, antes mesmo de receber tratamento jurídico. As primeiras menções a tais crimes fizeram parte da terminologia diplomática, sem que os Estados intentassem estabelecer o que eles poderiam abranger, tanto do ponto de vista filosófico, como humanista ou mesmo jurídico-penal. A expressão “Crimes contra a Humanidade” terá sido utilizada pela primeira vez em 1915, numa declaração em que França, Grã-Bretanha e Rússia condenaram o massacre dos arménios pelos turcos. O século XX assistiu a uma mudança muito importante em relação à perceção da violência massiva praticada pelo Estado em momentos de conflagração armada.

Inicialmente, juristas e políticos debruçaram-se sobre o fenómeno do genocídio dos arménios e depois os extermínios ocorridos durante a II Guerra. O “Crime contra a Humanidade”, foi tipificado, para responder às atrocidades perpetradas pela Alemanha, e pelo Japão, colmatando uma lacuna. Até então, não existia no Direito Internacional, “Crime contra a Humanidade”, enquanto infração penal, nem responsabilidade penal internacional individual.
Em 1946, ocorreu, a primeira menção em instrumento jurídico, os Estatutos do Tribunal Militar Internacional de Nuremberga. A definição jurídica foi-se aperfeiçoando com o desenvolvimento do Direito Internacional Penal, com a instituição pelo Conselho de Segurança dos tribunais “ad hoc” para a antiga Iugoslávia e Ruanda, e pelo estabelecimento do Tribunal Penal Internacional/TPI.
Após a II Guerra, delineou-se uma nova ordem jurídica internacional que incluiu o banimento do uso da força pelos Estados e os Direitos Humanos, como paradigmas fundamentais. A universalização dos Direitos Humanos impulsionou o reconhecimento de certas garantias por parte dos Estados o que progressivamente elevou a proteção da dignidade da pessoa ao patamar internacional. Antes mesmo do processo de internacionalização dos Direitos Humanos, a comunidade internacional, previa a proteção da população civil durante conflitos militares, buscando firmar padrões mínimos de tratamento condigno aos que não participavam nas hostilidades.
O contexto que emergiu com a “Guerra Fria”, sufocou os primeiros esforços. Neste período, ocorreram genocídios e “Crimes contra a Humanidade” em diferentes contextos históricos e que vitimaram milhões de pessoas, mas não foram politica ou juridicamente encarados como tal.
Após a Guerra Fria, numa conjuntura de otimismo, surgiu a figura da “intervenção humanitária” que, no entanto, não conseguiu corresponder aos novos desafios.
Durante muito tempo, a comunidade jurídica relacionou a prática de “Crimes contra a Humanidade”, a situações de conflitos armados e a regimes autoritários, ditaduras. Entretanto, uma nova fronteira começou a ser explorada no Direito Penal Internacional em relação a países que, vivendo uma situação de “normalidade” democrática, revelam situações que por ação ou omissão, atentam contra segmentos da população, o seu “bom” modo de vida. Um país, sem conflitos religiosos, étnicos, de cor ou de raça, sem disputas territoriais ou de fronteiras, sem guerra civil ou enfrentamentos políticos violentos, pode criar mais problemas aos cidadãos do que muitos conflitos armados. Assim ao lado das normas de proteção da pessoa, começou a estudar-se no Direito Internacional Penal o alargard o conceito de “Crimes contra a Humanidade”.
3)-A análise da tipologia de “Crimes contra a Humanidade”, deve começar pela sua delimitação. A titularidade dos bens jurídicos individuais sendo absolutamente pessoal, difere do que acontece com os supra individuais. Nestes, a titularidade, vai além da esfera privada, sem deixar de envolver o indivíduo, como membro indistinto da comunidade. Nos bens jurídicos individuais, a referência à pessoa é direta, enquanto que, nos supra individuais, a referência individual é indireta, seja ela em menor ou maior escala. Os tipos incriminados no Estatuto do TPI, atentam contra bens jurídicos individuais, mas o que confere as tais condutas a repressão e censura, sob “Crimes contra a Humanidade”, decorre do contexto (geral) em que são praticadas. Quando se fala em “Crimes contra a Humanidade”, deve-se ter em conta, que esta (Humanidade) como um todo, tem interesses e valores que tem de ser bem tutelados. Existem autores que apontam como bens jurídicos supra individuais, tutelados pelos “Crimes contra a Humanidade”, apenas a paz e a segurança mundiais.
Na nossa opinião, isso é manifestamente insuficiente, ainda que por agora não se possa ir muito mais adiante no caso ocorrerem dentro de um único Estado, sem lesão direta ou ameaça de lesão, à paz ou à segurança mundiais, propriamente ditas.
4)-A incriminação de condutas sobre o tipo legal de “Crimes contra a Humanidade”, decorre do carater universal dos direitos humanos, que faz com que as suas violações, mereçam enormíssima censura da comunidade internacional, pois o bem jurídico supra individual tutelado, é a dignidade humana, o direito a ter direitos.
É a humanidade nua, ainda que despojada da roupagem jurídica da proteção. O cidadão comum sente a globalização em todas as suas dimensões, no que de melhor e de pior lhe pode trazer e ao Mundo, em especial no que respeita à difusão e domínio das ameaças e riscos transnacionais, como o terrorismo, as pandemias, os estados frágeis, as guerras civis, as disputas por recursos naturais, as mudanças climáticas ou a cibercriminalidade. As ameaças globais estão hoje mais próximas do cidadão, pois são menos territoriais, mais desmilitarizadas e inclusivamente mais difíceis de identificar e de caracterizar. As ameaças globais, impõem uma efetiva cooperação entre as potências e as organizações internacionais, na luta contra ameaças transnacionais como o terrorismo, o crime organizado, a pirataria ou as alterações climáticas. Essa cooperação terá, como pressupostos da credibilidade, a eficiência, a eficácia e a equidade, e em consideração com aspetos determinantes como os limites da autodefesa, o equilíbrio entre soberania e responsabilidade, a legalidade e
legitimidade do uso da força, o respeito pelos direitos do homem e a própria sobrevivência da humanidade. O cidadão global intui que o Estado estará cada vez menos capacitado para o proteger adequadamente contra as ameaças e riscos, sejam elas económicas, físicas, ambientais, de saúde ou militares, que ultrapassam facilmente as suas fronteiras. Existe um sentimento de insegurança generalizado que se agrava com a ideia que a comunidade internacional, não tem em breve capacidade para assegurar a Paz, a Prosperidade e o Bem-Estar dos mais de sete biliões que habitam o planeta.
O Mundo encontra-se em mudança, materializada pelos casos da evolução demográfica, da globalização, dos recursos limitados, das mudanças climáticas e do uso de novas tecnologias. Como qualquer mudança, assiste-se a uma grande instabilidade, materializada por crises económicas e financeiras, crises de valores, crises de recursos, crises ambientais. Mesmo considerando a crescente subordinação da política e da estratégia à economia, acreditamos que a natureza continuará a ditar a estrutura da política mundial. E “Crimes contra a Humanidade” serão reavaliados numa “normalidade” democrática.




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