terça-feira, 12 de dezembro de 2023

A HONRA PERDIDA. JURA?

 

A forma categórica como recusou a ajuda do Batista, oficial de diligências que contou o episódio, denunciava uma personalidade orgulhosa. Caminhou ereta até ao lugar indicado, apenas apoiada na bengala que agarrava firme na mão direita. Permaneceu de pé. Os cabelos brancos e as rugas, anunciavam idade provecta.

Pode sentar-se, minha senhora, dirigiu-se-lhe com delicadeza o juiz Madeira Bárbara.

Ficarei de pé, como me impõe o muito respeito a este Tribunal, ripostou num tom que quase não admitia réplica, batendo com a bengala no chão de soalho carunchoso da sala de audiências que funcionava no primeiro andar da Ala Norte do Mosteiro.

  Às perguntas sobre o nome, estado civil, morada, profissão, foi respondendo sem hesitações e aos Costumes[1]:

É alguma coisa a algum dos interessados nesta demanda?

Sou mãe do Francisco.

– Mas não está zangada com ninguém?

– Não Senhor Doutor, Jesus Cristo ensinou-nos a amar até os inimigos.

– Sim, mas o facto de ser a mãe do Francisco não a vai impedir de responder com verdade, àquilo que aqui lhe for perguntado?

– Na minha idade, Senhor Doutor Juiz, o temor das penas do inferno impede-me a mentira.

– Muito bem! Então jura por sua honra que vai dizer a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade?

– Juro por Deus, Senhor juiz! Pela minha honra não que ela se perdeu, tal como a deste pobre País.

O juiz, perplexo, disse apenas:

- Adiante, mas jura?



[1] A expressão e “aos costumes disse nada” utiliza-se nos tribunais. As testemunhas prestam juramento de que vão dizer a verdade e informam se têm grau de parentesco ou afinidade especial com alguma das partes envolvidas no processo ou, ainda, se têm litígio (judicial, por exemplo) contra uma dessas partes. Assim, a frase completa é “Prestou o juramento legal e aos costumes disse nada”, o que significa que jurou dizer a verdade e declarou que não tinha parentesco, afinidade especial ou conflito em relação a nenhuma das partes. Se o tiver, então isso terá de ficar registado, e não se escreverá a expressão “disse nada”, mas, por exemplo, “disse ser mãe do Francisco”.

 

  

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