CRIMES CONTRA A
HUMANIDADE
(sem esquecer a
normalidade democrática
e
especialmente o clima)
FLeming de OLiveira
1)-A
expressão “Crimes contra a Humanidade”,
foi utilizada, no vocabulário internacional, antes mesmo de receber tratamento
jurídico. As primeiras menções a tais crimes fizeram parte da terminologia diplomática,
sem que os Estados intentassem estabelecer o que eles poderiam abranger, tanto
do ponto de vista filosófico, como humanista ou mesmo jurídico-penal. A
expressão “Crimes contra a Humanidade”
terá sido utilizada pela primeira vez em 1915, numa declaração em que França,
Grã-Bretanha e Rússia condenaram o massacre dos arménios pelos turcos. O século XX assistiu a uma mudança muito
importante em relação à perceção da violência massiva praticada pelo Estado em
momentos de conflagração armada.
Inicialmente, juristas e políticos debruçaram-se sobre o fenómeno do
genocídio dos arménios e depois os extermínios ocorridos durante a II Guerra. O “Crime contra a Humanidade”, foi tipificado,
para responder às atrocidades perpetradas pela Alemanha, e pelo Japão,
colmatando uma lacuna. Até então, não existia no Direito Internacional, “Crime contra a Humanidade”, enquanto
infração penal, nem responsabilidade penal internacional individual.
Em 1946, ocorreu, a primeira
menção em instrumento jurídico, os Estatutos do Tribunal Militar Internacional
de Nuremberga. A definição jurídica foi-se aperfeiçoando com o desenvolvimento
do Direito Internacional Penal, com a instituição pelo Conselho de Segurança
dos tribunais “ad hoc” para a antiga Iugoslávia e Ruanda, e pelo
estabelecimento do Tribunal Penal Internacional/TPI.
Após a II Guerra, delineou-se uma nova ordem jurídica internacional que
incluiu o banimento do uso da força pelos Estados e os Direitos Humanos, como
paradigmas fundamentais. A
universalização dos Direitos Humanos impulsionou o reconhecimento de certas
garantias por parte dos Estados o que progressivamente elevou a proteção da
dignidade da pessoa ao patamar internacional. Antes mesmo do processo de
internacionalização dos Direitos Humanos, a comunidade internacional, previa a
proteção da população civil durante conflitos militares, buscando firmar
padrões mínimos de tratamento condigno aos que não participavam nas
hostilidades.
O contexto que emergiu com a “Guerra
Fria”, sufocou os primeiros esforços. Neste período, ocorreram genocídios e
“Crimes contra a Humanidade” em
diferentes contextos históricos e que vitimaram milhões de pessoas, mas não
foram politica ou juridicamente encarados como tal.
Após a Guerra Fria, numa conjuntura de otimismo,
surgiu a figura da “intervenção
humanitária” que, no entanto, não conseguiu corresponder aos novos desafios.
Durante
muito tempo, a comunidade jurídica relacionou a prática de “Crimes contra a Humanidade”, a situações
de conflitos armados e a regimes autoritários, ditaduras. Entretanto, uma nova
fronteira começou a ser explorada no Direito Penal Internacional em relação a países
que, vivendo uma situação de “normalidade”
democrática, revelam situações que por ação ou omissão, atentam contra segmentos
da população, o seu “bom” modo de
vida. Um país, sem conflitos religiosos, étnicos, de cor ou de raça, sem
disputas territoriais ou de fronteiras, sem guerra civil ou enfrentamentos
políticos violentos, pode criar mais problemas aos cidadãos do que muitos
conflitos armados. Assim ao lado das normas de proteção da
pessoa, começou a estudar-se no Direito Internacional Penal o alargard o
conceito de “Crimes contra a Humanidade”.
3)-A análise da
tipologia de “Crimes contra a Humanidade”,
deve começar pela sua delimitação. A titularidade dos bens jurídicos
individuais sendo absolutamente pessoal, difere do que acontece com os supra
individuais. Nestes, a titularidade, vai além da esfera privada, sem deixar de
envolver o indivíduo, como membro indistinto da comunidade. Nos bens jurídicos individuais,
a referência à pessoa é direta, enquanto que, nos supra individuais, a
referência individual é indireta, seja ela em menor ou maior escala. Os tipos incriminados
no Estatuto do TPI, atentam contra bens jurídicos individuais, mas o que
confere as tais condutas a repressão e censura, sob “Crimes contra a Humanidade”, decorre do contexto (geral) em que são
praticadas. Quando se fala em “Crimes
contra a Humanidade”, deve-se ter em conta, que esta (Humanidade) como um
todo, tem interesses e valores que tem de ser bem tutelados. Existem autores
que apontam como bens jurídicos supra individuais, tutelados pelos “Crimes contra a Humanidade”, apenas a
paz e a segurança mundiais.
Na nossa opinião, isso
é manifestamente insuficiente, ainda que por agora não se possa ir muito mais
adiante no caso ocorrerem dentro de um único Estado, sem lesão direta ou ameaça
de lesão, à paz ou à segurança mundiais, propriamente ditas.
4)-A incriminação de condutas
sobre o tipo legal de “Crimes contra a Humanidade”,
decorre do carater universal dos direitos humanos, que faz com que as suas
violações, mereçam enormíssima censura da comunidade internacional, pois o bem
jurídico supra individual tutelado, é a dignidade humana, o direito a ter
direitos.
É a humanidade nua, ainda
que despojada da roupagem jurídica da proteção. O cidadão comum sente a globalização
em todas as suas dimensões, no que de melhor e de pior lhe pode trazer e ao
Mundo, em especial no que respeita à difusão e domínio das ameaças e riscos
transnacionais, como o terrorismo, as pandemias, os estados frágeis, as guerras
civis, as disputas por recursos naturais, as mudanças climáticas ou a
cibercriminalidade. As ameaças globais estão hoje mais próximas do cidadão,
pois são menos territoriais, mais desmilitarizadas e inclusivamente mais
difíceis de identificar e de caracterizar. As ameaças globais, impõem uma
efetiva cooperação entre as potências e as organizações internacionais, na luta
contra ameaças transnacionais como o terrorismo, o crime organizado, a
pirataria ou as alterações climáticas. Essa cooperação terá, como pressupostos
da credibilidade, a eficiência, a eficácia e a equidade, e em consideração com aspetos
determinantes como os limites da autodefesa, o equilíbrio entre soberania e
responsabilidade, a legalidade e
legitimidade do uso da força, o respeito pelos
direitos do homem e a própria sobrevivência da humanidade. O cidadão global
intui que o Estado estará cada vez menos capacitado para o proteger adequadamente
contra as ameaças e riscos, sejam elas económicas, físicas, ambientais, de
saúde ou militares, que ultrapassam facilmente as suas fronteiras. Existe um
sentimento de insegurança generalizado que se agrava com a ideia que a
comunidade internacional, não tem em breve capacidade para assegurar a Paz, a Prosperidade
e o Bem-Estar dos mais de sete biliões que
habitam o planeta.
O Mundo encontra-se em
mudança, materializada pelos casos da evolução demográfica, da globalização,
dos recursos limitados, das mudanças climáticas e do uso de novas tecnologias.
Como qualquer mudança, assiste-se a uma grande instabilidade, materializada por
crises económicas e financeiras, crises de valores, crises de recursos, crises
ambientais. Mesmo considerando a crescente subordinação da política e da
estratégia à economia, acreditamos que a natureza continuará a ditar a
estrutura da política mundial. E “Crimes
contra a Humanidade” serão reavaliados numa “normalidade” democrática.
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