terça-feira, 21 de janeiro de 2020

NO TEMPO DOS BÓERES EM PORTUGAL CALDAS DA RAINHA, ALCOBAÇA, TOMAR, PENICHE, ABRANTES E S. JULIÃO da BARRA.

NO TEMPO DOS BÓERES EM PORTUGAL
CALDAS DA RAINHA, ALCOBAÇA, TOMAR, PENICHE, ABRANTES E S. JULIÃO da BARRA.
(8)


-ABRANTES-




O Convento da Esperança foi fundado em 1548, junto à Ermida da Senhora da Ribeira, por Dª. Brites de Jesus.
Em 1572 passou à obediência franciscana, e em 1576, dado o clima insalubre, a comunidade transferiu-se para o interior de Abrantes, ocupando a Ermida de Santa Ana e várias casas anexas.
As obras do novo convento, foram iniciadas com o produto da venda da primitiva sede, mas em breve estavam interrompidas. No ano de 1809, as freiras Claristas da Esperança, abandonaram o convento, cuja existência ficara muito comprometida pelo traçado das obras de fortificação da vila, sendo transferidas para o Mosteiro de Via Longa.
Com a extinção das Ordens Religiosas, em 1835 a igreja e o coro baixo foram cedidos à Câmara Municipal para instalar o Teatro Tabuciano, conhecido mais tarde como Teatro Taborda.

O culto ao Senhor dos Passos tem fortes tradições no concelho de Abrantes. A Procissão dos Passos era, das procissões centenárias, a que, logo a seguir à do Corpus Christi, envolvia o maior número de pessoas, atraídas pela dramatização da caminhada de Cristo transportando a cruz aos ombros desde o pretório de Pilatos até ao Monte Calvário. O cortejo nos princípios do século XX, obedecia a uma organização rígida e pré-definida, baseada num protocolo de precedências, onde o lugar 0de destaque cabia às elites locais, que viam nestas celebrações uma oportunidade de ostentação pública do seu poder. Os homens de capa preta, que transportavam os estandartes, o pálio e os andores eram mesários e irmãos da Misericórdia, a quem cabia a responsabilidade de organizar as Procissões dos Passos e do Enterro do Senhor. Mais recentemente, na falta dos primeiros, recorre-se aos paroquianos que estejam disponíveis.
Na Procissão dos Passos de 1900, o Reitor da Confraria Solano de Abreu, proibiu a participação de mulheres e das crianças, alegadamente para dar seriedade às cerimónias. Estas podiam assistir à procissão de terço na mão e acotovelavam-se na rua para a ver passar. A banda de música marcava o ritmo e a passada. A decisão foi noticiada por O Abrantes, que aplaudiu e aproveitou para acusar o líder do Partido Progressista de ter sido maçon.

Em Abrantes, os Bóeres foram alojados no Convento da Esperança, na parte ocupada por instalações militares. As autoridades reorganizaram uma parte do edifício, e colocaram-lhe alguns poucos móveis. O local era exíguo e impróprio, como denunciava a imprensa local. Em vez de os transferir para Alcobaça, como chegou a ser admitido, as autoridades locais entenderam proporcionar-lhes algumas melhorias, que aliás não foram muitas.
O Abrantes dirigiu ao Ministro da Guerra uma Carta Aberta:
De novo, e depois de havermos aduzido motivos mais que bastantes para que as nossas reclamações fossem imediatamente atendidas pelos poderes superiores.
Consoante os preceitos da boa moral e da hospitalidade que todos nós, sem distinção de posições sociais ou de crenças políticas, devemos a proscritos de uma nação amiga, cujos filhos se mostraram dignos dos aplausos do mundo inteiro, vimos perante o Ministro da Guerra Sr. Conselheiro Pimentel Pinto insistir nas reclamações feitas sobre o alojamento dos bóeres em Abrantes. Urge que Sua Ex.ª providencie sem demora, se não quer ligar o seu nome, aliás esclarecido e respeitado, a um acto desumano e contrário aos mais rudimentares deveres de altruísmo. Abstemo-nos de enumerar uma vez mais ao Sr. Ministro da Guerra as péssimas condições desse alojamento. As restritas dimensões de uns cubículos malcuidados, onde nada menos de 12 pessoas de ambos os sexos, mal pode movimentar-se e viver com comodidade a mais comezinha.
Acresce a circunstância, digna de toda a ponderação que a promiscuidade de sexos ali existente repugna à consciência humana constitui um acto imoral a que urge pôr cobro, dando, sem delonga, aos bóeres, alojamentos apropriados. Para suprir a todas estas faltas, bastaria que se ordenasse a cedência de todo o edifício da Esperança.
Ainda que isolados nesta tribuna que se chama a imprensa, sem uma voz sequer que nos secunde a iniciativa tomada, nós prosseguiremos no caminho encetado, e, em nome da Justiça e da Razão, o brado da nossa alma perante o sr. Ministro da guerra, até ao dia em que sejam atendidas reclamações tao justas como humanitárias será este sempre:
Providências! Providências!

Antes da chegada dos Bóeres, moradores abrantinos criaram um comité, que cuidou de expressar aos lojistas que eram bem-vindos e amigos de Portugal, e no domingo, 31 de março de 1901, organizaram uma manifestação em sua honra. O povo de Abrantes, consciente de seus deveres cívicos e conhecido por sua liberdade e justiça, sentiu a necessidade de apoiar a luta dos bóeres pela independência de sua pátria. Uma pequena multidão, composta por todas as camadas da população, dirigiu-se ao local onde se encontravam alojados, tendo o Dr. Ramiro Guedes lido uma mensagem de boas-vindas, escrita em francês, a que Cmdt. Mostert respondeu, pedindo aos abrantinos que não manifestassem muito em público o seu apoio.
Os portugueses ficaram impressionados com este pedido e mais se convenceram que os refugiados cumpriram o dever de bravos heróis da África do Sul na sua luta contra os Britânicos. O ódio aos ingleses aumenta na proporção do crescimento da guerra, na teima cruel em querer dominar pela força bruta os povos pequenos que vivem no regímen civilizado da sua independência. Apesar dos bóeres se lastimarem por lutar com o colosso britânico não recuam de energia, matando o maior número de ingleses que encontram. Se encararmos por um lado, a superioridade do poderio inglês sobre os fracos recursos dos bóeres, estes alguns elementos têm, ainda que não para ficarem vitoriosos, pelo menos nutrem-se da esperança na demora da guerra. Os cavalos dos bóeres são oriundos do Transval e aguentam as grandes marchas pelos caminhos escarpados e montanhosos sem o risco de morreram, escapando os cavaleiros melhor, à morte; enquanto que os cavalos ingleses são naturais da Europa e do Canadá, tendo por isso estes animais menos destreza e velocidade nas marchas e resistem pouco ao clima africano. Nas espingardas dá-se outra vantagem, pois que, podem utilizar os cartuchos das armas inglesas, fazendo uso delas quando fazem aprisionamentos do inimigo que lhes reforça assim a sua defesa.[1]
Na falta de condições para um adequado fornecimento de alimentação (impossível no/do Convento da Esperança), foi decidido contratar uma pensão que o providenciasse e o Novo Hotel Central passou a servi-las durante algum tempo.[2] O hotel, propriedade de Manuel Montes, reclamava-se ter boas instalações, limpeza, excelente serviço de mesa e preços razoáveis, e situava-se na Rua dos Paços do Concelho, próximo da Praça.
A partir de 22 de abril de 1901, os estrangeiros ficaram responsáveis ​​pela sua alimentação e as portuguesas que vendiam verduras e frutas na praça, viram uma excelente oportunidade de ganhar dinheiro extra e cobraram preços excessivos pelo que a polícia e o município foram solicitados a agir de modo a parar com a exploração, como não esquece Ferreira.

Em Abrantes, o verão é quente, seco e de céu quase sem nuvens, o inverno é fresco, com precipitação e de céu parcialmente encoberto. Ao longo do ano, em geral a temperatura varia de 5 °C a 33 °C e raramente é inferior a 0 °C ou superior a 40 °C.
Inicialmente, o estado de saúde dos refugiados era em geral bom, embora dois ou três tivessem trazido de Moçambique doenças graves.
Para estes, o médico militar local recomendou que fossem solicitadas à Cruz Vermelha Holandesa as necessidades medicamentosas, o que veio a acontecer, embora com atraso.[3] Assim foi evitado enviá-los para Lisboa.

A Farmácia Neto, vendia rebuçados peitorais balsâmicos, sendo as Pilulas Mata Sezões, muito publicitadas. 
Se quereis ficar imediatamente sem febres ou sezões, tomai as pílulas Mata Sezões que se vendem em caixas de 6 pilulas-240 réis, e de 12 pilulas-400 réis. Remetem-se grátis pelo correio.
Dentro de cada caixa há um papel que explica a forma de se tomarem.
Além deste grande benefício abrem muito apetite à comida.
Dão-se 10:000 réis á pessoa que prove que estas pílulas não fazem efeito.
Vendem-se em Abrantes na loja do Exmo. Sr. António Augusto Salgueiro.
Depósito geral para todas as reclamações- Drogaria Martins-Santarém.
As sezões eram um flagelo em localidades, como Caldas da Rainha, aonde se anunciava Água contra as sezões, vende-se no Hospital das Caldas preparada pelo farmacêutico Lopes, em garrafas de litro, por 300 reis, com tarja onde se aplicará o modo de fazer o competente uso do medicamento.
S. Baco, o Mártir, era considerado o advogado contra as sezões. Por isso mesmo, alguns curandeiros na falta ou como complemento de outros expedientes, enviavam os pacientes ao Convento de Jenicó, em Benavente (zona de cultura extensiva de arroz), para pedir intervenção do santo, cuja imagem ali se encontra e tem as costas muito gastas, devido às raspagens provocadas pelas pessoas. O pó assim obtido, pó de santo, era misturado com água que, supostamente, curava essas maleitas febris.

Não consta que os exilados tivessem tido necessidade de utilizar o Hospital da Misericórdia de Abrantes, que no mês de julho de 1901 dava conta do seguinte movimento:
-A 30 de junho encontravam-se internados 10 homens e 5 mulheres;
-Durante o mês de julho deram entrada 12 homens e 20 mulheres;
-Saíram curados 19 homens e 12 mulheres;
-Faleceram 2 homens e 2 mulheres;
-Em 31 de julho encontravam-se internados 11 homens e 9 mulheres.[4]

Porque não havia escola, Mostert enviou o filho Hendrik, de doze anos, para Tomar, para estudar conjuntamente os filhos de Gen. Pienaar, embora fosse considerada sofrível.
Durante as férias escolares, em setembro de 1901, Mostert entendeu que o progresso escolar do rapaz não era o desejável, pelo que pediu às autoridades portuguesas para o deixarem estudar em Caldas da Rainha, o que foi deferido.

Como em Caldas, Alcobaça ou Peniche, os exilados de Abrantes tinham alguma liberdade de movimentos, que gostavam de usar para matar o tédio, passeando pela vila, frequentando tabernas, lojas, fazendo passeios (sem esquecer o uso de burros) e piqueniques ou tirando fotografias.
O rio era, de início, motivo de interesse também para fotografar. Numa dessas digressões, um fazendeiro aproveitou para indagar junto de João da Silva Oleiro, como eram os tanques de ferro para azeite que anunciava para vender.

A 12 de maio de 1901, houve um concerto musical em homenagem a Mostert.
O programa incluiu piano, o Hino do Transval e peças de natureza popular e tradicional, acompanhadas pelos assistentes.
Na sua intervenção, Mostert enfatizou quão benéfico eram estas iniciativas, que consolidavam a coesão entre todos.

Depois de repatriado, Mostert tornou-se leiloeiro e comerciante de gado em Joanesburgo.
Segundo Ferreira, Mostert entre os seus concidadãos era tido por confiável, rigoroso e exigente, mas também alguém que teve compreensão pelos pontos de vista dos outros e no campo de batalha sempre se esforçou para ter matado o mínimo possível de gente. Não admira, portanto, que merecesse grande respeito.



[1]-O Abrantes.

[2]-Ferreira, O. J..
O Abrantes.

[3]-Ferreira, O. J..
Echo do Tejo.
Tavares, Mário in, Aspetos do quotidiano caldense no terceiro quartel do século XIX/Torre da Águas.

[4] -O Abrantes.

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