domingo, 24 de dezembro de 2023

TRANSPORTE "AMERICANO" EM ALCOBAÇA (Século XIX)

 

 

TRANSPORTE “AMERICANO” EM ALCOBAÇA 

(Século XIX)

 

FLeming de OLiveira

 

 

 

 

 

 

O Americano, que assentou nos eixos nos concelhos de Leiria, Marinha Grande e Alcobaça, foi construído por volta de 1856 por proposta do Administrador Geral das Matas, Porfírio António Caminha,  conforme projeto do Engº. Joaquim Simões Margiochi. Na sua construção trabalharam vidreiros, atenta a  circunstância de a Real Fábrica dos Vidros, da Marinha Grande, se encontrar momentaneamente fechada por falta de arrendatário.

  Inicialmente utilizava carris de madeira mas, em 1861, com a renovação ordenada pelo Ministro das Obras Públicas, o Duque de Loulé, estes foram substituídos por carris de ferro importados de Inglaterra juntamente com material rolante. Em 26 de Setembro de 1862, foi noticiada n’O Leiriense a abertura do concurso para a exploração do serviço de tração animal, já com carris de ferro, tendo nesse ano sido feita a adjudicação.

  O percurso iniciava-se em Pedreanes/Marinha Grande, na bifurcação das atuais estradas para S. Pedro de Moel e Moita, depois seguia na direção a Martingança, Valado de Frades, Mouchinha e finalmente chegava a S. Martinho do Porto, numa extensão de 36 km. Para São Martinho transportava os produtos do Pinhal de Leiria com destino aos estaleiros de Lisboa, e no retorno trazia da Martingança, areia e calcário para a Real Fábrica dos Vidros e pedra e cal para construção de estradas e do edifício da Resinagem.

  O comboio, constituído por nove vagões transportando cada um cerca de 4.500 kg. de carga e passageiros, era acionado por bois nas subidas, enquanto nas descidas beneficiava do próprio peso. De Pedreanes à Martingança era puxado a bois. De Martingança ao Valado de Frades avançava por si. Do Valado à Mouchinha era puxado a bois. Da Mouchinha a S. Martinho do Porto avançava por si. Alguns passageiros levavam espingardas e caçavam nos troços em que o comboio puxado pelos bois rolava lentamente. Este comboio fazia normalmente 2 viagens semanais. Demorava de Pedreanes a S. Martinho do Porto cerca de 8 horas e no sentido inverso cerca de 6. 

  Num contrato firmado para 1862 acordou-se o serviço de cinco boieiros. Apenas um deles ocupava os seus animais em permanência, alternando os restantes carreiros o gado no serviço. A remuneração da junta de gado por vagão foi fixada em 390 réis. Num contrato firmado no ano seguinte, Maria Carvalha, boieira de profissão, tinha de apresentar na estação do Valado de Frades seis bois todas as segundas, quartas e sextas-feiras, sendo o frete anual das madeiras entregue a quatro boieiros. Este contrato estipulava que cada junta será obrigada a puxar somente um vagão ganhando em cada dia trezentos e cinquenta reis e que, cada falta ao serviço, tinha como contrapartida a indemnização de 5.000 réis.

  Em 1885, com a construção da linha do Oeste, que aproveitou parte do traçado existente e com a chegada em 1888 à Marinha Grande dos comboios a vapor, o Americano foi desativado.

  A revolução industrial, a máquina a vapor, arte e o engenho propiciaram no século XIX, uma mudança radical no sistema dos transportes e da mobilidade, que alastrou a todo o mundo.

  Este americano não tinha hipótese de sobreviver.

 

  Ficavam distantes os tempos em que eram gastos cinco dias numa liteira carregada por animais para ir de Lisboa ao Porto e quase um dia na Mala-posta que, só em 1859, passou a ligar estas cidades. A Mala-posta, mudava 23 vezes ao longo do percurso as duas parelhas de cavalos que puxavam a diligência.

  A Mala-posta surgiu em Portugal inserida no processo de extinção do Ofício do Correio-Mor, que durante cerca de dois séculos esteve na posse da família Gomes da Mata, passando a ser explorado pelo Estado em 1797. Nessa altura, na maior parte dos países europeus, os correios a pé ou a cavalo tinham dado lugar ao transporte em carruagem e abrangiam o de passageiros.

  José Mascarenhas Neto, Superintendente Geral dos Correios e Postas do Reino, instituiu o serviço da Mala-posta, sendo de sua autoria o Methodo para Construir as Estradas de Portugal e Instruções para o estabelecimento das Diligências entre Lisboa e Coimbra. Este regulamento estabelecia, além das normas de conduta que envolviam pessoal e passageiros, os percursos, as paragens e os horários nas Estalagens e Casas da Posta, que deveriam ser assinaladas com as Armas Reais.

  Com Fontes Pereira de Melo no Ministério das Obras Públicas a partir de 1852 e com a Regeneração, operaram-se profundas remodelações nos serviços de comunicações. Foi utilizado o método Mac-Adam na pavimentação da estrada Lisboa-Porto, foram adquiridas carruagens francesas e cavalos. As estações de muda passaram a ter um estilo arquitetónico tipificado e a servir para se necessário os viajantes cearem e pernoitarem com alguma comodidade.

  Apesar do bom serviço que as diligências prestavam, a sua extinção era inevitável com o aparecimento do comboio, muito embora se mantivessem em atividade durante mais algum tempo.

  O comboio a vapor foi determinante na revolução dos transportes e da gestão do património e território, condicionando ou sendo condicionado pela localização de fábricas e contribuindo decisivamente, em alguns casos, para o estabelecimento e desenvolvimento de agregados populacionais. Caso paradigmático é o Entroncamento. Aquando da introdução do caminho-de-ferro, alguns detratores insistiram na ideia de privilegiar o transporte fluvial por causa dos constrangimentos que a orografia colocava à implantação da via-férrea[1].

 

 



[1] J. M. Gonçalves,  António V. Maduro  e R. Charters d´Azevedo.

 

 

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