NO TEMPO DOS BÓERES EM PORTUGAL
CALDAS DA RAINHA, ALCOBAÇA, TOMAR, PENICHE, ABRANTES E S. JULIÃO da BARRA.
(9)
-FORTE DE S. JULIÃO DA BARRA-
Construído em local que domina a entrada
da Barra de Lisboa, S. Julião foi uma importante construção militar. Vejam-se
fotos aqui juntas.
Embora não seja possível precisar a época
em que se iniciaram as obras, as opiniões dividem-se entre 1553 e 1556, sendo a
traça atribuída a Miguel de Arruda. Na construção estiveram envolvidos os mais
conhecidos militares e engenheiros ao serviço País, como Leonardo Turriano ou o
Capitão Fratino.
Partindo de um núcleo de reduzidas
dimensões, a fortificação foi-se modificando, ampliada e adaptada a novas
exigências.
Como outras fortificações, S. Julião da
Barra serviu de prisão militar e política.
Os internados no Forte de S. Julião da
Barra, não deixaram marcas da passagem como em Alcobaça ou Caldas da Rainha,
mas reconhecidos pela forma como foram assistidos, fizeram um agradecimento,
que divulgaram pela imprensa:
Às
senhoras e cavalheiros desta fortaleza, assim como os de Lisboa e seus
arredores, nós, Bóeres aqui refugiados, tomamos a liberdade de expressar os
nossos sentimentos de gratidão - embora não nós conheçamos - pela simpatia que
nos tem manifestado, não só em palavras, mas também em ações, o que é, para
quem vive como nós, com o coração cheio de penas, uma grande ajuda e um grande
lenitivo. No antepenúltimo domingo, tivemos o prazer de receber 9 cavalheiros
ingleses, com quem passamos uma hora que nos pareceu um quarto de hora apenas,
de tal modo a nossa mútua conversação foi aprazível. Na terça-feira seguinte
fizeram-nos a surpresa de nos mandar livros ingleses, jornais e tabaco. Ontem,
vieram novamente cavalheiros da mesma nacionalidade, que depois de algum tempo
de conversa nos ofereceram também tabaco, e nos prometeram mais livros para
hoje.
Aqui
deixamos, pois, todos unidos, os nossos votos de reconhecimento por tanta
bondade.
Este reconhecimento é interessante, tendo
em conta a animosidade que, em geral, os bóeres revelavam face aos Britânicos
que os derrotaram e exilaram.
Após a chegada a Lisboa, nove adultos e o
totalmente inocente J. E. Smit, de 14 anos,[2]foram conduzidos de
pronto por soldados portugueses ao Forte de S. Julião. Estes refugiados não
vieram conjuntamente com os demais, mas num outro vapor. O
Governo Português, por indicação dos britânicos, havia-os considerado perigosos
agitadores em Moçambique, onde tinham estado presos, pelo que não devem ser
internados conjuntamente com os outros. Chegou mesmo a correr em Lourenço
Marques uma petição com 250 assinaturas, para estes não serem enviados para
Portugal.
Durante 3 dias ficaram em isolamento na
Torre do Forte, e depois só lhes foi permitido vaguear no interior, tendo como
limite as 20h.
Em Oeiras, o verão é morno,
seco e de céu quase sem nuvens, o inverno é ameno, com precipitação e de céu
parcialmente encoberto. Durante o ano inteiro, o tempo é de ventos fortes. Ao
longo do ano, em geral a temperatura varia de 10 °C a 27 °C e raramente
é inferior a 6 °C ou
superior a 33 °C.
Segundo W. J. Geerling, os dez internados
no Forte de São Julião da Barra não foram tratados, propriamente, como presos
malfeitores e até receberam uma mesada mensal pelo que não estavam totalmente
insatisfeitos com o tratamento. É certo que a sua condição, nomeadamente por
força da limitação de movimentos, era pior que os demais internados noutros
locais, e por isso suspiravam atrás das altas muralhas do Forte o rápido
regresso à Pátria.
Ferreira regista que o comandante do
Forte (Cor. Artª. Gonçalves Brandão),
pessoa de grande humanidade, mas sem poder, descobriu rapidamente que os
detidos eram pessoas amigáveis, confiáveis e não perigosos criminosos no
verdadeiro sentido da palavra. Enquanto isso, ganharam a sua confiança e até
foi permitido que visitassem Oeiras e Caxias.
Gonçalves Brandão facultou a dois
internados espingardas e cartuchos para mostrarem e ensinarem aos seus soldados
como uma arma de fogo é manipulada de forma eficaz. Os experientes bóeres não
dececionaram o comandante.[3]
P. Mareck, que foi castigado e transferido
de Peniche, alegava encontrar-se no Forte de S. Julião sem acusação, mas na
verdade ele e outro estiveram envolvidos numa briga violenta, quando numa noite
se encontravam embriagados nos Pavilhões do Parque, em Caldas da Rainha.
Não é possível apurar o número de detidos
que por um período mais curto ou mais longo,
passaram pelo Forte de S. Julião da Barra.
Quando o Pastor Stofberg fez aí uma visita
pastoral, referiu no relatório ter encontrado entre os 13 indivíduos, alguns
rufias e que
a condição dos detidos não é agradável pelo que suspiram atrás das grandes
paredes do Forte, resumindo, deste modo, a situação e o seu estado de espírito.
Conforme lista dos Arquivos do Transval,
havia no Forte de S. Julião, em 7 de abril de 1902, 24 detidos. Esta
discrepância numérica é admissível, visto que os números variavam em função dos
presos, antes e depois libertados.
Quando membros da Comissão de Deportados
visitaram a prisão, em 30 de junho de 1901, sugeriram que estes fizessem uma
petição ao Ministro da Guerra solicitando a transferência para outro local.
Gonçalves Brandão apoiou a ideia, mas veio a recusar o seu encaminhamento,
porque alegadamente a fórmula e o texto eram muito incorretos.
No início de 1902, o Ministro da Guerra
considerou a possibilidade de os transferir para Elvas, mas isso nunca se
concretizou. Os detidos eram da opinião de que não era culpa das autoridades
portuguesas que eles tivessem ido para esta prisão, outrossim do Gen. Pienaar e
Cmd. Mostert.
Este último rejeitou responsabilidades e
alegou não saber exatamente por que foram presos.
Os presos enviaram uma missiva à
secretária do Christian National Farmers Committee/Holanda sob o título Desprotegidos, que veio a ser publicada
no Handelsblad, de 1 de fevereiro de 1902, em que se descreviam as condições de
internamento. A missiva incomodou, porque o título gerou a impressão de que
nada estava a ser feito em proveito dos Bóeres. Em breve um outro jornal holandês,
noticiou que se encontravam em gaiolas de ferro e foram transportados de
Moçambique acorrentados para Portugal.
Os detidos escreveram ao Gen. P. Pienaar
para apresentar o seu caso ao Ministro da Guerra. Piennar pediu-lhes para
redigirem uma petição a este, mas eles não o fizeram pois, entretanto, foram de
opinião de que as autoridades portuguesas não ouviam mais Pienaar, que não
tinham em conta. Os presos ainda disseram a Pienaar que havia provas sobejas de
que ele fora responsável pelo seu encarceramento ainda em Moçambique, pela má
fama que lhes foi injustamente imputada e que os portugueses também o
reconheceram.
Geral. Pienaar respondeu que as
autoridades portuguesas o informaram que os presos do Forte de São Julião da
Barra eram tratados como os demais e que ele não precisava se preocupar com a
situação.
À imputação que era responsável por seu
encarceramento, respondeu que era tão irrisória, que não se sentiu chamado a
responder, mas que se fosse responsável por isso, teria boas razões…
A falta de confiabilidade levou que os
presos decidissem terminar relações com ele. Até aqui Pienaar teve um
comportamento eventualmente equívoco.
O Forte, dispunha de cozinha que
preparava as refeições tendo em conta o paladar dos internados, mas que não raras vezes motivou
reclamações.
Os doentes eram enviados para o Hospital Militar, e no
que diz respeito a comida e bebida, tiveram uma excelente vida e muita
liberdade, pelo que alguns tentaram ficar lá mais tempo que o necessário ou
como pretexto para ensaiar uma fuga. O exemplo de Spadoni ao fugir durante o
tratamento foi seguido por outros dois depositados.[4]
No Forte de São Julião da Barra morreram dois
internados, que vieram a ser sepultados no cemitério de Oeiras em vala comum,
pois não podiam ser inumados na parte reservada aos católicos, sendo um John
Andrew Odman, sueco de 47 anos, que cometeu suicídio às 4h00 de 16 de junho de
1902. O outro faleceu devido a doença que rapidamente o vitimou.
Em 3 de novembro de 1901, um internado intentou
escapar da fortaleza utilizando uma corda velha para um salto de 12 metros, que
a correr mal poderia ser-lhe fatal. Logo que chegou ao exterior foi capturado
sem oferecer resistência. Os companheiros aproveitaram para organizaram uma
manifestação para se oporem ao facto de terem menos liberdade que os demais
noutros lugares de depósito em Portugal. Outras tentativas ocorreram, embora
sem resultado, não obstante haver falta de guardas.
De acordo com o Pastor Stofberg não havia grupo que desejasse mais a liberdade, quisesse regressar à África
do Sul e prosseguir o combate contra os usurpadores, do que os homens de Oeiras.
Um combatente
pela liberdade, quando entra numa prisão, a primeira coisa a pensar deve ser:
como ou quando é que eu vou sair daqui?
Durante um jantar em Caldas da Rainha, no final de
março de 1902, foi anunciado que as negociações de paz decorriam em bom
andamento.
Em 2 de junho de 1902, a notícia da paz,
chegou a Caldas da Rainha e aos demais locais de detenção e foi recebida com
emoção contida. Como a maioria aspirava o regresso à Terra, mais que tudo no
caso de Oeiras, aguardaram o repatriamento com sentimentos que combinavam a
saudade ansiosa e o receio de represálias britânicas. Havia felicidade porque a miséria, o
derramamento de sangue e o exílio acabaram, mas também tristeza porque
retornariam a um país que não era mais independente. Contudo as autoridades
portuguesas não deixaram os refugiados entregues à sua sorte e de acordo com as
disposições da Convenção de Haia, auxiliaram-nos psicológica e materialmente,
dentro do possível.
Para regressarem com proteção, tinham de prestar prévio
juramento à Coroa, o que os incomodava muito e desejavam recusar, se pudessem. Os que não estivessem dispostos a fazê-lo, seriam
entregues ao seu destino em Portugal e a expensas próprias, e se quisessem
regressar não poderiam reivindicar a cidadania britânica.
O Gen. Louis Botha enviou Gen. Pienaar o telegrama: A paz assinada. Informe os refugiados que eu
os aconselho a aceitar os termos que foram acordados. Assim que for feito isso,
podem regressar ao Transval.
A maioria dos internados desejava recusar o juramento
de fidelidade, mas em Portugal assim não podiam ficar, pelo que foram obrigados
a prestar um juramento amargo a Errol Mac-Donnell.[5]
Houve problemas com bóeres holandeses,
que não puderam retornar à África do Sul e tiveram de comparecer perante o
cônsul geral holandês em Lisboa. Os problemas surgiram porque, de acordo com a
lei holandesa, já haviam perdido a nacionalidade pela Bóer.
Os detidos no Forte de São Julião da
Barra, feitas as contas, ficaram muito reconfortados quando foram repatriados
com os demais a bordo do Bavarian/Baviera. Os bóeres de Peniche, foram
transportados para Lisboa em dois vapores.
Sem comentários:
Enviar um comentário