NO TEMPO DOS BÓERES EM PORTUGAL
CALDAS DA RAINHA, ALCOBAÇA, TOMAR, PENICHE, ABRANTES E S. JULIÃO da BARRA.
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-ABRANTES-
O Convento da Esperança
foi fundado em 1548, junto à Ermida da Senhora da Ribeira, por Dª. Brites de
Jesus.
Em 1572 passou à obediência franciscana,
e em 1576, dado o clima insalubre, a comunidade transferiu-se para o interior
de Abrantes, ocupando a Ermida de Santa Ana e várias casas anexas.
As obras do novo convento, foram
iniciadas com o produto da venda da primitiva sede, mas em breve estavam
interrompidas. No ano de 1809, as freiras Claristas da Esperança, abandonaram o
convento, cuja existência ficara muito comprometida pelo traçado das obras de
fortificação da vila, sendo transferidas para o Mosteiro de Via Longa.
Com a extinção das Ordens Religiosas, em
1835 a igreja e o coro baixo foram cedidos à Câmara Municipal para instalar o
Teatro Tabuciano, conhecido mais tarde como Teatro Taborda.
O culto ao Senhor dos Passos tem fortes
tradições no concelho de Abrantes. A Procissão dos Passos era, das procissões
centenárias, a que, logo a seguir à do Corpus Christi, envolvia o maior número
de pessoas, atraídas pela dramatização da caminhada de Cristo transportando a
cruz aos ombros desde o pretório de Pilatos até ao Monte Calvário. O cortejo nos princípios do século XX, obedecia
a uma organização rígida e pré-definida, baseada num protocolo de precedências,
onde o lugar 0de destaque cabia às elites locais, que viam nestas celebrações
uma oportunidade de ostentação pública do seu poder. Os homens de capa
preta, que transportavam os estandartes, o pálio e os andores eram
mesários e irmãos da Misericórdia, a quem cabia a responsabilidade de organizar
as Procissões dos Passos e do Enterro do Senhor. Mais recentemente, na falta
dos primeiros, recorre-se aos paroquianos que estejam disponíveis.
Na
Procissão dos Passos de 1900, o Reitor da Confraria Solano de Abreu, proibiu
a participação de mulheres e das crianças, alegadamente para dar seriedade às
cerimónias. Estas
podiam assistir à procissão de terço na mão e acotovelavam-se na rua para a ver
passar. A banda de música marcava o ritmo e a passada. A
decisão foi noticiada por O Abrantes, que aplaudiu e aproveitou para acusar o
líder do Partido Progressista de ter sido maçon.
Em Abrantes, os Bóeres
foram alojados no Convento da Esperança, na parte ocupada por instalações
militares. As autoridades reorganizaram uma parte do edifício, e colocaram-lhe
alguns poucos móveis. O local era exíguo e impróprio, como denunciava a
imprensa local. Em vez de os transferir
para Alcobaça, como chegou a ser admitido, as autoridades locais entenderam proporcionar-lhes
algumas melhorias, que aliás não foram muitas.
O Abrantes dirigiu ao Ministro da Guerra
uma Carta Aberta:
De
novo, e depois de havermos aduzido motivos mais que bastantes para que as
nossas reclamações fossem imediatamente atendidas pelos poderes superiores.
Consoante
os preceitos da boa moral e da hospitalidade que todos nós, sem distinção de
posições sociais ou de crenças políticas, devemos a proscritos de uma nação
amiga, cujos filhos se mostraram dignos dos aplausos do mundo inteiro, vimos
perante o Ministro da Guerra Sr. Conselheiro Pimentel Pinto insistir nas
reclamações feitas sobre o alojamento dos bóeres em Abrantes. Urge que Sua Ex.ª
providencie sem demora, se não quer ligar o seu nome, aliás esclarecido e
respeitado, a um acto desumano e contrário aos mais rudimentares deveres de
altruísmo. Abstemo-nos de enumerar uma vez mais ao Sr. Ministro da Guerra as
péssimas condições desse alojamento. As restritas dimensões de uns cubículos malcuidados,
onde nada menos de 12 pessoas de ambos os sexos, mal pode movimentar-se e viver
com comodidade a mais comezinha.
Acresce
a circunstância, digna de toda a ponderação que a promiscuidade de sexos ali
existente repugna à consciência humana constitui um acto imoral a que urge pôr
cobro, dando, sem delonga, aos bóeres, alojamentos apropriados. Para suprir a
todas estas faltas, bastaria que se ordenasse a cedência de todo o edifício da
Esperança.
Ainda
que isolados nesta tribuna que se chama a imprensa, sem uma voz sequer que nos
secunde a iniciativa tomada, nós prosseguiremos no caminho encetado, e, em nome
da Justiça e da Razão, o brado da nossa alma perante o sr. Ministro da guerra,
até ao dia em que sejam atendidas reclamações tao justas como humanitárias será
este sempre:
Providências!
Providências!
Antes da chegada dos
Bóeres, moradores abrantinos criaram um comité, que cuidou de expressar aos
lojistas que eram bem-vindos e amigos de Portugal, e no domingo, 31 de março de
1901, organizaram uma manifestação em sua honra. O povo de Abrantes, consciente
de seus deveres cívicos e conhecido por sua liberdade e justiça, sentiu a
necessidade de apoiar a luta dos bóeres pela independência de sua pátria. Uma
pequena multidão, composta por todas as camadas da população, dirigiu-se ao
local onde se encontravam alojados, tendo o Dr. Ramiro Guedes lido uma mensagem
de boas-vindas, escrita em francês, a que Cmdt. Mostert respondeu, pedindo aos
abrantinos que não manifestassem muito em público o seu apoio.
Os
portugueses ficaram impressionados com este pedido e mais se convenceram que os refugiados
cumpriram o dever de bravos heróis da África do Sul na sua luta contra os
Britânicos. O ódio aos ingleses aumenta na proporção do crescimento da
guerra, na teima cruel em querer dominar pela força bruta os povos pequenos que
vivem no regímen civilizado da sua independência. Apesar dos bóeres se
lastimarem por lutar com o colosso britânico não recuam de energia, matando o
maior número de ingleses que encontram. Se encararmos por um lado, a
superioridade do poderio inglês sobre os fracos recursos dos bóeres, estes
alguns elementos têm, ainda que não para ficarem vitoriosos, pelo menos
nutrem-se da esperança na demora da guerra. Os cavalos dos bóeres são oriundos
do Transval e aguentam as grandes marchas pelos caminhos escarpados e
montanhosos sem o risco de morreram, escapando os cavaleiros melhor, à morte;
enquanto que os cavalos ingleses são naturais da Europa e do Canadá, tendo por
isso estes animais menos destreza e velocidade nas marchas e resistem pouco ao
clima africano. Nas espingardas dá-se outra vantagem, pois que, podem utilizar
os cartuchos das armas inglesas, fazendo uso delas quando fazem aprisionamentos
do inimigo que lhes reforça assim a sua defesa.[1]
Na falta de condições para um
adequado fornecimento de alimentação (impossível no/do Convento da Esperança),
foi decidido contratar uma pensão que o providenciasse e o Novo Hotel Central
passou a servi-las durante algum tempo.[2] O hotel, propriedade de Manuel Montes,
reclamava-se ter boas instalações,
limpeza, excelente serviço de mesa e preços razoáveis, e situava-se na Rua dos
Paços do Concelho, próximo da Praça.
A partir de 22 de abril
de 1901, os estrangeiros ficaram responsáveis pela sua alimentação e as
portuguesas que vendiam verduras e frutas na praça, viram uma excelente
oportunidade de ganhar dinheiro extra e cobraram preços excessivos pelo que a
polícia e o município foram solicitados a agir de modo a parar com a exploração,
como não esquece Ferreira.
Em
Abrantes, o verão é quente, seco e de céu quase sem nuvens, o inverno é fresco,
com precipitação e de céu parcialmente encoberto. Ao longo do ano, em geral a
temperatura varia de 5
°C a 33 °C e raramente
é inferior a 0 °C ou
superior a 40 °C.
Inicialmente, o estado
de saúde dos refugiados era em geral bom, embora dois ou três tivessem trazido de
Moçambique doenças graves.
Para estes, o médico
militar local recomendou que fossem solicitadas à Cruz Vermelha Holandesa as
necessidades medicamentosas, o que veio a acontecer, embora com atraso.[3] Assim foi evitado enviá-los para Lisboa.
A Farmácia Neto, vendia
rebuçados peitorais balsâmicos, sendo as Pilulas Mata Sezões, muito
publicitadas.
Se
quereis ficar imediatamente sem febres ou sezões, tomai as pílulas Mata Sezões
que se vendem em caixas de 6 pilulas-240 réis, e de 12 pilulas-400 réis.
Remetem-se grátis pelo correio.
Dentro
de cada caixa há um papel que explica a forma de se tomarem.
Além
deste grande benefício abrem muito apetite à comida.
Dão-se
10:000 réis á pessoa que prove que estas pílulas não fazem efeito.
Vendem-se
em Abrantes na loja do Exmo. Sr. António Augusto Salgueiro.
Depósito
geral para todas as reclamações- Drogaria Martins-Santarém.
As
sezões eram um flagelo em localidades, como Caldas da Rainha, aonde se
anunciava Água contra as sezões, vende-se
no Hospital das Caldas preparada pelo farmacêutico Lopes, em garrafas de litro,
por 300 reis, com tarja onde se aplicará o modo de fazer o competente uso do
medicamento.
S.
Baco, o Mártir, era considerado o advogado contra as sezões. Por isso mesmo, alguns
curandeiros na falta ou como complemento de outros expedientes, enviavam os
pacientes ao Convento de Jenicó, em Benavente (zona de cultura extensiva de
arroz), para pedir intervenção do santo, cuja imagem ali se encontra e tem as
costas muito gastas, devido às raspagens provocadas pelas pessoas. O pó assim
obtido, pó de santo, era misturado com água que, supostamente, curava essas
maleitas febris.
Não consta que os exilados tivessem tido
necessidade de utilizar o Hospital da Misericórdia de Abrantes, que no mês de julho de
1901 dava conta do seguinte movimento:
-A 30 de junho encontravam-se internados 10
homens e 5 mulheres;
-Durante o mês de julho deram entrada 12
homens e 20 mulheres;
-Saíram curados 19 homens e 12 mulheres;
-Faleceram 2 homens e 2 mulheres;
-Em 31 de julho encontravam-se internados 11
homens e 9 mulheres.[4]
Porque não havia escola,
Mostert enviou o filho Hendrik, de doze anos, para Tomar, para estudar
conjuntamente os filhos de Gen. Pienaar, embora fosse considerada sofrível.
Durante as férias
escolares, em setembro de 1901, Mostert entendeu que o progresso escolar do
rapaz não era o desejável, pelo que pediu às autoridades portuguesas para o
deixarem estudar em Caldas da Rainha, o que foi deferido.
Como em Caldas,
Alcobaça ou Peniche, os exilados de Abrantes tinham alguma liberdade de
movimentos, que gostavam de usar para matar o tédio, passeando pela vila,
frequentando tabernas, lojas, fazendo passeios (sem esquecer o uso de burros) e
piqueniques ou tirando fotografias.
O rio era, de início,
motivo de interesse também para fotografar. Numa dessas digressões, um
fazendeiro aproveitou para indagar junto de João da Silva Oleiro, como eram os
tanques de ferro para azeite que anunciava para vender.
A 12 de maio de 1901,
houve um concerto musical em homenagem a Mostert.
O programa incluiu piano,
o Hino do Transval e peças de natureza popular e tradicional, acompanhadas pelos
assistentes.
Na sua intervenção, Mostert enfatizou quão benéfico eram estas
iniciativas, que consolidavam a coesão entre todos.
Depois de repatriado,
Mostert tornou-se leiloeiro e comerciante de gado em Joanesburgo.
Segundo Ferreira, Mostert
entre os seus concidadãos era tido por confiável, rigoroso e exigente, mas
também alguém que teve compreensão pelos pontos de vista dos outros e no campo
de batalha sempre se esforçou para ter matado o mínimo possível de gente. Não
admira, portanto, que merecesse grande respeito.
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