domingo, 24 de dezembro de 2023

MÃE SOBERANA E O PRIOR DE TURQUEL

 

Alguns conservadores convenceram-se de que, com o anticlericalismo e o exclusivismo partidário da República, havia espaço para a derrubar.

 Paiva Couceiro entrou no País a partir da Galiza, em 3 de outubro de 1911 e em 6 de julho de 1912.

  Na primeira vez, ocupou Vinhais, proclamou a Monarquia, hasteou a Bandeira azul e branca, mas o seu pessoal mal-armado e nem sempre motivado, não aguentou e retrocedeu à Galiza.

  O Pe. José Pereira dos Santos, pároco de Turquel[1], monárquico assumido e interventivo, deslocou-se ao Porto em 1911, para apoiar Paiva Couceiro e a sua Causa. Regressado à paróquia fez apelos à revolta contra a República, o que ocasionou que, a solicitação do Centro Republicano, fosse preso por uma força do Quartel de Alcobaça, composta por 6 homens armados e encarcerado na cadeia, lado a lado com detidos de direito comum, como arruaceiros, bêbados ou amigos do alheio. Paga a fiança por um amigo – não pago, não pago por uma questão de princípio – voltou à paróquia, onde prosseguiu com incitamentos mais discretos, mas sempre controlados.

 José Ferreira Chumbo, estabelecido na praça de Lisboa e natural dos Louções/Turquel, fez um protesto ao Governo Civil de Leiria contra a estadia em Turquel do Pe. José Pereira dos Santos, manifestando repúdio pela impunidade e benevolência de que tem gozado por parte do poder político, solicitando a sua expulsão da paróquia, por inadaptação à nova ordem política.

  Na segunda incursão, os monárquicos passaram a raia em três pontos do Minho e de Trás-os-Montes. A coluna da Paiva Couceiro rumou a Chaves, onde ocorreram combates violentos[2], e deixou prisioneiros. Mas, desta vez, o Pe. Pereira dos Santos, quedou-se pelo púlpito, mandando a Paiva Couceiro uma mensagem de solidariedade.

  Depois destes malsucedidos ataques, os monárquicos ainda se envolveram noutras conspirações menos relevantes, contribuindo para aumentar a instabilidade político-social do País. Esperavam suscitar uma insurreição geral, mas constataram a indiferença apática dos monárquicos. O Exército manteve-se fiel à República, enquanto proliferavam grupos disponíveis para fazer trabalho sujo de intimidar, calar ou liquidar os reais ou supostos inimigos, os reacionários monárquicos.

 

  O Pe. Pereira dos Santos, ouvira referir a festividade que se realiza em Loulé, em honra da Nª. Srª. da Piedade/Mãe Soberana, considerada uma das maiores do culto mariano a sul do País. Nesses anos conturbados da I República, as ruas continuavam pejadas de algarvios, de alentejanos e mesmo de andaluzes.

  A procissão começa a formar-se. Ouve-se a banda, o povo agita-se, os homens do andor avançam pausada e solenemente, enquanto bradam: Viva a Mãe Soberana, ao que povo responde: Viva.

  Não havia conotação política, mas o Pe. Pereira dos Santos supunha o contrário, pelo que entrou em contacto com o Prior da Matriz de Loulé, o Pe. Luís Manuel Oliveira[3], com o objetivo de obter informações e intentar implantar em Turquel uma versão daquela festividade, como forma de afrontar a República.

  A Mãe Soberana (ao jeito de Loulé), não vingou em Turquel. 

  Loulé celebrou no dia 1 de maio de 2022, a Mãe Soberana, após dois anos de ausência por força do Covid19. Esta festividade continua a afirmar-se como uma expressiva e concorrida manifestação religiosa. O seu culto encontra-se inscrito no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial.

 



[1]  O Patriarcado informou que nasceu em Malhou a 1 de dezembro de 1876, tendo ingressado no Seminário de Santarém em 1891. A 26 de março de 1898 recebeu, na Igreja de S. Vicente de Fora, a prima tonsura e os quatro graus das ordens menores. Em 1901, assumiu funções na Paróquia de Turquel, ficando aí colado a partir de 3 de junho de 1907. Faleceu a 5 de novembro de 1959 em Lisboa.

 

[2] Em vista a heroicidade das gentes de Chaves, a nível da toponímica existe em Lisboa a Avenida Defensores de Chaves, na Nazaré a Rua Heróis de Chaves e, no Porto, existiu a Rua Heróis de Chaves, redenominada Rua de D. João IV, depois do 28 de maio.

-Em Chaves foi dado o nome Largo de 8 de julho ao Largo do Anjo, e o feriado municipal passou de 31 de outubro para 8 de julho.

 

[3] Loulé tem as paróquias da Matriz e de S. Sebastião, sendo pároco desta em 1911 o Pe. José Parreira Espada Calapez.

-Pe Aquino, de Loulé (2022).

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